Sem dúvida, você está familiarizado com o chamado complexo messiânico – a atitude distorcida de uma pessoa que parece ter (ou tenta ser!) a solução para os problemas de todos os outros –, mas você já considerou os perigos de um complexo profético?
Há uma advertência inserida no capítulo final e desconcertante do ministério de Elias (1Rs 19). Em um momento, Elias está no auge de sua influência profética, invocando o Deus de Israel para destruir os profetas maníacos de Baal (1Rs 18.39-40). No outro, ele está passando o manto (literal e profético) do ministério para um lavrador de campos (1Rs 19.19).
No meio desse episódio encontra-se o relato de Elias, que é perseguido pelos governantes de Israel e foge para o deserto para preservar sua vida (1Rs 19.1-18). Apesar de seu confronto com os profetas de Baal e de sua oração que eficazmente deu fim aos sete anos de seca, Elias está convencido de que Israel não retornará a YHWH. A covardia do rei Acabe e as ameaças de Jezabel parecem ser evidências suficientes para que Elias abandone a esperança.
Mas ele não foge sem rumo. Em vez disso, Elias vai diretamente a Horebe (Sinai), a montanha onde YHWH se revelou a Moisés, no momento decisivo da história de Israel – sua misericórdia e bondade especialmente pungentes após a chocante idolatria do bezerro de ouro (Êx 32). Lá, YHWH revelou seu nome como “SENHOR, SENHOR, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade” (Êx 34.6).
Elias acredita que Acabe e Jezabel estão demonstrando a obstinação de Israel. Elias parece pensar que o futuro é tão sombrio que Deus pode concluir que seu povo é tão duro de cerviz quanto era no episódio do bezerro de ouro. Elias está retornando a Horebe para clamar a Deus como Moisés fez em Êxodo 32.
Mas as coisas acontecem de maneira diferente com Elias. YHWH faz uma pergunta surpreendente: “O que você está fazendo aqui, Elias?” Em vez de interceder pela misericórdia de Deus para o seu povo da aliança (como Moisés fez em Êxodo 33), Elias relata a infidelidade de Israel. Surpreendentemente, Elias conclui: “Sou o único que sobrou”. Talvez Elias pense que YHWH levará consigo o julgamento que uma vez sugeriu a Moisés – para formar dele um povo inteiramente novo (Êx 32.9).
Se ainda não estamos intrigados com o comportamento de Elias, o resto da história aumenta a tensão. Semelhante a Moisés, Elias se abriga em uma caverna enquanto YHWH passa. A montanha se agita e o fogo cai – mas, quando Elias surge, não há uma nova revelação. Não há nenhum anúncio do destino de Elias para levar um novo povo a uma nova terra prometida. Em vez disso, há, literalmente, “um leve silêncio”. YHWH pergunta uma segunda vez: “O que você está fazendo aqui, Elias?” Elias repete sua resposta (embora, eu suspeito, um pouco menos confiante agora).
Conforme as palavras saíam de sua boca, talvez Elias tenha reconhecido sua tolice. YHWH não iria recomeçar – a realização de seus propósitos eternos não dependia desse profeta. Elias também não era a única pessoa que se recusara a se curvar a Baal (1Rs 19.18).
A advertência neste texto é contra uma presunção arrogante (mesmo que bem-intencionada). As ansiedades relacionadas ao declínio cultural ou à desvalorização doutrinária podem ser legítimas, mas devemos ser implacavelmente desconfiados de uma atitude que diz: “Sou o único que sobrou entre os profetas de Deus”. Apesar de todos os momentos de Monte Carmelo que estejam ocorrendo, Deus não depende de seu ministério assim como não dependia do ministério de Elias.
Se você começar a pensar que seus partidários têm uma ideia melhor do que ninguém sobre o que realmente está acontecendo, a primeira coisa que você deve fazer é pedir a Deus humildade e autoconsciência. Pedro escreve: “Portanto, humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele os exalte no tempo devido. Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (1Pe 5.6-7).
Pedro está nos exortando a ordenar corretamente nossas afeições. Em vez de deixar nossas ansiedades, por mais justas que sejam, transbordar em ação precipitada ou discurso autojustificativo, deixe Deus estar no comando de sua vindicação. Você não precisa sair na frente dele. Se sua causa é a verdade, seja paciente. A verdade vira à tona. De fato, tomar o lugar mais baixo e corrigir seus oponentes com gentileza pode trazê-los ao arrependimento e salvação (2Tm 2.25). “Sejam todos humildes uns para com os outros, porque ‘Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes’” (1Pe 5.5).
Aprendamos uma lição com Elias: é melhor ser humilde antes do que ser castigado no final. O autor da história tem uma multidão que não dobrou os joelhos ao espírito da época.
Traduzido por Jonathan Silveira.
Texto original: The Danger of a Prophetic Complex. The Gospel Coalition.
Ryan Griffith (PhD, The Southern Baptist Theological Seminary) é diretor executivo do The Gospel Coalition. Antes de trabalhar no TGC, Ryan foi diretor fundador de estudos de graduação e professor assistente de história e humanidades da Igreja no Bethlehem College & Seminary (Minneapolis, MN). Obteve seu mestrado e bacharelado na Wheaton College (IL). |