Entre a cruz e a suástica: O Evangelho e a supremacia racial | Felipe Wieira

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Adolf Hitler (1889-1945)

Desde que nossos primeiros pais ouviram a serpente e foram expulsos do Jardim, alegações de supremacia racial nos assolam. O sentimento de orgulho que alimenta o racismo e movimentos como os de Charlotesville, nos Estados Unidos, é o mesmo que derrubou Satanás dos céus e criou raízes tão profundas no coração humano. No entanto, ainda que antigos, tais movimentos e alegações não são normais e não podem ser (e se já as aceitamos como tal, somos os mais miseráveis de todos os homens).

Em momentos como este, a voz profética da Igreja precisa ser ouvida. Acima dos gritos e palavras de ordem daqueles que acreditam ser superiores aos seus iguais, o clamor da Igreja deve se ouvir, proclamando que há apenas um cuja supremacia é real: Cristo Jesus! É ele, e apenas ele, quem genuinamente possuí supremacia sobre tudo e todos, e isso nos coloca na posição de rejeitar qualquer discurso racista ou xenofóbico.

E se há alguma dúvida acerca do caráter diabólico destes discursos, os dois eixos centrais do Evangelho, a Supremacia de Cristo e a Esperança de sua Vinda, nos mostram claramente esta realidade, da seguinte forma:

1. A supremacia de Cristo suprime a supremacia racial

Parece um trava-línguas, mas não é. Esta verdade é central nesta questão: se cremos na superioridade de Cristo como Senhor de tudo e todos, então qualquer alegação de supremacia étnica ou racial torna-se abominável. Em sua Carta aos Colossenses, o apóstolo Paulo nos dá pistas acerca disso. Ele começa com uma ode ao Senhor Jesus, enfatizando sua supremacia sobre todas as coisas:

Ele [Jesus] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra […] Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia.” (Cl 1.15-18)

O argumento parece acabar aqui, mas tem consequências em toda a carta. Nos capítulos 2 e 3, a ideia da supremacia de Cristo é desenvolvida enquanto Paulo demonstra como Cristo é superior às sombras do Antigo Pacto, e como seu sacrifício é supremo e tão poderoso que produz uma nova vida na qual “já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos.” (Cl 3.11)

Basicamente, Paulo nos informa que a vida que flui da cruz do Supremo Cristo destrói toda superioridade que uma etnia alega ter sobre outra. Não há mais grego e judeu, bárbaro e cita, escravo e livre, brancos e negros ou americanos e hispânicos, há apenas um povo no qual Cristo é tudo em todos! As fronteiras entre as etnias foram consumidas pela redenção. O Grande Rei não aceita mais divisões, todos estão debaixo de seu domínio e são alvos de sua graça. Escravo e livre são irmãos, judeus e gentios comem da mesma mesa, brancos e negros louvam ao mesmo Deus que os redimiu e comprou. A Glória de Deus se manifesta na irmandade dos povos.

2. A esperança escatológica destrói a supremacia racial

Há uma visão clara nas Escrituras de como tudo vai acabar, e ela não inclui uma raça triunfando sobre outra. Pelo contrário, há apenas um triunfo evidente no dia final, e este é o triunfo do Cordeiro de Deus. O interessante é que a escatologia (estudo das últimas coisas) cristã, independentemente da vertente, termina na presença do Cordeiro entronizado, louvado por ter sido morto e com seu sangue ter comprado “para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9). Esta fórmula é repetida várias vezes no Apocalipse, indicando que o sangue de Cristo, de valor e dignidade infinitos foi derramado em favor de homens de todas as raças, sem distinção alguma. O nazista que alega ser superior e o judeu que é acusado de imundície estão lado a lado como pecadores necessitando do sangue do Cordeiro para serem salvos. Portanto, não há absolutamente nenhum motivo para aquele se achar melhor que este.

À luz dessa verdade, toda alegação de supremacia racial é antiescatológica pois, de forma deliberada, vai contra o fim que o próprio Deus planejou para todas as coisas. Acreditar que uma raça é melhor que outra é acreditar que a forma como Deus conduz sua Criação está errada, que os planos Dele não são tão bons assim, que Cristo não deveria ser tão supremo quanto ele verdadeiramente é.

Uma visão escatológica bíblica deve chegar a esta conclusão: Que o fim de todas as coisas inclui a união de todas as raças sob um único estandarte: o de Cristo. Nossas discussões em escatologia precisam começar a ser mais que debates teológicos que terminam em si mesmos, mas reflexões sobre como a esperança da parousia muda a forma como vivemos na terra e encaramos nossos semelhantes.

Por fim, fica claro que qualquer alegação de supremacia racial é essencialmente anticristã, no sentido mais profundo do termo. Defender a superioridade de um grupo de indivíduos sobre outro é rejeitar a supremacia de Cristo, seu senhorio, sua glória e seu precioso nome. Movimentos como nazismo, fascismo e derivados são, em última instância, “evangelhos” que rivalizam com o Verdadeiro Evangelho, tentando roubar seu lugar. A estes falsos Evangelhos a Igreja clama: Anátema! Não há espaço na devoção cristã genuína para outro evangelho e, portanto, para a supremacia racial.

Assim, levantemos nossas vozes! Entre as coisas mais horrendas que vi nas reportagens sobre os eventos em Charlotesville, a pior foi ver pessoas que se diziam cristãs mas defendiam aqueles ideais. É hora de os verdadeiros cristãos saírem da segurança do silêncio e gritarem ao mundo que “Cristo é tudo em todos” e que amar a supremacia racial é equivalente a odiar o próprio Deus. Como Bonhoeffer – o expoente cristão na luta contra o nazismo de Hitler –, disse ao se despedir de seu professor americano: “Os cristãos alemães terão que enfrentar a terrível alternativa de desejarem a derrota de sua pátria para a salvação da civilização cristã ou de desejarem a vitória de sua pátria e, consequentemente, a destruição de nossa civilização. Eu sei a escolha que devo fazer, porém não posso fazê-la e manter-me ao mesmo tempo em segurança”.

Sabemos a escolha que devemos fazer, só precisamos abandonar a segurança de não fazê-las.

Felipe Wieira é Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Vale do Paraíba (CETEVAP) e bacharel em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, cursa o Mestrado em Teologia no Puritan Reformed Theological Seminary e serve como assistente pastoral na Igreja da Trindade, em São José dos Campos, interior de São Paulo.

2 Comments

  1. Ricardo disse:

    existe por parte da igreja evangelica um certo sentimento de achar que o povo de israel por ter sido o povo onde Deus trouxe a revelacao de Jesus, eh um povo escolhido, muitas vezes tido como superior. Veja o quantos cientistas judeus, comediantes, artistas, politicos, e por ai vai. Corremos o risco de achar que a raca Judaica ser superior aos outros, mas isso vem por causa da obediencia as escrituras. Qualquer povo, que siga obedeca aos mandamentos de Deus sera abencoado.

  2. Fabiana disse:

    Perfeito!

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