Existe uma palavra que consegue tirar os seguidores de Cristo do caminho, ao “se darem conta” da esperança que há nEle, essa palavra é “tolerância”. Pessoas tolerantes são imparciais, neutras e não julgam os outros. Cada um tem a permissão para decidir por si próprio. E não se deve “forçar” opiniões e visões aos outros.
Essa é uma ideia bastante popular entre os pós-modernistas, grupo de céticos radicais cujas ideias exigem respeito injustificável nas universidades hoje em dia. O lema deles, “Não existe verdade”, geralmente vem seguido da exigência por tolerância.
Apesar de todo esse estardalhaço repleto de confiança, esse apelo se autodestrói, pois afirma duas verdades, uma racional e uma moral: a “verdade” de que não existe verdade – claramente um conflito – e a verdade de que todo indivíduo deve tolerar o ponto de vista dos outros. Tal confusão é um aviso de que a noção pós-moderna de tolerância está seriamente equivocada.
Essa neutralidade – uma das premissas mais impregnadas em uma sociedade comprometida com o relativismo – é um mito. Pior ainda: é uma enganação, um ardil, um embuste, um truque de tolerância passivo-agressivo.
Pela definição dos relativistas, é impossível existir tolerância verdadeira. Permita-me usar como exemplo um episódio que realmente aconteceu.
Há alguns anos, eu lecionava para uma classe do último ano do ensino médio de um colégio cristão em Des Moines. Eu queria alertar os alunos sobre o “truque da tolerância”, mas também queria entender até que ponto eles haviam sido atraídos por ele. Comecei a aula escrevendo duas frases na lousa. A primeira expressava o entendimento atual sobre tolerância:
Todos os pontos de vista são igualmente válidos; nenhum é melhor do que o outro.
Todos concordaram com isso. Não havia nada de polêmico naquela frase. Então eu escrevi a segunda:
Jesus é o Messias; os judeus estão errados em rejeitá-Lo.
Imediatamente, várias mãos se ergueram: “Você não pode dizer isso”, disse uma dos alunas, em tom de desafio, visivelmente incomodado, “É falta de respeito. Você iria gostar se alguém dissesse que você está errado?”
“Da mesma forma que você está fazendo agora?”, eu respondi. “Isso acontece comigo o tempo todo e eu nem me incomodo. Por que deveria me incomodar?”
“Mas o seu ponto de vista é intolerante”, ela disse, percebendo que a segunda frase violava a primeira. O que ela não havia percebido é que a primeira frase também violava a si mesma.
Eu apontei para a primeira frase e perguntei “Esta ideia, de que todos os pontos de vista são igualmente válidos, é um ponto de vista?” Todos concordaram.
Então apontei para a segunda – a que era “intolerante” – e fiz a mesma pergunta: “Este é um ponto de vista também?” Eles estudaram a frase por um momento. Aos poucos, meu argumento passava a fazer sentido para eles.
Se todos os pontos de vista são igualmente válidos, então o ponto de vista que diz de que os judeus estão errados em rejeitar a Jesus está tão correto quanto o ponto de vista que diz que os judeus estão certos em fazê-lo. Mas isto é totalmente contraditório: “Todos os pontos de vista são igualmente válidos, incluindo o que diz que todos os pontos de vista não são igualmente válidos”, ou “Todos os pontos de vista são igualmente válidos e não igualmente válidos ao mesmo tempo”.
Eles haviam sido pegos no truque da tolerância. Se é disso que a tolerância se trata, então ninguém pode ser tolerante, porque a “tolerância” passa a ser algo totalmente contraditório.
“Vocês gostariam de saber como podem se livrar da armadilha?”, eu perguntei. Eles fizeram que sim com a cabeça. “Rejeitem essa distorção de tolerância e retornem à visão clássica.” Então eu escrevi estes dois princípios na lousa:
Seja igualitário em relação a pessoas.
Seja elitista em relação a ideias.
A palavra “igualitário” era nova para eles. “Pensem em ‘igualdade'”, eu disse. Tratar os outros como se tivessem igual valor. Esse primeiro princípio, vagamente equiparado à palavra “respeito”, é a essência da visão clássica da tolerância. Tratar as pessoas com igual respeito e consideração.
Mas eles sabiam o que a palavra “elitista” significava. Uma pessoa elitista é esnobe, é alguém que pensa que é melhor que os outros.
“Correto”, eu disse. “Quando você é elitista em relação a ideias, você reconhece que algumas são melhores que outras. E elas são mesmo. Algumas são boas, outras são ruins. Algumas são verdadeiras, outras são falsas. Algumas são brilhantes, outras são tolas, e muitas são perigosas”.
“Este é o segredo”, eu resumi. “A verdadeira tolerância aplica-se em como tratamos as pessoas, não como tratamos ideias. Em outras palavras, todas as pessoas são igualmente válidas, mas não todas as ideias.”
Nós respeitamos as pessoas que possuem crenças diferentes das nossas tratando-as com cortesia, permitindo que elas tenham lugar na conversa. Mesmo que discordemos fortemente de suas ideias, a tolerância exige que sejamos civilizados em relação a elas, apesar de nossas diferenças.
A prática pós-moderna da tolerância vira a fórmula clássica do avesso.
Seja igualitário com relação a ideias (todas as ideias são igualmente válidas).
Seja elitista com relação a pessoas (todas as pessoas não são merecedoras de igual respeito).
Já que todas as ideias têm o mesmo valor, se você rejeita as ideias de alguém você é automaticamente acusado de desrespeitar a pessoa (assim como o aluno fez comigo). Neste novo ponto de vista, nenhuma ideia ou comportamento podem se opor, mesmo se isso for feito de forma graciosa, sem que o opositor seja acusado de agir com incivilidade.
Ironicamente, o resultado disso é o mesmo elitismo em relação a pessoas que os relativistas buscam evitar. A pessoa “intolerante” pode vir a ser publicamente humilhada, chamada de fanática, ignorante, indecente e – ironicamente – intolerante. Às vezes, ela pode até ser processada, punida por lei, ou forçada a participar de programas reeducacionais.
A tolerância, então, foi virada do avesso: tolere a maioria das crenças, mas não tolere (ou mostre respeito por) pessoas que possuam crenças diferentes das suas. Se você possui opiniões contrárias – especialmente as que forem politicamente incorretas – você é rotulado como se estivesse “impondo seu ponto de vista aos outros”, para depois ser rapidamente silenciado.
Essa visão clássica, embora esteja quase que ausente da esfera pública, ainda está presente nos dicionários. De acordo com o Webster, a palavra “tolerar” significa permitir, reconhecer e respeitar as crenças e práticas dos outros sem compartilhar delas, suportar ou aceitar alguém ou algo de que não necessariamente gostamos.
A tolerância, então, envolve três elementos: (1) permitir (2) uma conduta ou ponto de vista com o qual não concordamos ou de que não gostamos (3) ao mesmo tempo em que respeitamos a pessoa que o possui.
Note que não podemos tolerar uma pessoa verdadeiramente a não ser que discordemos com ela de alguma forma. Isso é fundamental. Nós não toleramos pessoas que compartilham dos nossos pontos de vista. Elas estão do nosso lado. Não existe nada que devamos “aceitar”. A verdadeira tolerância é reservada para aqueles que pensamos estar errados e, mesmo assim, escolhemos tratá-los decentemente.
O elemento fundamental da tolerância clássica – desacordo (elitismo em relação às ideias) – foi completamente perdido na distorção pós-moderna do conceito. Atualmente, se você crê que uma pessoa está errada sobre algum assunto culturalmente protegido (por exemplo: conduta sexual, pontos de vista religiosos, aborto), você é chamado de intolerante, não importa como você a trata.
Isso mostra um problema curioso. Devemos crer que alguém está errado para podermos exercer a verdadeira tolerância, mas expressar esta convicção nos torna acusados de sermos intolerantes. É um “Ardil-22”. De acordo com esta abordagem, a verdadeira tolerância se torna impossível.
O mito da tolerância força todos os indivíduos a entrarem em um conflito inevitável. Cada pessoa, em qualquer debate, possui um ponto de vista que julga estar correto. Cada pessoa crê que aqueles que pensam de forma diferente estão errados. Assim, ninguém satisfaz os requisitos da tolerância pós-moderna. É por isso que a “neutralidade” da tolerância é um mito.
Para piorar a confusão, temos o fato de que a tolerância pode ser aplicada a coisas diferentes – pessoas, comportamentos ou ideias – e as regras são diferentes para cada caso.
A tolerância aplicada a pessoas – que pode ser chamada de “civilidade” ou “respeito” – é a essência da visão clássica da tolerância: a liberdade de expressarmos nossas ideias sem o medo de sofrermos represálias.
Nós respeitamos aqueles que possuem crenças diferentes das nossas tratando-os cordialmente e fazendo com que seus pontos de vista tenham lugar no discurso público. Podemos até discordar totalmente e argumentar vigorosamente contra eles, mas mesmo assim mostramos respeito, apesar das diferenças.
A tolerância aplicada a comportamentos – a liberdade para agir – é uma questão completamente diferente. Em sociedades livres, uma pessoa pode crer naquilo que quiser – e normalmente possui liberdade para expressar tais crenças – mas ela não pode agir como quiser. Alguns comportamentos se tornam uma ameaça ao bem comum. Em vez de serem tolerados (ou permitidos, mesmo que não concordemos com eles), esses comportamentos são proibidos por leis. Historicamente, nossa cultura enfatizou a tolerância (respeito) por todas as pessoas, mas nunca a tolerância com relação a todos os comportamentos. Nas palavras de Lincoln, não existe o direito de se fazer o que é errado.
Finalmente, existe a tolerância aplicada a ideias. A tolerância aplicada a pessoas exige que cada ponto de vista possua atenção cordial, mas não que todos eles possuam mesmo valor, mérito ou verdade. O ponto de vista que diz que as ideias de alguém não são melhores ou mais corretas do que as dos outros é totalmente absurdo. A razão e a integridade intelectual exigem que tratemos algumas ideias como sendo melhores que outras. Qualquer outra abordagem é perigosa, porque ideias possuem consequências. Nenhum padrão significativo de tolerância é violado quando alguém diz que alguns pontos de vista são falsos, imorais ou simplesmente tolos.
Como via de regra, pense na palavra “aceitação” como sendo um sinônimo para “tolerância”. Aceite (ou respeite) todas as pessoas tendo como base a nossa humanidade comum. Não aceite – ou trate como sendo legítimos – todos os comportamentos e ideias. Algumas condutas são inaceitáveis e algumas ideias, insanas.
Estas três categorias são frequentemente misturadas por pensadores confusos. Se uma pessoa rejeita as ideias ou comportamentos de outra, ela é automaticamente acusada de ser desrespeitosa e de rejeitar a pessoa.
Dizer que sou intolerante com relação a uma pessoa porque eu discordo de suas ideias é algo confuso. Nesta visão de tolerância, nenhuma ideia ou comportamento pode se opor a quaisquer outros, mesmo que esta oposição seja feita de forma graciosa, sem que se considere que houve censura ou incivilidade. Em vez de ouvirem “Eu respeito seu ponto de vista”, os que diferem de forma politicamente incorreta são chamados de fanáticos, bitolados e intolerantes.
Tudo isso não passa de xingamentos fora de moda. Um caso em questão foi um ataque feito em meu artigo sobre cristãos desconfortáveis com a pressão social para aprovarem a homossexualidade. Eu escrevi a seguinte carta ao editor para mostrar como a noção moderna de tolerância havia sido distorcida, tornando-se um vício e não uma virtude.
Note que fiz o início da carta soar como se estivesse defendendo o politicamente correto, para depois mudar rapidamente para o truque da tolerância.
“Caro Editor:
Frequentemente, fico pasmo em ver como os moradores de South Bay são intolerantes com relação a pontos de vista diferentes dos seus. As cartas da semana passada sobre a homossexualidade foram casos em questão. Um escritor até sugeriu que a sua publicação censurava opiniões contrárias à sua!
Eu vejo hipocrisia nesta mentalidade estreita e nesta atitude farisaica sobre a ética sexual. Essas pessoas se opõem ao que enxergam como ódio (antigamente isso era chamado de moralidade) com ataques cáusticos e vitriólicos. Eles condenam o fato de alguém censurar outra pessoa exigindo a própria censura (são coisas diferentes). Eles acusam os outros de serem intolerantes e fanáticos, para então os repreenderem por possuírem pontos de vista contrários aos deles.
Por que alguém é atacado de forma tão hostil simplesmente por afirmar diretrizes morais sobre sexo que tão bem nos serviram por milhares de anos?
Além disso, as objeções são autodestrutivas. Os escritores implicam que todos deveríamos poder fazer e acreditar no que quiséssemos, e que não se deve permitir que ninguém force seu ponto de vista aos outros. Mas este é o ponto de vista deles, o qual eles imediatamente tentam forçar em seus leitores de forma abusiva.
As pessoas que possuem crenças contrárias às deles foram chamadas de fanáticas, medrosas, desrespeitosas, ignorantes, abomináveis, covardes, indecentes, ligadas à Ku Klux Klan e – acredite se quiser – intolerantes.
Por que não abandonamos toda essa tolice de tolerância e de termos nossas mentes mais abertas? São ideias enganadoras, porque cada lado possui um ponto de vista que julga estar correto. O verdadeiro problema consiste em qual tipo de moralidade nossa sociedade deveria encorajar, e se tal moralidade é baseada em fatos e raciocínios sadios ou retóricas vazias.”
Muito do que as pessoas entendem por tolerância nos dias de hoje não passa de covardia intelectual, um medo de se engajarem intelectualmente. Os que gritam a palavra “intolerante” não estão dispostos a serem desafiados por outros pontos de vista, a lidar com opiniões contrárias às suas ou até a levá-las em consideração. É mais fácil insultar alguém de “fanático intolerante” do que confrontar, refutar ou até ser transformado por uma ideia. Na era pós-moderna, “tolerância” se transformou em intolerância.
Como embaixadores de Cristo, escolhemos o caminho mais corajoso, “…destruindo argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus” (2Co 10:5, NVI). Nós falamos a verdade de forma hábil e graciosa, e então confiamos em Deus para transformar vidas.
Sempre que você for atacado com intolerância, peça por uma definição. Quando a tolerância significa neutralidade, onde todos os pontos de vista são igualmente válidos e verdadeiros, então ninguém é tolerante porque ninguém é neutro com relação aos seus próprios pontos de vista. Mostre a contradição presente nesta nova definição. Mostre que este tipo de tolerância é um mito.
A regra clássica da tolerância é a seguinte: tolere as pessoas em todas as circunstâncias mostrando respeito e cortesia, mesmo quando suas ideias são falsas ou tolas. Tolere (isto é, permita) comportamentos que forem consistentes com o bem comum. Finalmente, tolere (isto é, acredite e receba) ideias que forem sadias. Essa ainda é uma boa diretriz.
Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Maria Gabriela Pileggi.
Texto original: Intolerance. Stand to Reason.
Gregory Koukl obteve seu mestrado em filosofia da religião e ética na Talbot School of Theology e seu mestrado em apologética cristã na Simon Greenleaf University. É professor adjunto de apologética cristã na Biola University. Tem apresentado seu próprio programa de rádio por 20 anos, onde defende a cosmovisão cristã. |