Graças a Deus pelo neoateísmo | Alister McGrath

Sábados tecnológicos e outras estratégias para um mundo digitalizado | Michael Sacasas
08/abr/2015
As aparências enganam | Flávio Ramos
17/abr/2015

Richard Dawkins, Sam Harris, Christopher Hitchens e Daniel Dennett

Já era tempo de se livrar do lixo em nossos sótãos intelectual e cultural. A crença em Deus não passava de uma curiosa e obsoleta relíquia.

A sensação de novidade do neoateísmo garante sua repercussão na mídia. É claro que praticamente todos seus argumentos são requentados e reciclados. A novidade em si tem mais a ver com seu imenso prazer em ridicularizar a religião e seus respectivos crentes. Um tabu cultural foi quebrado.

Antigas formas de ateísmo, que apelavam para argumentos baseados em evidências e insistiam no respeito pela crença religiosa, foram colocados de lado. Conforme observa o blogger ateu P. Z. Meyers, “a velha escola do ateísmo é muito, muito chata”. Para Myers, quanto mais ultrajante for a mensagem, melhor. Só assim ela será percebida.

É fácil perceber porque a “velha escola” ateísta está preocupada. Os slogans marotos e informais do neoateísmo simplesmente dissimulam seu déficit de evidências e raciocínio. Mais cedo ou mais tarde, alguém perceberá que esses slogans simplistas não batem com a realidade. E eles estão certos em ficar apreensivos.

A conversa agora avançou para além da elaboração de slogans. A conversa fiada acabou, abrindo caminho para um olhar crítico aos argumentos e evidências. E é aí que as coisas começaram a ficar interessantes novamente.

Se o neoateísmo quisesse organizar um debate, certamente conseguiria. De repente, todo mundo ficou interessado em falar sobre Deus. Na Grã-Bretanha, a influente revista Economist, que já foi “tão confiante no falecimento do Todo-Poderoso que nós publicamos Seu obituário em nossa edição do milênio”, viu-se inconvenientemente obrigada a publicar uma correção em 2007.

A religião estava proeminentemente de volta à vida e às discussões públicas. Dois jornalistas da mesma Economist acabaram publicando um bestseller em 2009 batizado de (adivinha?) “Deus está de volta: Como o renascimento da fé está mudando o mundo”.

Tanto eu como muitos outros demos as boas-vindas a este debate. O neoateísmo levantou questões de fundamental importância, tais como a racionalidade da fé, a relação entre religião e ciência, as possíveis ligações entre fé e violência e o papel da religião na sociedade ocidental. Eles iniciaram uma fascinante conversa. E é uma conversa que ainda tem um longo caminho a percorrer.

Onde alguns acreditavam que os intitulados “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” finalmente colocariam uma pedra sobre a questão Divina, o oposto na verdade parece ter acontecido. O interesse cultural em Deus e na religião ressurgiu e as discussões não estão levando às conclusões que o neoateísmo tinha em mente. É um clássico exemplo da lei das consequências não pretendidas. E há um bocado de coisas que ainda precisam ser ditas.

Permitam-me então começar agradecendo a Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens por provocar este novo interesse cultural em Deus e na religião. Suas campanhas de alto impacto contra a fé reabriram tanto a curiosidade como a discussão sobre as grandes questões da vida. Encanta-me tê-los visto fazer isso.

Não tenho tanta certeza de que eles serão felizes com o resultado. Em vez de pôr fim ao debate, eles o iniciaram. Nunca foi tão fácil falar a respeito de Deus ou encontrar um público interessado por questões como crença, sentido e significância última.

Isto me lembra dos ferozes ataques de T. S. Eliot contra o trabalho do poeta do século XVII, John Milton, na década de 1930. Ele criticou duramente o estilo de Milton em “Paraíso Perdido”, ponto após ponto. O status de Eliot como poeta e crítico assegurava que suas opiniões fossem recebidas e que circulassem na mídia e entre os formadores de opinião. Milton foi tachado por muitos na mídia como antiquado e obsceno.

Curiosamente – e, ao que parece, um tanto involuntariamente – a força das diatribes de Eliot criaram um novo interesse em Milton. Charles Williams iniciou seu prefácio à edição de poemas de Milton “World Classics” com a observação: “Nós fomos felizes o bastante por viver em uma época em que a reputação de John Milton tem sido seriamente atacada”.

Williams agradeceu a Eliot por colocar o debate em curso. Mas ele não tinha dúvida a respeito dos resultados deste debate. O novo interesse em Milton estava levando todos a lê-lo novamente. E os veredictos de Eliot pareciam agora sem ligação com a realidade. Os alicerces para a reconstrução da honra de Milton no pós-guerra foram lançados – curiosamente, por seu maior crítico.

É difícil ignorar o paralelo com o neoateísmo. O interesse cultural na questão Divina aumentou grandemente. O papel da religião na sociedade tornou-se um tema extremamente relevante. Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, há novamente um enorme interesse no papel de organizações religiosas (sigla FBO, em inglês) quanto à promoção do bem-estar e coesão social.

Não é de admirar que tantos escritores religiosos – inclusive eu – comecem suas palestras falando do ressurgimento do interesse em Deus agradecendo a Richard Dawkins por levantar um novo interesse nessas questões. Eles deram início à conversa. Mas esta conversa se moveu em outras direções.

Leia também  O que a ciência explica e qual é a origem de Deus? | John Lennox

Interessantemente, algumas das mais pungentes críticas ao neoateísmo vêm de escritores seculares, alarmados com a estridência e o evidente exagero de suas declarações, bem como a tendência de ridicularizar ao invés de argumentos baseados em evidências.

Em 2009, o ateu Julian Baggini, autor do excelente “A Very Short Introduction to Atheism” (“Uma breve introdução ao Ateísmo”), publicou um artigo em uma revista humanista norueguesa intitulado “O movimento do neoateísmo é destrutivo”. Baggini compôs duas fundamentais críticas ao neoateísmo e propôs um retorno às abordagens profundas e esclarecidas que costumavam ser típicas do ateísmo anterior a Dawkins e Hitchens.

Em primeiro lugar, o neoateísmo caracteriza-se pelos seus ataques à religião e não considera os aspectos positivos dela. Baggini percebeu esta desencorajadora tendência em particular nas afirmações de Dawkins onde “há um caminho lógico na fé religiosa que leva a más ações”.

Para Baggini, isto tão somente reforça o mito de que “um ateu sem um sacerdote para bater é como um peixe sem água”. De fato, ele argumenta, é pior que isso: simplesmente confirma a suspeita de que muitos ateus “precisam de um inimigo que lhes dê sua identidade”.

Em segundo lugar, o neoateísmo chama para si o monopólio da razão de forma arrogante. “Com sua conversa de ‘encantos’ e ‘delírios’ ele dá a impressão de que apenas pela estupidez ou um enorme desinteresse pela razão alguém poderia ser algo além de um ateu”.

Baggini argumenta que é essencial conhecer os limites da razão, bem como aceitar que razão e evidências não são estranhos à crença religiosa. A indelicada definição de fé de Dawkins como uma “fuga” ou um “pretexto para evadir-se da necessidade de pensar e avaliar as evidências” é simplesmente “arrogante e atribui à razão um poder que ela não tem”. Não seria o caso de os neoateus serem um pouco mais céticos a respeito da razão e reconhecer a obviedade de seus limites?

Talvez um dois mais involuntários debates provocados pelos neoateus está tomando corpo dentro dos círculos ateístas e secularistas sobre os futuros rumos do movimento. Coberturas da mídia falam abertamente em uma “cisão” entre os círculos ateístas e secularistas desde o fim de 2009.

Paul Kurtz, por exemplo, proeminente humanista secular, protestou contra esta nova “fase agressiva e militante” na história do ateísmo, na esperança de que ele fracassasse antes de causar danos permanentes ao movimento.

Não há dúvida, portanto, de que um grande debate está em curso. O “neoateísmo” disparou uma discussão dentro das igrejas, da sociedade e até mesmo no próprio movimento secularista, sobre o lugar da religião e da crença tanto na vida pessoal como na cultura em geral. Precisamos levar isso mais longe e mais fundo.

A discussão mudou nos cinco anos desde 2006, quando o neoateísmo alcançou fama. Estamos em um novo e mais interessante território agora. Slogans simples – tais como “Deus é um delírio” ou “a religião mata” – já tiveram sua vez. É hora de uma discussão séria sobre as questões.

No próximo texto desta série sobre as questões levantadas pelo neoateísmo, refletirei sobre a natureza da fé. Longe de ser algo que se limita a pessoas religiosas, vou sugerir que ela é simplesmente uma rotina e um aspecto necessário da existência humana, incluindo as ciências naturais.

O neoateísmo apresenta-se como um movimento sem qualquer fé ou crenças. Para citar mais um slogan maroto e superficial do neoateísmo: “Nossa crença não é uma crença” (Christopher Hitchens). Mas isso simplesmente não é por aí. É muito mais interessante, como espero mostrar.

Traduzido por Ronaldo Berchol e revisado por Jonathan Silveira.

Original aqui.

Alister McGrath (ex-ateu) é presidente do Oxford Centre for Evangelism and Apologetics [Centro para Evangelismo e Apologética em Oxford] e professor de Teologia Histórica na Universidade de Oxford. É autor de diversos livros.
apologetica-pura-simplesComo compartilhar a fé com inteligência e imaginação

Apologética pura e simples apresenta um método que atrai não só o intelecto, mas também o coração e a imaginação.

Depois de versar sobre a base bíblica da apologética e as várias formas em que ela foi empregada em diferentes momentos da história, Alister McGrath apresenta diversas maneiras de partilhar a fé. É possível evangelizar, por exemplo, recorrendo-se aos indicadores da fé. E quais são esses indicadores? São elementos como o desejo inato de justiça de todo ser humano, o prazer que sentimos na beleza, a ordem que vemos no mundo físico e muitos outros. O autor mostra também que há muitas formas interessantes de compartilhar a fé — por meio de explanações, debates, histórias e imagens —, e nos ajuda a escolher a que poderá produzir melhores resultados de acordo com nossa personalidade e com o público com o qual dialogamos.

Publicado por Edições Vida Nova.

2 Comments

  1. Rilson Joás disse:

    Quero aproveitar pra agradecer o trabalho que o Tuporém tem feito. Se tornou pouco a pouco meu blog nacional favorito. Continuem assim e Deus os abençoe.

  2. Carlos Alves disse:

    Um dos meus blogs preferidos! Parabéns pelo conteúdo.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: