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Davi, escultura de Michelangelo.

Eu herdei da biblioteca de um amigo falecido, Padre J. J. MacDonald, um conjunto de livros didáticos de quando ele era seminarista, por volta de 1950. Podemos traçar algumas das diferenças entre os nossos dias e os dele a partir da linguagem do livro que tenho à minha frente agora, a Summa Theologiae Moralis de Benedict Merkelbach, OP, que foi traduzido do holandês para o latim para ser usado no mundo todo. As notas do padre J. J. encontram-se por toda parte, em inglês e latim; isso também é incrível. Ainda mais incrível, no entanto, é o inabalável realismo do autor, dos autores que ele cita e dos ensinamentos da Igreja, que ele apresenta.

Não passava pela cabeça de Merkelbach consultarmos os sentimentos dos usurários quanto à sua usura, dos mentirosos quanto à sua mentira, dos descrentes quanto ao seu desdém por Deus, dos fornicadores quanto à sua diversão na cama. Afinal, a maior parte dos pecados são acompanhados pela paixão e o homem mau não se torna inofensivo por fazer o seu mal a partir de sua vontade. Satanás pode assobiar enquanto trabalha; e daí? Não precisamos consultar a Escritura para aprendermos que as paixões podem confundir a razão e nos levar a fazer tolices e perversidades. Basta observar a loucura da juventude ou nos assentarmos serenamente no quarto e sermos honestos com nós mesmos por cinco segundos.

Também não lhe passou pela cabeça consultar as opiniões dos ladrões quanto aos seus roubos, dos monopolistas quanto à sua avareza, políticos corruptos quanto às suas propinas e sodomitas quanto aos seus atos escusos. Todo homem prestes a tornar um ato pernicioso num hábito se torna um filósofo moral, advogado e juiz de sua própria causa. Idiotas e santos fracassam na busca por motivos para fazer o mal que querem fazer; o resto de nós somos notavelmente criativos nisso, criativamente cegos. O mundo é o que é e nossos atos são o que são, mas nós não enxergamos. Então, criamos para nós um mundo de fantasias, onde todas as árvores são verdes, as flores florescem e tudo que eu faço para o meu prazer é, de fato, digamos, perfeitamente inocente, na verdade mais do que inocente, manifestamente louvável. Existem fariseus do vício assim como da virtude.

O leitor perceberá que eu concluí minhas duas listas de pecados com o sexual. Não é por acreditar que os pecados sexuais são mais graves que os outros. Não são; eu concordo com Dante que se você vai cometer um pecado mortal, os pecados mortais entre os lençóis são os menos graves, menos desumanos do que são os pecados mortais que se comete por dinheiro, poder ou ódio. Isso é como dizer que morrer de pneumonia é menos horrível do que morrer de peste bubônica; de qualquer forma, você estará morto. Eu aponto os pecados sexuais porque são esses os mais promovidos e os que têm feito com que as pessoas não mais consigam enxergar a realidade à sua frente. Mais: eles começaram a corromper tão amplamente nossa linguagem e os pensamentos proporcionados pela linguagem que agora vivemos num mundo absurdo onde podemos, sem ataque de risos, dizer que gênero é algo “imposto” a um bebê no nascimento ou dizer, sem o risco de sermos encaminhados a um hospício, que ele só poderá ser feliz ao se mutilar, ou dizer, sem acusação criminal, que ele está sujeitando seu filho a drogas para obstruir o desenvolvimento masculino natural, porque na “verdade” ele é uma garota.

É um mundo de ilusão no qual nós fingimos que um homem pode se casar com outro homem, coisa que ele pode tanto quanto casar com um cachorro, com um morro, com si mesmo ou uma seção cônica. Mas a leitura do velho livro de teologia moral é como um revigorante banho de água fresca: Padre Merkelbach recorre reiteradamente à realidade. Pois o Deus da Escritura não é um ilusionista.

Veja o pecado da fornicação. Contra a ideia de que é errado apenas porque Deus o proibiu, o autor cita Tomás de Aquino:

A fornicação é simplesmente o ato sexual […] desprovido de sua ordem natural à sua finalidade, ou seja, à criação de um filho; antes, ela adota uma desordem que resulta em grave prejuízo, não só para a criança a ser nascida desse ato, mas também ao bem comum e à sociedade humana, pois são muitos e horríveis os males que acometem a sociedade em razão da má criação de seus membros.

A fornicação é um pecado contra a criança e contra a sociedade em geral.

Isso se dá porque a criação da prole humana, aquilo que é devido à criança, exige uma sociedade duradoura – o matrimônio. É exatamente isso que o fornicador nega, acreditando-se livre para fazer como lhe aprouver. Ele pode deixar seu parceiro, recusar-se a reconhecer a criança, não lhe dar o devido cuidado – ou, comum nesses dias, sujeitar a criança a aturar um verdadeiro caos, um espectro de relações efêmeras entrando e saindo de sua vida.

O argumento repousa sobre um conjunto de fatos que não queremos enxergar. O primeiro deles é que o ato sexual é o que produz filhos. É isso que o ato sexual faz. O sêmen do homem entra na mulher, onde o óvulo aguarda fertilização. Nós sabemos mais do que Tomás, mas fingimos saber menos. Nós sabemos que a união de cada gameta (do grego gamein, casar-se) produz um ser humano distinto de qualquer outro que já tenha vivido. Nós sabemos que o homem carrega, em seu sêmen, a história de milhares e milhares de anos de seus ancestrais antes dele, assim como a mulher carrega no óvulo. Nós sabemos que a informação carregada no zigoto é assombrosa em sua amplitude, complexidade e impressionante quantidade.

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Nós sabemos, como todos sempre souberam, que a pessoa humana faz mais do que vagar pelo tempo como uma folhagem flui rio abaixo. Nós fazemos mais do que lembrar pelo estímulo, como um cão faz. Nós recordamos; nós planejamos; nós reavaliamos nossas vidas pregressas; nós preparamos a vida de nossos filhos para quando nós partirmos; nós já estamos habitando num estado compartilhado entre o tempo e eternidade. Nós admitimos isso pelo nosso fascínio com a nossa genealogia. Está no nosso sangue se importar com nosso sangue.

A criança é esse tipo de coisa. É irracional, é um exercício na não-realidade, fingir que tal ser deveria ser concebido na união aleatória da fornicação, e então ter que ser criado sem consideração por aquilo que ele é, ser educado no refúgio de quem sua mãe e seu pai são para si e um para o outro. É uma espécie de roubo desprezível, roubar o passado de um bebê, semear o seu presente com desordem, e tolhendo do seu futuro uma base sólida sobre a qual se fundamentar.

Mas em vez de reconhecer nossas falhas e recuperar nosso senso de realidade no que diz respeito ao ato de procriação, o ato de se fazer um filho, nós temos aceitado uma não realidade atrás da outra. Nós precisamos fingir que o dimorfismo sexual no ser humano é mítico e que o mito de um homem preso no corpo de uma mulher é real – precisamos fingir não perceber que nosso mito é flagrantemente contraditado por nossa negação do dimorfismo sexual! É como se simultaneamente alegássemos ser descendentes de unicórnios e negássemos que unicórnios existem: é uma loucura sem método, ou talvez esse seja o seu método, que dizemos o que dizemos no momento porque queremos o que queremos.

Nós precisamos fingir não observar nada sobre garotos e garotas, ainda que os hábitos de meninos sejam conhecidos por todo o mundo e o mesmo para os hábitos de menina. Assim tem sido por culturas em todos os climas e em todos os estágios do desenvolvimento tecnológico. Você não precisa morar próximo a um rio para conhecer Huck Finn. Você não precisa ter lutado nos ventos das planícies de Troia para conhecer Helena. Nossa negação da realidade se tornou tão insistente, que nós calamos a alta voz da realidade celebrando aos berros a não realidade. O garoto que desce os rios da puberdade com sua canoa intacta e seu remo em riste – pronto a entrar na masculinidade, tomar uma mulher como esposa e ter filhos com ela, seguindo os caminhos imemoriais da natureza – tem sorte se for meramente ignorado e não desprezado. Mas ele seria digno de admiração por professores, atores, políticos e o clero pélvico se ele se vestisse como uma menina, adentrasse seus banheiros, declarasse sua intenção de se encher de estrógeno, morar com outro homem e pagar a uma pobre mulher indiana para gestar uma criança para ele.

Quero cunhar uma palavra para descrever nossa rejeição irracional da realidade mais evidente. Ela tem a virtude de aludir tanto ao corpo quanto à maneira que as coisas são; ao material e ao formal; ela se aplica à relva e ao Deus que a criou. Em português, a palavra ser é cognato com o grego phuein, tornar a ser, crescer. Por isso sugiro que somos fisiofóbicos: nós tememos, ou detestamos, a forma que as coisas são. Nós não nos satisfazemos com a realidade. Não nos alegramos com meninos sendo meninos e meninas sendo meninas, nem com sua união no casamento, a coisa autêntica, para fazerem filhos, filhos de verdade.

Fica o aviso àqueles que acreditam em Deus. Não dá para negar a realidade em um aspecto – o sexual – sem se tornar cego a ela em outros aspectos. Eventualmente você acabará incapaz de reconhecer aquilo que é, incapaz de ouvir a chamada d’Aquele que É. Esclareça sua mente.

Traduzido por Vitor Grando e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: The Physiophobe: Modern Man Against Reality. The Witherspoon Institute.


Anthony Esolen é escritor, comentarista social, tradutor de poesia clássica e professor de Renascença Inglesa e literatura clássica. Leciona na Furman University, Providence College e Thomas More College of Liberal Arts.

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