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17/jun/2020“O jazz é o porta-voz da vida. O blues conta a história das dificuldades da vida e, se você pensar por um momento, perceberá que eles tomam as realidades mais difíceis da vida e as colocam na música, tão somente para produzir uma nova esperança ou sentimento de triunfo. Esta é uma música triunfante.” – Dr. Martin Luther King Jr.
Sem jazz, o discurso “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King Jr. poderia não ter existido. Proferido em 28 de agosto de 1963 na Marcha por Trabalho e Liberdade em Washington, este discurso histórico é mais conhecido pela improvisação – uma habilidade sem a qual não existe jazz – que não foi encontrada em seu texto escrito original. Além disso, o próprio espírito do movimento dos direitos civis deve muito ao jazz, como o próprio Dr. King disse, como veremos.
Mahalia Jackson estava de pé na multidão perto de King durante o discurso. Reconhecida como a Rainha do Gospel, essa celebrada cantora gospel era uma boa amiga de King e uma figura-chave no movimento dos direitos civis. Em 1961, ela foi a primeira cantora gospel a ganhar um Grammy e foi fundamental para levar a música gospel a um público maior fora da igreja negra. Tendo gravado “Come Sunday” com Duke Ellington, Mahalia não era uma estrangeira no mundo do jazz.
Alguns minutos depois de iniciar o discurso, Mahalia Jackson gritou ao Dr. King: “Conte a eles sobre o sonho, Martin! Conte a eles sobre o sonho!” No bom estilo de chamada e resposta (que influenciou o jazz), o pregador se afastou de seu eloquente texto preparado, empurrou as anotações para o lado e olhou diretamente para as 250.000 pessoas reunidas diante dele. Ele então começou a falar de “seu sonho”. Ele permaneceu eloquente, mas essas palavras queimaram com o fogo da experiência, indignação e esperança. Eis algumas de suas palavras ressoantes:
Digo-lhes hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: “Consideramos essas verdades como auto-evidentes que todos os homens são criados iguais.”
Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.
Eu tenho um sonho hoje.
Eu tenho um sonho que um dia o estado do Alabama, com seus racistas cruéis, cujo governador cospe palavras de “interposição” e “anulação”, um dia bem lá no Alabama meninos negros e meninas negras possam dar-se as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos.
Eu tenho um sonho hoje.
Eu tenho um sonho que um dia “todos os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas; os lugares mais acidentados se tornarão planícies e os lugares tortuosos se tornarão retos e a glória do Senhor será revelada e todos os seres a verão conjuntamente”.
No último parágrafo, o Dr. King rompe em um texto bíblico que fala da revelação de Deus dessa justiça diante das nações, que é retirada de Isaías, capítulo quarenta, no Antigo Testamento. Lembre-se de que tudo isso foi improvisado e não consta em suas anotações. O Dr. King, no entanto, usou esses temas em discursos anteriores. Ele tinha muitos “chops”[1] para sacar, e o jazz tinha muito a ver com isso.
As raízes do jazz se aprofundam na cultura americana e na comunidade afro-americana em muitos níveis. Embora o jazz tenha origens multiétnicas – e as origens do jazz sejam um tópico controverso e contestado – é seguro apostar que nenhum grupo étnico contribuiu tanto e tão cedo quanto os afro-americanos. Louis Armstrong e Duke Ellington são apenas dois modelos. Seus dons como intérpretes, compositores e líderes de banda também contribuíram para a dignificação da identidade afro-americana na cultura americana. Um virtuoso do jazz era e não é um mero menestrel, mas um indivíduo a ser levado a sério como artista por direito próprio.
O Dr. King viu a conexão entre o jazz e seu sonho, e ele se baseou nessa grande tradição durante seu discurso “Eu tenho um sonho”. Considere seu discurso de abertura no Berlin Jazz Festival de 1964:
“Deus operou muitas coisas a partir da opressão. Ele dotou suas criaturas com a capacidade de criar – e a partir dessa capacidade fluíram os doces cânticos de tristeza e alegria que permitiram ao homem lidar com seu ambiente e muitas situações diferentes.
O jazz é o porta-voz da vida. O blues conta a história das dificuldades da vida e, se você pensar por um momento, perceberá que eles tomam as realidades mais difíceis da vida e as colocam na música, tão somente para produzir uma nova esperança ou sentimento de triunfo.
É uma música triunfante. O jazz moderno continua nessa tradição, cantando canções de uma existência urbana mais complicada. Quando a própria vida não oferece ordem e significado, o músico cria uma ordem e significado a partir dos sons da terra que fluem através de seu instrumento.
Não é de admirar que grande parte da busca de identidade entre negros americanos tenha sido defendida por músicos de jazz. Muito antes de os ensaístas e estudiosos modernos
escreverem sobre a identidade racial como um problema para um mundo multirracial, os músicos estavam voltando às suas raízes para afirmar o que estava agitando suas almas.
Muito do poder do nosso Movimento pela Liberdade nos Estados Unidos veio dessa música. Ela nos fortaleceu com seus doces ritmos quando a coragem começou a falhar. Ela nos acalmou com suas ricas harmonias quando estávamos tristes”.
Como dádiva do Criador, a criatividade do jazz ajudou a fundamentar e preservar a identidade afro-americana e a buscar justiça por meio de seu espírito e som distintos. Embora o Dr. King não tenha mencionado abertamente a questão da improvisação neste discurso, isto é a força motriz da vida do jazz. Grande parte da criatividade do jazz vem da liberdade dentro da forma, realizada na comunidade, que é a improvisação do jazz. E foi esse espírito, motivado por uma musicista (Mahalia Jackson), que levou o Dr. King a proferir suas palavras históricas.
Ele terminou seu discurso no Festival de Jazz de Berlim com estas palavras de esperança:
“E agora, o jazz é exportado para o mundo. Pois, na luta particular do negro nos Estados Unidos, há algo semelhante à luta universal do homem moderno. Todas as pessoas têm o blues. Todas as pessoas anseiam por um significado. Todas as pessoas precisam amar e ser amadas. Todas as pessoas precisam bater palmas e ser felizes. Todas as pessoas anseiam por fé. Na música, especialmente nessa ampla categoria chamada jazz, há um trampolim para tudo isso”.
Se o jazz é uma dádiva gentil de um Deus bom para o aperfeiçoamento humano, a exportação do jazz pode ser um “trampolim” para o significado, o amor, a felicidade e a fé. Que esse sonho continue – e seja realizado nos bons tempos de Deus.
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[1] Nota do editor: Ou “tempo no depósito de lenha”, termo do jazz para se referir à prática, ao refinamento das habilidades de alguém – também conhecido como “chops”, termo cunhado por Louis Armstrong, um dos pioneiros seminais do jazz.
Traduzido por Jonathan Silveira.
Texto original: Jazz And The Dream Of Martin Luther King, Jr. All About Jazz.
Douglas Groothuis é professor de filosofia no Denver Seminary. Coordena o curso de apologética cristã e ética e dirige o Gordon Lewis Center for Christian Thought and Culture. Obteve seu PhD em filosofia na University of Oregon em 1993, e está no Denver Seminary desde então. |
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