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Longanimidade

O apóstolo Paulo começou o retrato do amor que fez para os coríntios dizendo: “O amor é paciente” (1Co 13.4). O maior desafio para nós aqui não é entender o que Paulo quis dizer, mas o que ele disse. Por isso, eu me lembro de um dos comentários geniais de Mark Twain: “Não são aquelas partes da Bíblia que não consigo entender que me incomodam; são as partes que eu entendo!”. O que o apóstolo diz sobre a paciência do amor parece bastante fácil de entender, por mais difícil que seja pôr isso em prática. No entanto, antes de vermos esse aspecto do amor exemplificado na vida de Cristo, um amor cujo poder nos é dado pelo Espírito Santo, é importante ter certeza de que entendemos o que Paulo quis dizer quando afirmou que “o amor é paciente”.

De acordo com a King James Version, “o amor sofre por longo tempo”, isto é, tem um ânimo longo. Isso aponta para uma tradução legítima da palavra bíblica para “paciência” (makrothumei): o amor é “longânimo”. Em outras palavras, ele “suporta com paciência a provocação e não é ágil em fazer valer seus direitos nem em se ressentir de uma ofensa”.[1] Esse é o tipo de amor que Jesus quer que demonstremos pelos nossos inimigos, e falaremos mais a respeito dele quando chegarmos ao versículo 7, que nos diz que o amor “tolera todas as coisas” e “suporta todas as coisas”.

Contudo, a longanimidade não é só para os inimigos; é também algo que precisamos ter com os nossos amigos. O principal tipo de paciência que Paulo tem em mente, escreve Leon Morris, é a “paciência com as pessoas”.[2] É a capacidade de suportar, sem nos queixarmos, as frustrações que enfrentamos todas as vezes que nos relacionamos com alguém que é tão falho e em todos os aspectos tão pecador como nós. Um bom sinônimo é tolerância. Anthony Thiselton preferiria usar a expressão pavio longo, isto é, a qualidade de alguém que mantém a calma sob pressão, e lamenta o fato de a expressão não existir em nosso idioma.[3] É de presumir que a ausência dessa expressão ocorra porque muitos de nós não têm muita tranquilidade, isto é, temos pavio curto, de maneira que a ideia de alguém ser “pavio longo” nem mesmo nos ocorre!

Na definição de paciência, é importante lembrar que todas as virtudes listadas em 1Coríntios 13 são verbos, não apenas substantivos ou adjetivos. Por isso, a paciência que Paulo tem em mente é ativa. Talvez a melhor tradução diga algo assim: “O amor espera pacientemente”. A Bíblia ensina a mesma verdade em outras passagens. Nós a descobrimos em passagens como Eclesiastes, que diz que “o paciente de espírito é melhor do que o orgulhoso de espírito” (7.8). Também a encontramos no Novo Testamento. Em sua Primeira Carta aos Tessalonicenses, o apóstolo Paulo exortou seus irmãos de ministério a “admoestarem os ociosos, encorajarem os desanimados, ajudarem os fracos, serem pacientes com todos eles” (1Ts 5.14).

Ao nos dizer que devemos exercitar a paciência, a Bíblia está simplesmente nos chamando a imitar o caráter de nosso Deus, que é paciente tanto no sentido de demorar para se irar quanto no sentido de esperar pelo momento certo para fazer alguma coisa. Em sua Carta aos Romanos, Paulo diz que “a tolerância e a paciência” de Deus fazem parte de sua “bondade”, a qual visa a nos levar ao arrependimento (Rm 2.4). Por isso, a paciência não apenas é um dos atributos essenciais de Deus, mas nossa própria salvação depende dela.

Como Deus é paciente conosco! Ele não age com parcialidade em relação a nós por causa de nossos pecados — louvado seja Deus! —, nem nos condena pela nossa falta de paciência, nem nos destrói antes de termos uma chance de nos arrepender. Em vez disso, aguarda com paciência que peçamos que nossos pecados sejam perdoados. Paulo tinha experimentado na própria vida essa tolerância divina. Embora anteriormente tivesse odiado o evangelho e se revoltado contra o reino de Deus, por fim o Espírito Santo revelou o Cristo ressuscitado a ele. Portanto, quando Paulo dava testemunho da obra de Deus em sua vida, ele descrevia aquela obra como uma exibição da “paciência perfeita” de Jesus Cristo, a qual conduz os pecadores à vida eterna (1Tm 1.16).

Você já experimentou a paciência do amor de Deus? Não se acomode por causa da longanimidade divina, mas deixe que ela o constranja a entregar sua vida a Jesus Cristo. Então obedeça ao chamado de Deus para ser paciente como ele é.

Será que preciso dizer como isso é difícil de fazer? É provável que não. A maioria de nós sabe como somos impacientes. Por isso, aquilo de que precisamos, mais do que da convicção de nosso pecado, é da ajuda do Espírito Santo.

Contudo, caso precisemos ser lembrados de como ficamos impacientes, John Sanderson tem algumas perguntas a fazer sobre as frustrações da vida. Ele pergunta: “Por que será que os pneus ficam murchos quando estamos com pressa para um compromisso? Ou por que o aspirador de pó para de funcionar justo no dia em que vamos receber visitas?”. Então, ele faz a pergunta mais importante de todas: “Por que ficamos tão infelizes e frustrados quando essas coisas ocorrem?”.[4]

Seria fácil acrescentar mais perguntas à lista de Sanderson: por que colocaram no meu quarto um colega que é tão bagunceiro (ou alguém tão fanático por limpeza)? Por que minha filha espera até as nove da noite da véspera do dia em que tem de entregar um projeto importante para me pedir se posso levá-la até a papelaria para comprar cartolina? Por que a pessoa mais difícil de se relacionar no meu emprego foi promovida para o cargo de minha supervisora? E, num nível ainda mais sério, por que as pessoas que mais precisam de mudança espiritual parecem menos abertas à obra santificadora do Espírito Santo? E a pergunta mais importante de todas: “Por que Deus não se apressa e não põe tudo em ordem neste mundo?”

Com certeza os coríntios devem ter se debatido com perguntas parecidas. Por que Paulo começaria pela paciência sua lista de virtudes do amor, se não pelo fato de eles precisarem crescer nessa área? É de presumir que os coríntios eram tão impacientes quanto nós. Eram rápidos em julgar uns aos outros (veja 1Co 4.5), mas lentos em aguardar a realização da obra do Espírito neste mundo cansativo. Por isso, tal como nós, eles precisavam ser lembrados de que o amor é paciente.

Um atraso que custou caro

Um bom texto para aprender a paciência do amor é a história de Lázaro e o túmulo vazio. Em João 11, Jesus não teve pressa e deixou um homem morrer antes de trazê-lo de volta à vida. Em meio a tudo isso, ele exibe sua paciência amorosa para nos mostrar por que também devemos ser pacientes.

A história começa com um homem no leito de morte. Lázaro de Betânia, irmão de Maria e Marta, estava com uma doença fatal. Então, suas irmãs mandaram uma mensagem para Jesus, a qual dizia: “Senhor, aquele que você ama está doente” (v. 3). Essa não era uma simples constatação, mas um pedido de ajuda urgente. Maria e Marta queriam que Jesus largasse o que quer que estivesse fazendo e viesse salvar seu irmão. Elas tinham toda a expectativa de que ele viria o mais rápido possível, porque sabiam que Lázaro era alguém que Jesus amava.

Apesar disso, em vez de reconhecer a urgência da situação, Jesus deu uma resposta aparentemente indiferente, quase de pouco caso. “Essa doença não leva à morte”, ele disse. “Ela é para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por meio dela” (v. 4). Mas, se com isso Jesus quis dizer que Lázaro não tinha uma doença fatal, estava totalmente enganado, porque de fato Lázaro morreu.

Portanto, como deve ter sido exasperante que Jesus esperasse dois dias inteiros antes de começar a voltar para Betânia, onde, por fim, chegou com quatro dias de atraso. De uma perspectiva meramente humana, os versículos 5 e 6 dificilmente parecem fazer sentido: “Ora, Jesus amava Marta, sua irmã e Lázaro. Então, quando soube que Lázaro estava doente, ficou mais dois dias no lugar em que estava”. Seria de esperar que o versículo 6 nos contasse que, quando soube que Lázaro estava doente, Jesus fora direto para Betânia. Se Jesus amava essas pessoas, então com certeza ele se apressaria em ajudá-las! Em vez disso, ele se atrasou de propósito, o que resultou em sofrimento e morte. Jesus também estava plenamente satisfeito com isso. Ele disse a seus discípulos: “Lázaro morreu, e por causa de vocês estou contente porque eu não estava ali” (v. 14,15).

Se eu fosse um dos discípulos, teria ficado agitadíssimo de preocupação, desesperado para que Jesus se apressasse e chateado pelo fato de que, ao que parece, ele chegara tarde demais para salvar Lázaro. A primeira parte de João 11 é como uma cena de filme de suspense em que uma das personagens demora tanto para fazer o que precisa ser feito com urgência que os espectadores começam a gritar para a tela do cinema, tentando fazê-la ir mais rápido.

João não nos diz se os discípulos ficaram impacientes, mas com certeza Maria e Marta ficaram. A recriminação delas é patente. Quando Jesus chegou à casa, as primeiras palavras saídas da boca de Marta foram: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 21). A grande fé de Marta em Jesus e em seu poder de curar se misturava com o lamento pelo fato de que ele tinha perdido a oportunidade de salvar seu irmão. Nesse ínterim Maria permanecia dentro de casa, talvez para tratar Jesus com frieza. Mas, quando ela finalmente chegou a falar, disse exatamente o que a irmã tinha dito. Durante dias, Maria e Marta tinham visto seu irmão ficar cada vez pior, e ficavam imaginando quando Jesus se apressaria e iria para Betânia. Quando ele não chegou a tempo, elas lhe disseram exatamente o que pensavam de sua demora, cujo preço havia sido tão alto: a vida do irmão.

Em meio a tudo isso, Jesus não teve nenhuma pressa. Com paciência, ele esperou dois dias inteiros antes de partir para Betânia. Com paciência, explicou que, mesmo que Lázaro estivesse morto, ele ainda tinha um plano para glorificar a Deus e ajudar seus discípulos a crerem em seu nome. Com paciência, Jesus disse a Marta que seu irmão ressuscitaria, confirmando a fé que ela depositava na ressurreição final dos mortos e, ao mesmo tempo, anunciando seu próprio poder sobre a sepultura. Com paciência, consolou Maria, deixando que as lágrimas dela provocassem tristeza no coração dele.

A essa altura, uma multidão já havia se reunido em torno do túmulo. Essas pessoas também criticaram Jesus por chegar tarde. “Será que aquele que abriu os olhos do cego também não poderia ter evitado que esse homem morresse?” (v. 37). Sim, Jesus poderia ter evitado que o homem morresse — caso tivesse chegado cedo, em vez de ficar enrolando por dois dias!

No entanto, quando Jesus finalmente ficou na frente do túmulo deu a primeira de suas ordens memoráveis, nenhum dos resultados daquele atraso continuou importando por um momento sequer: “Tirem a pedra”. Preocupada com o fato de que ele estava atrasado demais, Marta disse a Jesus que ele havia perdido a oportunidade: “Senhor, a esta altura haverá mau cheiro, pois ele morreu há quatro dias” (v. 39). Com paciência, o mestre de Marta respondeu: “Eu não lhe disse que, se você cresse, veria a glória de Deus?” (v. 40). Para prová-lo, Jesus deu sua segunda ordem: “Lázaro, venha para fora” (v. 43). Com seu poder milagroso, apenas com o som de sua voz, Jesus trouxe o morto para fora do túmulo. Então, o que parecia ter sido um atraso com um preço tão alto acabou sendo o arranjo perfeito para um milagre de dádiva de vida: Lázaro foi posto em liberdade!

O que isso prova não é apenas a paciência de Jesus, mas também seu amor. Há testemunhos de seu amor ao longo de todo o capítulo 11 de João: seu amor por Lázaro, por Marta e Maria e por seus discípulos. Se fôssemos tentados a duvidar daquele amor quando Jesus deixou Lázaro morrer, teríamos de voltar a crer, no final do capítulo, ao ver o morto voltar do túmulo. Quaisquer que tenham sido os motivos que Jesus teve para o atraso, isso não significa que ele não se importava. Na verdade, perto do final da história, sua paciência acaba sendo uma expressão de sua afeição. Conforme James Boice diz em seu comentário sobre essa passagem, no final os atrasos de Cristo se tornam os atrasos do amor.[5]


[1] Charles Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians (reimpr. London: Banner of Truth, 1958), p. 269.

[2] Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians, Tyndale New Testament Commentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 184 [edição em português: 1Coríntios: introdução e comentário, tradução de Odayr Olivetti, Série Cultura Bíblica (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981)].

[3] Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000), p. 1046.

[4] John W. Sanderson, The fruit of the Spirit (1972; reimpr., Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1985), p. 88.

[5] James Montgomery Boice, The Gospel of John: those who received him: John 912 (Grand Rapids: Baker, 1999), vol. 3, p. 826.

Trecho extraído da obra “Amar como Jesus ama: um novo olhar sobre 1Coríntios 13”, de Philip Ryken, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2018, p. 102-109. Traduzido por Marcia Pekkala Barrios Medeiros. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Philip Ryken é doutor em teologia histórica pela Universidade de Oxford e presidente do Wheaton College Seminary. Foi pastor da igreja Tenth Presbyterian Church, na Filadélfia, e escreveu mais de cinquenta livros, como "As doutrinas da graça", "Rei Salomão: as tentações do dinheiro, sexo e poder" e "Amar como Jesus ama", publicados por Vida Nova.
“O amor é paciente, o amor é benigno. Não é invejoso; não se vangloria, não se orgulha, não se porta com indecência, não busca os próprios interesses...”

A maioria das pessoas está familiarizada com os versículos de 1Coríntios 13 — o “Capítulo do Amor”. Talvez esse seja um dos primeiros lugares em que muitos procuram amor na Bíblia e provavelmente seja a passagem mais lida e pregada em cerimônias de casamento. A certeza é que esse poema de Paulo (muitos estudiosos o classificam assim) é o mais completo retrato do amor encontrado na Bíblia e, mesmo assim, não é tão bem compreendido quanto deveria ser.

Philip Ryken, porém, tem algo novo a dizer. Com base na vida e no ministério de Jesus, o autor ilustra o que é (e o que não é) o amor e traz uma perspectiva única para essa passagem. Amar como Jesus ama integra com sucesso ensino bíblico, guias de estudo e uma linguagem acessível — tudo para ajudar o leitor a entender melhor o amor profundo de Cristo e, por sua vez, aprender a amar mais profundamente em resposta. Afinal de contas, “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19).

Publicado por Vida Nova.

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