Discipulado na era do espetáculo: Uma entrevista com Kevin Vanhoozer sobre tecnologia | Tony Reinke

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Gosto de deixar desconfortáveis as pessoas que gosto – especialmente meus teólogos preferidos – ao jogá-las para fora do conforto de sua área de especialização e ouvi-las abordarem importantes questões contemporâneas.

Assim, quando sugeri ao Dr. Kevin Vanhoozer que abordasse as conexões e conflitos entre o teodrama (sua especialidade) e os jogos online (que não é sua especialidade), ele torceu o nariz um pouco, mas concordou. Na mesma época que fiz a pergunta, um campeonato de verão de Minecraft aconteceria em sua cidade, e um artigo de jornal falando sobre uma competição de jogos online ocorrendo em um teatro de Chicago foi algo que chamou sua atenção.

O Dr. Kevin Vanhoozer serve como professor e pesquisador em Teologia Sistemática na Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, Illinois. Ele é autor de livros extremamente valiosos, como O Drama da Doutrina (2005), Remythologizing Theology (2012), Encenando o Drama da Doutrina (2014), e a sua mais recente obra, Pictures at a Theological Exhibition, que será publicada em 1 de maio.

O que se segue é uma entrevista que fiz com ele sobre imaginação, CGI (imagens geradas por computador), sobrecarga de informação, jogos online, e a relevância da palavra.

Dr. Vanhoozer, obrigado pelo seu tempo. Em seu futuro livro, você escreve: “A ironia de nosso tempo é que, embora tenhamos tecnologias de formação de imagem mais poderosas do que nunca, continuamos presos naquilo que o poeta Paul Claudel chamou de “a tragédia de uma imaginação faminta.'” Explique isso. Como a tecnologia de CGI e esta era da imagem artificial e da tela do smartphone de alta definição – como tudo isso enfraquece a nossa imaginação? E por que isso é prejudicial para a vida cristã?

Expor a ironia em questão foi uma das minhas principais motivações ao escrever o livro. A premissa fundamental em Pictures at a Theological Exhibition é que uma imagem é capaz de manter cativa as mentes de muitos cristãos evangélicos. Em si, isso não é novidade. A antiga Israel foi mantida cativa por uma imagem de como seria bom o governo de um rei humano, assim como as outras nações. A pompa e circunstância da corte real eram, aparentemente, mais impressionantes do que o senhorio invisível de Deus.

A fé é “a prova das coisas que não se veem” (Hebreus 11:1). O fato é que agora vivemos em uma cultura dominantemente visual. Anos atrás, Jacques Ellul já falava sobre a A Humilhação da Palavra. Se uma imagem vale mil palavras, imagens em movimento – especialmente aquelas que são digitalmente melhoradas – valem ainda mais. Ou não? Ellul teme que as imagens suportem o peso de glória: na melhor das hipóteses, elas representam apenas o mundo material. Mesmo as imagens geradas por computador normalmente não vão além da superfície das coisas. Uma cultura visual, Ellul lamenta, nos sentencia à superficialidade.

Esse é o pano de fundo para meu comentário sobre a imaginação faminta. As imagens são simplesmente a cereja no bolo da imaginação, mas há pouco valor nutritivo no açúcar. A carne e as batatas da imaginação, as partes que realmente nutrem, envolvem palavras: em particular, histórias e metáforas. Dar sentido a uma metáfora ou acompanhar uma história significa fazer conexões entre as coisas e, no fim, construir um mundo. A imaginação é algo mais do que a capacidade de reproduzir aquilo que não existe; ela é a capacidade de criar ou descobrir padrões significativos.

Voltando à sua pergunta: Como o 3D subverte a imaginação? Bem, imagine ter um servo ou um robô que faça todo o trabalho físico por você: lave os pratos, abra as portas, leve o lixo para fora. Depois de algum tempo, seus músculos se atrofiam. Você perde a capacidade de carregar as coisas por conta própria. Você tem menos, ao invés de mais capacidade.

Algo semelhante, penso eu, acontece em nossa era de efeitos especiais. Nada é deixado para a imaginação. Computadores geram mais detalhes do que o olho pode processar. Contraste isso com a maneira como a Bíblia conta histórias, onde há normalmente lacunas para o leitor preencher. Menos é mais: a reticência da Bíblia em colorir os detalhes permite, na verdade, que ela seja melhor compreendida em diferentes épocas e lugares. Se deixarmos que um artista ou cineasta forneçam todos os detalhes, nossas imaginações começarão a atrofiar. É a diferença entre leitura passiva e ativa. E por que ser um espectador passivo é algo prejudicial à vida cristã? Deixe-me sugerir três razões.

Em primeiro lugar, essas tecnologias de formação de imagem contribuem para aquilo que o romancista peruano e ganhador do Nobel Mario Vargas Llosa chama de “cultura do espetáculo”. Llosa observa que, no passado, a finalidade da cultura era a edificação: construir a sociedade ao civilizar uma pessoa de cada vez, ensinando-as caráter e valores da boa cidadania. Em contraste, uma cultura do espetáculo serve principalmente para curar o tédio; para distrair e entreter. O problema com culturas de espetáculo é que elas cedem à lei dos rendimentos decrescentes. As pessoas têm que encontrar uma montanha-russa cada vez mais rápida e íngreme para manter a emoção viva. Os dinossauros têm que ser maiores; a destruição tem que ser em uma escala maior. Eventualmente, os efeitos especiais espetaculares nos tornam insensíveis às maravilhas do cotidiano. Além disso, todos esses efeitos especiais fazem o ministério da palavra – o ato de falar no ar – parecer fraco e desinteressante.

Em segundo lugar, os cristãos bem-intencionados que querem falar aos outros sobre Jesus estão sendo tentados a usar as formas culturais atuais, porém talvez sem refletir se estas formas são veículos apropriados para o conteúdo cruciforme. Pense, por exemplo, no número de releituras cinematográficas de histórias bíblicas cheias de efeitos especiais (por exemplo, Noé, Êxodo: Deuses e Reis). E você sabia que existe todo um gênero de gibis de super-heróis cristãos? Os cristãos precisam de super-heróis? Eu acho que não. As pessoas na galeria da fé em Hebreus 11 não tinham superpoderes, e sim apenas a obediência da fé.

O terceiro e talvez mais importante motivo de preocupação é que a imaginação da igreja corre perigo de ser dominada por imagens espetaculares que dizem mais respeito à cultura contemporânea do que à fé cristã. A vocação do discípulo envolve aprender a olhar o mundo a partir de categorias bíblicas e, em seguida, aprender a viver dentro desta realidade. O desafio, neste momento, é saber como fazer isso em uma cultura do espetáculo, onde os efeitos especiais parecem mais reais do que a vida cotidiana, e onde as imagens de uma boa vida ou sucesso mundano (fama! riqueza! poder! uma bela voz!) tendem a colonizar a nossa imaginação e nos levar a idolatrá-las em nossos corações.

A propósito, a cultura está sempre presente no processo de formação espiritual. A cultura cultiva; ela faz com que as pessoas sejam produtoras e consumidoras de bens materiais. Muitas das imagens em circulação na cultura são invenções dos gurus do marketing vendendo imagens de uma boa vida: não há limite para fazer evangelhos seculares!

Não me interpretem mal: os discípulos precisam de imaginações vigorosas. Eu acredito que as Escrituras livram nossa imaginação da cultura do espetáculo para que possamos ver o mundo como ele realmente é: uma criação boa, porém caída, na qual o reino de Deus está avançando de maneira misteriosa e, muitas vezes, nada espetacular. Jesus foi capaz de transmitir isso com histórias simples: parábolas. O que é impressionante nas parábolas não são os efeitos especiais, mas o extraordinário no ordinário. A imaginação cristã não se distrai com imagens superficiais (do espetáculo), mas penetra até a dimensão profunda das coisas. Nenhum efeito especial de computação gráfica chegou perto de fazer justiça ao que Paulo apresenta em Efésios 1: o plano de Deus de reunir todas as coisas em Cristo (Efésios 1:10). Você consegue imaginar isso?

Sim, este é um ponto absolutamente crítico… Parece que recebemos conteúdo de três maneiras distintas. Deus falou por seu Filho na sua palavra (revelação especial) e na criação (revelação geral). Mas, além disso, estamos sendo alimentados por um fluxo constante de conteúdo produzido, quer por empresas de produção em massa ou, em menor escala, por artistas, ou, agora, por nossos seguidores, amigos e família através das mídias sociais. Os cristãos precisam priorizar as Escrituras e a natureza, mas são muitas vezes atraídos para se alimentar das várias formas de mídia que parecem tão “relevantes” no momento. Quais são as consequências espirituais se ignorarmos a revelação de Deus em favor de nos alimentarmos daquilo que é produzido?

“Alimentação” é o termo operativo, embora pareça contradizer o que eu estava dizendo sobre a imaginação faminta. Mas não, não contradiz. A desnutrição é uma espécie de fome, mas ela não tem a ver com a escassez. Pelo contrário, nossos pratos de informação estão ficando cada vez maiores. Estamos fartos! Temos mais informação do que nunca, e em grande parte literalmente na ponta dos dedos (com os smartphones). Nos tornamos uma nação de fast-food, literal e metaforicamente. Tanto a comida como a informação estão disponíveis para o consumo 24 horas por dia. Como resultado, o assombro de T. S. Eliot é mais relevante do que nunca: “Onde está o conhecimento que perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”

Calvino chamou a Bíblia de “lentes da fé”. Se ele estivesse vivo hoje, talvez diria que a Bíblia é o “software da fé”. Uma coisa é ter dados, outra é processá-los. Como Eliot sugere, nós, modernos, estamos repletos de informação. A questão, porém, é como processar ou fazer sentido de tudo isso. E é tão fácil perder a perspectiva quando se está sujeito à tirania do imediato. Miserável pensador analógico que eu sou! Quem me livrará destes megabytes de dados (cf. Romanos 7:24)?

Uma consequência espiritual de ignorar a revelação de Deus é que perdemos a perspectiva em nossas vidas – a grande figura proverbial – e, com ela, a sabedoria. Desprovidos da perspectiva da eternidade, nos sentimos sobrecarregados pelas coisas temporais e pela tirania do imediato. O impressionante não é apenas a quantidade de informação disponível, mas também o número de escolhas que temos de fazer.

Como mencionei anteriormente, a cultura está completamente empenhada na formação espiritual e há um grande número de manuais, assistentes pessoais, e até mesmo treinadores de funcionamento cognitivo oferecendo conselhos sobre tomada de decisão. No entanto, a menos que tenhamos em vista uma finalidade clara e uma visão daquilo que é bom para nós – daquilo que enriquece a nós e aos outros – é difícil saber o que decidir. A cultura moderna encoraja-nos a escolher o que é mais eficiente, conveniente, agradável ou rentável, mas esses critérios são aplicáveis apenas se o objetivo é consumismo, como se nosso deus fosse nosso estômago ou qualquer outra coisa que contenha o que consumimos.

A Bíblia oferece uma orientação preciosa para navegarmos pelos mares de dados que ameaçam nos afogar. A Bíblia diz por que estamos aqui, quem somos, e o que devemos fazer com nosso tempo e energia, nossos recursos mais preciosos. Sem o nosso roteiro divino – o próprio software metanarrativo para sermos humanos junto com outros diante de Deus – todo o conteúdo do mundo não vai nos ajudar a nos tornar sábios ou maduros. A relevância é uma quimera: o que precisamos é retidão e justiça. O que precisamos é uma visão sobre como trilhar o caminho de Jesus Cristo após ele.

Amém, precisamos uns dos outros. A comunhão encarnada entre os cristãos, face a face, é superior à comunicação desencarnada através de cartas ou de texto. Paulo e João sabiam disso (veja Romanos 15:32; 2Timóteo 1:4; 2João 12). Acho que todos nós entendemos o valor do tom da fala, gestos com as mãos, o calor da voz, etc., auxiliando na comunicação e na interpretação dos significados. Mas, além destes fatores, o que há de diferente na comunhão face a face e que se prova insubstituível ao determinar a alegria de nossa comunhão cristã?

Uma maneira de pensar sobre a igreja – a maneira bíblica! – é como sendo a assembleia reunida dos crentes. No Novo Testamento, a igreja está sempre localizada em uma certa cidade ou região: Corinto, Roma, Éfeso e assim por diante. Há uma razão para isto. Embora, em um sentido importante, a igreja esteja com Cristo “nos lugares celestiais” (Efésios 2:6), a maioria das referências bíblicas são a assembleias terrenas: localizações específicas “onde dois ou três estiverem reunidos” (Mateus 18:20). A vida cristã é, para todos os efeitos, ligada a lugares – daí a expressão “a igreja local”.

Um dos problemas com a globalização, o transporte, a tecnologia de comunicações e a modernidade em geral é que estes benefícios também vêm com um custo: o senso de ausência de lugar. O Skype pode colocar o mundo inteiro ao nosso alcance, mas o resultado destas nossas capacidades de falar com pessoas em qualquer hora ou lugar, ou de viajar para o outro lado do planeta em questão de horas, é uma perda do senso de pertencimento a qualquer lugar específico. A distância não é mais um impedimento, e isso, sem dúvida, é potencialmente uma coisa boa. Mas, por outro lado, nossa conexão com lugares tanto próximos como distantes torna mais difícil que nos sintamos em casa em algum lugar. E não são apenas os indivíduos que não mais se sentem como se pertencessem a algum lugar; toda a nossa cultura está sofrendo daquilo que Oliver O’Donovan chama de “perda do senso de lugar”.

O que o lugar tem a ver com as conversas face a face? Tudo. A igreja local é uma comunidade que se reúne em um lugar particular. Nossa tecnologia de comunicação é indiferente ao lugar: ela conquistou o espaço. Podemos conversar instantaneamente com as pessoas em qualquer lugar do planeta, em órbita ao redor do planeta ou na lua. A distância entre as coisas já não é significativa. Ou é?

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A igreja local ocupa um lugar específico na terra. Isso não é insignificante. Os seres humanos são almas com corpos. Nossos corpos nos localizam: nossa posição é fixa. Podemos estar fisicamente presentes em apenas um lugar de cada vez. E isso, eu creio, é o início da resposta à sua pergunta. Assim como na Ceia do Senhor nós celebramos a “presença real” do corpo de Cristo, nós também celebramos nossa “presença real” uns para os outros. Quando o conjunto de crentes se reúne, ele faz mais do que preencher o espaço vazio. A igreja como uma assembleia reunida diz e faz coisas que dão sentido ao lugar. Um lugar permite que as pessoas interajam umas com as outras.

De certa forma, o espaço mais importante em uma igreja é o espaço entre as pessoas: esta proximidade é a condição para uma interação pessoal significativa. Há algo triste em termos de transmitir a paz de Cristo eletronicamente, ao invés de pelo abraço pessoal. A comunhão face a face é necessária se os membros de uma igreja local desejam estar realmente presentes com, por e para os outros. É difícil participar do mesmo pão (1Coríntios 10:17), a menos que estejamos sentados à mesma mesa.

Isto leva-me aos jogos online. Os videogames são uma forte tentação para o usuário isolado. Temos visto, porém, um recente aumento dos jogos online, nos quais encontramos um mundo virtual com amigos envolvidos em uma mesma realidade virtual, mesmo que remotamente. O que há nos jogos online que ecoa o teodrama, a sua ênfase na teologia como algo vivo e dinâmico sendo encarnado e vivido coletivamente no povo de Deus? Há algum paralelo formativo positivo? E como os videogames, mesmo os jogos online, são talvez uma fuga deformadora?

A minha experiência com videogames é bastante limitada. As vezes em que joguei foram, a princípio, motivadas pela mentalidade de uma “fé buscando entendimento”: eu queria saber o porquê de todo o alarido e sobre o que alguns de meus alunos estavam falando. Alguns alunos do meu curso de Hermenêutica Cultural escolheram determinados MMORPGs (multiplayer online role-playing) para escrever seus trabalhos finais (eles deveriam fazer comentários teológicos sobre “textos culturais” selecionados). Foi assim que descobri Second Life e World of Warcraft.

Estes jogos são um grande negócio. Milhões de dólares estão sendo gastos em sua produção e consumo. Muitos são comercializados e avaliados da mesma forma que os sucessos de Hollywood. É como eu digo aos meus alunos de Hermenêutica Cultural: se você quer entender o que realmente está acontecendo na cultura contemporânea, siga o dinheiro.

Francamente, nunca me ocorreu que poderia haver um paralelo entre jogos online e o encorajamento de que meus discípulos vissem suas vidas como participantes do drama da redenção centrado na reconciliação de Deus em Jesus Cristo. Suponho que a principal semelhança esteja na ideia de participar de uma história maior do que você mesmo, mas na qual você ainda pode contribuir com algo significativo – talvez até mesmo heroico.

Muitos MMORPGs envolvem batalhas míticas. Em uma época de crescente cinismo, na qual nada realmente importa (afinal, como as pessoas podem mudar o “sistema”?), os jogos podem estar atendendo a uma necessidade de sentir que nossas ações fazem a diferença. E o fato de que há outros jogadores significa que pode haver oportunidades para o desenvolvimento de um tipo de virtude online: ninguém tem maior amor do que este, de um adolescente dar o seu avatar pelos seus amigos…

De forma menos caridosa, mas mais realista: eu duvido que MMORPGs tenham qualquer valor social redentor (estou vagamente consciente de que alguns ministérios cristãos vêm a realidade virtual como um novo campo de missão e que agora existem videogames cristãos, de modo que as advertências que fiz aqui podem ser apenas parte da história). MMORPGs são basicamente mais um sintoma da nossa cultura do espetáculo. Os jogos fazem de nossos computadores “consoles de espetáculo”.

Não sou especialista, mas estou ciente de uma série de estudos sobre os efeitos deletérios dos jogos online tanto em adolescentes como em adultos. (Para ser justo, alguns estudos destacam os efeitos úteis dos jogos, como a experiência da amizade online e da cooperação). No ano passado houve duas notícias separadas sobre jogadores adultos que morreram nos cyber-cafés depois de três dias de “jogatina”. [Há um excelente site dedicado ao vício em videogame].

O vício é o oposto da formação de virtude.

É claro que nem todos os jogadores são viciados. No entanto, pode haver sérias consequências físicas, sociais e espirituais mesmo para aqueles que não são viciados. A igreja precisa abordar esta questão e os pais cristãos precisam fazer muito mais do que incentivar os filhos ao “jogo responsável” ou “jogo com segurança”. Videogames podem se tornar uma alternativa a ter que lidar com problemas da vida real. O retiro para qualquer mundo virtual ou de fantasia também tem o risco de danificar o senso de si e dos relacionamentos pessoais no mundo real. Alguns jogadores preferem a sua identidade online à sua identidade no mundo real; “tempo de tela” ao “tempo de qualidade” com amigos e familiares. No limite, o videogame pode tornar-se uma idolatria: muitos viciados em videogame não se tornam apenas ansiosos, mas também escravos de seus jogos, ao ponto em que horas e horas são perdidas. Não se pode servir a Deus e aos MMORPGs.

Curiosamente, muitas vezes os cristãos é que foram acusados de ser “de outro mundo” por críticos como Marx e Freud. Eu creio que, ao contrário, os cristãos deveriam ser as pessoas que mais estão em sintonia com aquilo que é último e verdadeiramente real. Temos uma vida para viver e há muitas coisas que os cristãos deveriam estar fazendo e dizendo como discípulos do Senhor Jesus Cristo. O lema para os discípulos sérios é “caia na real” e não “caia no virtual”.

Para essa finalidade, você escreveu: “os discípulos não podem andar como sonâmbulos através da vida cotidiana.” Precisamos pensar, aqui, sobre como temos sido influenciados. Quais são alguns dos sinais de alerta de que as tecnologias de comunicação digital (especificamente smartphones, tablets, mídia social) estão ocupando demais as nossas vidas e mudando a forma como a enxergamos? Para quais influências você estaria alerta?

Minha premissa é, de fato, a de que muitas pessoas estão hoje sonâmbulas: atravessando os movimentos da vida, mas sem dar a devida atenção ao que estão fazendo e, muitas vezes, alheias à presença e atividade de Deus. O que vale, no fim – o que tem significado duradouro – é o que o Pai está fazendo no Filho por meio do Espírito Santo. Renovação e restauração da criação: isso sim é dramático!

Os discípulos têm o grande privilégio e responsabilidade de testemunhar e exibir uma nova vida em Cristo. No entanto, como mencionei anteriormente, muitos membros de igreja tiveram suas imaginações moldadas por outras histórias, geralmente as que estão na primeira página. A CNN e outras organizações jornalísticas oferecem “notícias de última hora” em uma base regular e, se você não for cuidadoso, pode perdê-las (gerando a “ansiedade da desconexão”).

A simples verdade é que muito do que passa por nossas cabeças e nossos sentidos não é a história de Jesus, mas alguma outra história – talvez a de uma celebridade ou, o que é mais provável, a mais recente sensação do YouTube. Recentemente li um artigo da revista TIME sobre o CEO do YouTube, o qual dizia que mais de 400 horas de conteúdo é carregado no YouTube a cada minuto. Imagens e vídeos clamam por nossa atenção o dia todo. Assim como as eras mais antigas mudaram da oralidade para a literacia, podemos estar testemunhando uma mudança cultural tectônica para uma “videidade”. Podemos não ser programadores, mas fazemos parte do que poderíamos chamar de “digitalidade”: somos um povo de pixels.

Estudos mostram que os americanos gastam, por dia, cerca de cinco horas e meia com mídias digitais de vários tipos. As alunas da Universidade de Baylor aparentemente admitem usar seus celulares por cerca de dez horas por dia. Sherry Turkle soou o alarme em seu livro Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age. Assim como acontece com os videogames, o resultado das novas tecnologias de comunicação digital é o dano à interação interpessoal.

Turkle acredita que quando as pessoas ficam absorvidas por seus dispositivos, elas perdem a habilidade de ficar sozinhas e cultivar suas vidas interiores. E as pessoas que têm uma vida interior pobre têm mais dificuldade de empatia com os outros, talvez porque sejam indiferentes a eles. Tenho visto crianças de quatro ou cinco anos totalmente absortas em seus videogames em restaurantes enquanto seus pais estão ocupados trocando mensagens de texto em seus smartphones. O que costumava ser uma experiência compartilhada tornou-se algo diferente, uma maneira de se estar sozinho juntos.

Adolescentes gostam de usar Snapchat para se comunicar, em parte porque as mensagens desaparecem uma vez que são lidas. No entanto, é difícil “deixar o seu ‘sim’ ser sim” (Tiago 5:12) quando as palavras são tão fugazes. O problema, mais uma vez, é que essas tecnologias de comunicação mais recentes podem subverter, inadvertidamente, a própria finalidade da comunicação, que é, afinal, o “tornar comum.” Pessoas que não estão totalmente presentes realmente não podem compartilhar a si mesmas.

Isso não significa que a fala vocal é menos efêmera; na verdade, ela não é. As palavras no Snapchat duram segundos. Palavras vocalizadas duram centésimos de segundos. No entanto, o Snapchat levanta questões sobre a ética de mensagens intencionalmente autodestrutivas, compartilhadas sob a premissa de que vão ser limpas do registro. Esse parece ser um fenômeno diferente.

Os discípulos que querem seguir a Jesus no século 21 precisam acordar e ficar acordados. Uma maneira de fazer isso é estar consciente e atento à natureza e aos efeitos de nossas novas tecnologias de comunicação. Precisamos compreender o que a cultura de comunicação moderna está fazendo conosco – que tipo de humanidade ela está cultivando e que tipo de espírito está se formando. Assim como o videogame pode ser viciante, os aplicativos de seu smartphone também podem ser. Você sabia, por exemplo, que para projetar um bom aplicativo você precisa não só de arquitetos de software, mas também de psicólogos aplicados e economistas comportamentais?

Muitos dos designers de aplicativos no Vale do Silício estudam como criar padrões de comportamento obsessivo-compulsivos no laboratório de tecnologia persuasiva da Universidade de Stanford (eu não estou inventando isso!). O laboratório foi fundado em 1998 por B. J. Fogg, o fundador de uma nova área de estudo chamada “captologia”, que é um acrônimo para “computadores como tecnologia persuasiva.” Captologistas procuram maneiras de capturar a atenção das pessoas e cultivar padrões compulsivos de comportamento centrados no uso de aplicativos (leia mais em Nir Eyal, Hooked: How to Build Habit-Forming Products).

Duas ansiedades conduzem muito do que fazemos hoje: a ansiedade de status (o que as pessoas pensam de mim?) e a mais nova ansiedade de desconexão, que está ligada ao FOMO (fear of missing out – medo de perder). Em poucas palavras: estou conectado, logo existo. A questão, porém, é: conectar-se ao quê? Receio que, para muitos, a resposta quase sempre seja ao império do entretenimento industrial. Vivemos naquilo que foi descrito como uma “economia da atenção” e o sermão de domingo de manhã parece fraco em comparação a uma sessão de Safari surfing. Este último permite-nos estar envolvidos com toda a cultura popular e opinião. A questão preocupante para o discípulo é se nossa atenção está sendo atraída para algo valoroso.

Os espetáculos são efêmeros e, por isso, aqueles que sofrem de FOMO estão sempre à procura da Próxima Grande Coisa. Os discípulos que estão acordados para a realidade têm sua atenção fixa na única notícia que realmente importa; a saber, a notícia de que o reino de Deus invadiu o nosso mundo através de Jesus Cristo. Esta notícia exige a nossa atenção constante e uma imaginação bem desperta.

Dr. Vanhoozer, foi uma honra. Obrigado por me deixar jogá-lo para fora de sua zona de conforto. Estaremos aguardando seu próximo livro, Pictures at a Theological Exhibition, que sairá em 1 de maio.

Traduzido por Fernando Pasquini e revisado por Jonathan Silveira.

 Texto original: Discipleship in the Age of the Spectacle: An Interview with Kevin Vanhoozer on Technology. Desiring God.

nCrJM-U1Tony Reinke é um dos escritores do ministério Desiring God e autor de três livros: “Lit! A Christian Guide to Reading Books (2011), “Newton on the Christian Life: To Live is Christ (2015) e “The Joy Project: A True Story of Inescapable Happiness (2015). É apresentador do podcast popular “Ask Pastor John” e vive nas Twin Cities com sua esposa e seus três filhos. Também escreve em seu blog tonyreinke.com.
658-autor_defaultKevin Vanhoozer é professor de Teologia Sistemática na Trinity Evangelical Divinity School. Também atuou durante oito anos como professor sênior de Teologia na Faculty of Divinity da University of Edinburgh. É autor de O drama da doutrina, Encenando o drama da doutrina, O pastor como teólogo público e A Trindade, as Escrituras e a função do teólogo, publicados por Vida Nova. É também autor de Teologia primeira (Shedd Publicações).

1 Comments

  1. Fernanda Lurosi disse:

    Ótima reflexão!

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