As parábolas usadas por Jesus para ensinar as suas verdades estão claras nos Evangelhos, porém, raramente refletimos sobre a forma como essas histórias foram elaboradas. Ao analisá-las de perto, perceberemos que Jesus era um verdadeiro mestre na arte de contar histórias. Portanto, neste texto, iremos explorar uma entre as diversas outras histórias, a saber: a parábola do Rico e Lázaro (Lc 16.19-31). O objetivo será identificar pelo menos três aspectos que evidenciam as habilidades de Jesus como um artesão.
O primeiro aspecto que evidencia as habilidades de Jesus como um artesão é a maneira como ele usou as suas palavras. Jesus usou as suas palavras com muita sabedoria. Veja, por exemplo, como um único versículo pode transmitir um significado profundo: “E um mendigo chamado Lázaro, todo coberto de feridas, foi deixado em seu portão” (Lucas 16.20, A21).
A frase “em seu portão” evoca os muros da casa do homem rico, destacando o local onde ele passava, sempre que entrava ou saía da sua casa, e onde, muitas vezes, Lázaro era ignorado. Já a expressão “foi deixado” (que no grego se vê em uma única palavra) indica que Lázaro possuía certa limitação para se locomover e precisava de ajuda para se acomodar. De forma brilhante, Jesus revela, em uma única sentença, o passado de cada personagem, permitindo que visualizemos suas rotinas diárias e o momento exato em que seus destinos se cruzam.
Dois versículos depois, Jesus continuou: “Quando o mendigo morreu, foi levado pelos anjos para junto de Abraão; o rico também morreu e foi sepultado” (Lucas 16.22, A21). Sem dar muita ênfase, ele disse que o pobre havia morrido primeiro, o que é um destino normal para pessoas que crescem em situação de pobreza. A seguir ele acrescenta que o mendigo foi levado pelos anjos para o lado de Abraão, enquanto o rico, após sua morte, foi apenas sepultado. No entanto, nesse verso, surge uma lacuna na história, pois, não há nenhuma menção de que o pobre foi sepultado. Ao olhar para as cenas, percebe-se que o rico recebeu um bom tratamento em termos terrenos, mas isso não refletiu nos aspectos espirituais. Esse cenário ressalta o assunto central da história, a saber: de que o rico havia optado pelo reconhecimento terreno em detrimento do espiritual, o que lhe trouxe muito arrependimento.
O segundo aspecto que evidencia as habilidades de Jesus como um artesão é a maneira como ele usou os nomes. Na história do rico e de Lázaro, a ausência do nome do primeiro e a revelação do segundo, tem um efeito significativo. O homem rico, certamente era conhecido por todos, isso explica a ausência do seu nome; enquanto o homem pobre, a quem a sociedade tanto ignorava, nos foi dito: ele se chamava Lázaro. Este nome no contexto hebraico era pronunciado da seguinte forma: Eleazar e significava: “Deus ajuda”. Portanto, ao nomear o pobre e não o rico, Jesus deixa claro que os valores de Deus são opostos aos valores da sociedade.
Também vale a pena ressaltar que o homem rico ignorou Lázaro durante a sua vida, mas quando os dias maus lhe sobrevieram, desejou que o pobre fosse seu servo. Ele chamou: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia-me Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, pois estou atormentado nestas chamas” (Lucas 16.24, A21). Surpreendentemente, ao fazer o seu pedido, ele revela que sabia o nome daquele que tanto ignorou na terra. Isso ressalta ainda mais a sua culpa.
Por fim, há um contraste na maneira como Jesus se referiu ao homem que se encontrava ao lado do pobre. Ele o chamou de Abraão (veja os versos 22, 23, 25, 29) mas o rico acrescentou a palavra pai, isto é, ele o chamou de: “pai Abraão” (versos 24, 30) ou apenas de “pai” (verso 27). Com isso, o rico buscou enfatizar o seu relacionamento familiar com Abraão, mas é aí que residiu o seu maior problema. Ele fez um pedido dizendo á Abraão que enviasse algumas testemunhas para os seus cinco irmãos, porém, se ele tivesse realmente considerado os cinco livros da Torá bem como Abraão como seu pai, ele teria aceitado a ideia de que seus irmãos seriam muito mais do que cinco. A razão disso é que o homem que se encontrava ao lado de Lázaro havia recebido uma promessa de que a sua descendência seria tão grande como são as estrelas e a areia do mar. Com isso, o rico teria de aceitar que Lázaro era o seu irmão.
Por fim, o terceiro aspecto que evidencia as habilidades de Jesus como um artesão é a maneira como ele se referia ao Antigo Testamento. Isto é, Jesus frequentemente enchia as suas histórias com elementos do Antigo Testamento. No verso de abertura encontra-se o seguinte relato: “Havia um homem rico que se vestia de roupas de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias se banqueteava com luxo”. Há apenas um texto na Bíblia onde aparece as palavras, linho e púrpura em contexto de festa:
Jesus frequentemente enchia suas histórias com alusões ao Antigo Testamento. O verso de abertura da história relata que o homem rico festejava diariamente em púrpura e linho fino. Existe apenas um outro texto na Bíblia que menciona linho, púrpura e banquetes:
As cortinas eram de pano branco, verde e azul celeste, atadas a argolas de prata e a colunas de mármore com cordões de linho fino e de púrpura. Havia assentos de ouro e de prata sobre um pavimento mosaico de pórfiro, de mármore, de madrepérola e de pedras preciosas (Ester 1.6, A21)
Essa descrição refere-se ao banquete de sete dias de Assuero, onde todos os homens da cidadela haviam sido convidados. Essa alusão destaca a mesquinhez do homem rico em contraste com a generosidade de Assuero.
No início da história, é mencionado que o pobre estava “coberto de feridas”. O único personagem na Bíblia que também apresentou condições semelhantes foi Jó, que era rico e mesmo assim podia dizer que nunca havia ignorado as necessidades dos pobres (veja Jó 31.17-21). Essa alusão ao Antigo Testamento novamente realça a culpa do homem rico.
Finalmente, ao ler que “no inferno, em meio aos tormentos, o rico ergueu os olhos e viu de longe Abraão, e Lázaro junto dele” (Lucas 16.23), percebemos um eco de um famoso trecho do Antigo Testamento: “Ao terceiro dia Abraão levantou os olhos e viu o lugar de longe” (Gênesis 22.4, A21). Esses dois textos compartilham de quatro expressões em comum: (1) levantar os olhos; (2) longe/distante; (3) o verbo ver; e (4) A pessoa de Abraão. Assim como Jó, Abraão também era rico e recebia estranhos em sua casa. As semelhanças entre Abraão e o homem rico serve para destacar ainda mais a falta de hospitalidade do homem rico.
Portanto, o objetivo de Jesus em contar histórias não era para entretenimento, suas parábolas muitas vezes operavam em um nível simples, mas uma análise cuidadosa certamente resultaria num ensino profundo considerável. Neste curto relato, observamos como Jesus utilizou a linguagem com atenção, escolhendo e omitindo palavras e nomes e amparado pelo rico contexto do Antigo Testamento. Cada um desses três elementos apresenta desafios morais significativos e enfatiza a importância de estudar as palavras de Jesus com mais responsabilidade.
Texto original: Jesus the master craftsman Tyndale House Cambridge. Traduzido por Gedimar Junior e publicado no site Cruciforme com permissão. |
Peter J. Williams (PhD, University of Cambridge) é diretor geral e CEO da Tyndale House, Cambridge, um dos principais institutos de pesquisa bíblica do mundo. Foi professor sênior de Novo Testamento na University of Aberdeen, Escócia. É presidente do International Greek New Testament Project e membro do Comitê de Supervisão de Tradução da versão inglesa da Bíblia English Standard Version (ESV). |