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O que a ciência explica?

O cientificismo — a crença de que a ciência pode, ao menos em tese, explicar tudo — é falso. Vamos fazer agora uma pergunta mais precisa: O que efetivamente a ciência explica? Por exemplo, como estivemos refletindo a respeito da gravidade, vamos perguntar: O que a lei da gravidade explica? “Isso, com certeza, é óbvio; a lei da gravidade explica a gravidade”, você diz. Só que pode se surpreender ao descobrir que, na verdade, ela não explica isso!

Eu apreciava ensinar aos alunos como a lei da gravidade nos oferece uma maneira matemática brilhante de calcular o efeito da gravidade para que possamos saber a velocidade que um foguete precisa alcançar a fim de escapar do campo gravitacional da Terra, ou para fazer os cálculos necessários para enviar uma sonda até Marte. Entretanto, a lei da gravidade não nos informa o que a gravidade realmente é — apenas como ela funciona. Newton compreendeu essa distinção e deixou isso claro.

Ou seja, a lei da gravidade não apresenta uma explicação completa a respeito da gravidade. Com frequência é isso que a ciência faz; mesmo no âmbito de sua competência, uma explicação científica raramente é completa. O filósofo Ludwig Wittgenstein estava se referindo a isso quando escreveu:

Na base de toda a visão moderna de mundo está a ilusão de que as chamadas leis da natureza são explicações para os fenômenos naturais […] o sistema moderno dá a entender que tudo já foi explicado.[1]

A verdade é que as leis da natureza descrevem o universo, mas, na realidade, não explicam nada. Façamos uma pausa para refletir que, do ponto de vista da ciência, a própria existência de leis na natureza é um mistério em si. Richard Feynman, ganhador do Prêmio Nobel de Física, escreve:

… o fato de efetivamente existirem regras a verificar é uma espécie de milagre; de ser possível encontrar uma regra, como a lei do inverso do quadrado para a gravidade, é um tipo de milagre. Não é nada compreensível, mas leva à possibilidade de predição — significa que isso lhe diz o que você esperaria acontecer em um experimento que ainda não fez.[2]

O próprio fato de essas leis poderem ser formuladas matematicamente era, para Einstein, uma fonte constante de deslumbramento e apontava para além do universo físico, para algum espírito “muito superior ao do homem”.[3]

Explicação racional

O próximo aspecto que precisamos entender é que uma explicação científica de algo não é necessariamente a única explicação racional possível. Podem haver múltiplas explicações igualmente verdadeiras ao mesmo tempo.

Suponha que você pergunte: “Por que a água está fervendo?”. Posso dizer que a energia do calor da chama de gás está sendo conduzida através da base de cobre da chaleira e está agitando as moléculas da água a tal ponto que ela está fervendo. Ou posso dizer que a água está fervendo porque eu gostaria de beber uma xícara de chá. Vemos de imediato que as duas explicações são igualmente racionais — ambas fazem perfeito sentido — mas são muito diferentes. A primeira é científica e a segunda, pessoal, envolvendo minha intenção, vontade e desejo. O que também é óbvio é que as duas explicações não estão em conflito nem sequer competem entre si. Elas se complementam.

E mais, ambas são necessárias para uma explicação completa do que está acontecendo. Além disso, pode-se argumentar que a explicação que se refere à ação pessoal é a mais importante — as pessoas se deliciaram bebendo chá por milênios, antes de ter qualquer noção da termodinâmica! Aristóteles chamou a atenção sobre tudo isso há séculos, quando fez a distinção entre uma causa material (a chaleira, a água, o gás e assim por diante) e a causa final (meu desejo por uma bebida estimulante).

Da mesma forma, para fornecer uma explicação sobre o motor de um carro, podemos mencionar a física da combustão interna ou podemos falar de Henry Ford. As duas explicações são racionais. E ambas são necessárias para uma explanação completa. Ampliando essa ilustração para o tamanho do universo, podemos afirmar que Deus não compete com a ciência como uma explicação do universo mais do que Henry Ford compete com a ciência como uma explicação para o motor de um carro. Deus é uma explicação Agente-Criador do universo; não é uma explicação científica. Se Aristóteles estivesse vivo hoje, ficaria surpreso ao descobrir como tanta gente parece incapaz de perceber a diferença.

Afinal, para citar uma analogia encantadora usada pela romancista Dorothy Sayers:

Os mesmos doze tons são materialmente suficientes para explicar a Sonata ao luar de Beethoven e o som do gato ao andar sobre as teclas do piano. Entretanto, o desempenho do gato não prova nem refuta a existência de Beethoven.[4]

Stephen Hawking afirmava que Deus não é necessário para explicar por que o universo existe, em primeiro lugar — por que existe algo em vez de nada. Ele acreditava que a ciência poderia fornecer a resposta. Escreveu assim:

Uma vez que há uma lei como a da gravidade, o universo pode criar-se e se criara a partir do nada.[5]

Essa afirmação parece científica, e certamente foi escrita por um cientista. Contudo, além de não ser científica, não é nem mesmo racional, como um pouco de lógica rudimentar demonstrará.

A primeira falha: Autocontradição

A afirmação de Hawking é autocontraditória: “Uma vez que há uma lei como a da gravidade” — ou seja, visto que há alguma coisa — “o universo […] se criará a partir do nada”. Hawking assume que a lei da gravidade existe. Ela não pode ser considerada nada, logo, ele é culpado dessa contradição flagrante.

A segunda falha: Leis não criam

Observe cuidadosamente o que Hawking afirma: “Uma vez que há uma lei como a da gravidade…”. Quando li isso pela primeira vez, pensei: “Com certeza ele quis dizer: ‘Uma vez que há a gravidade…’”. Pois, o que uma lei da gravidade significaria se não houvesse gravidade para ela descrever? Além disso, não é só os cientistas que não criaram o universo; a ciência e as leis da física matemática também não o fizeram. Ainda assim, Hawking parece pensar que poderiam, muito bem, tê-lo feito. Em seu livro A brief history of time, ele sugeriu que uma teoria poderia trazer o universo à existência:

A abordagem normal da ciência de construir um modelo matemático não pode responder à questão do motivo pelo qual deveria haver um universo para ser descrito pelo modelo. Por que o universo se dá ao trabalho de existir? A teoria unificada é tão convincente que acarreta sua própria existência? Ou ela precisa de um Criador e, se sim, ele tem outro efeito sobre o universo?[6]

A ideia de uma teoria ou de leis físicas trazendo o universo à existência pode parecer fascinante, mas, na realidade, não faz sentido algum. Vimos anteriormente que a lei da gravidade de Newton não explica a gravidade. Além do mais, ela certamente não cria a gravidade. Na verdade, as leis da física não são apenas incapazes de criar qualquer coisa; elas também não podem ser a causa de qualquer coisa. As conhecidas leis do movimento de Newton nunca fizeram uma única bola de sinuca rolar pela mesa; isso só pode ser feito por uma pessoa com um taco de sinuca. As leis nos possibilitam analisar o movimento e mapear a trajetória do movimento da bola no futuro (desde que nada externo interfira),[7] mas elas não têm poder algum para mover a bola, muito menos para trazê-la à existência.

Ainda assim, o conhecido físico Paul Davies parece concordar com Hawking:

Não há necessidade de invocar qualquer elemento sobrenatural nas origens do universo ou da vida. Nunca gostei da ideia da intervenção divina: para mim, é muito mais inspirador acreditar que um conjunto de leis matemáticas possa ser tão engenhoso a ponto de trazer todas essas coisas a existência.[8]

Observe de passagem a linguagem não cientifica nessa afirmação:

Nunca gostei […] mais inspirador acreditar”. Entretanto, no mundo real em que vivemos, a lei mais simples da aritmética — 1+1=2 — nunca trouxe nada à existência por si só. Certamente nunca colocou dinheiro na conta de ninguém. Se você depositar R$ 100,00 no banco e depois outros R$ 100,00, as leis da aritmética racionalmente explicarão como você agora tem R$ 200,00 no banco. No entanto, se você nunca depositar dinheiro no banco e simplesmente deixar que as leis da aritmética criem dinheiro, permanecerá pobre, sem nenhum tostão. As leis da aritmética não são “engenhosas” no sentido de que podem trazer algo à existência. Só podem ser aplicadas a coisas que já existem.

C. S. Lewis já viu isso há muito tempo. Sobre as leis da natureza, escreveu:

Elas não produzem evento algum: expõem o padrão ao qual cada evento […] deve se conformar, assim como as regras da aritmética anunciam o padrão ao qual todas as transações com dinheiro devem se conformar — desde que você consiga arrumar algum dinheiro […] Pois cada lei, em última instancia, afirma: “Se você tem A, então obterá B”. Todavia, primeiro consiga seu A: as leis não o farão para você.[9]

Um mundo no qual as leis engenhosas da matemática, por si só, trazem o universo e a vida à existência é pura ficção (científica). Teorias e leis não geram matéria ou energia, nem qualquer outra coisa. A perspectiva de que, de alguma forma, elas têm essa capacidade parece mais um refúgio bastante desesperado (e é difícil ver que outra coisa poderia ser, senão um refúgio) da possibilidade alternativa levantada pela pergunta de Hawking citada anteriormente: “Ou ela precisa de um Criador?”.

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A terceira falha: Autocriação é incoerente

Por fim, a afirmação de Hawking de que “o universo pode criar-se e se criará a partir do nada” não faz sentido. Se eu digo que “X cria Y”, isso pressupõe a existência de X em um primeiro momento, para trazer Y à existência. Se eu digo que “X cria X”, pressuponho a existência de X para explicar a existência de X. Pressupor a existência do universo para explicar sua existência é logicamente incoerente.

Isso mostra simplesmente que uma afirmação absurda permanece uma afirmação absurda, mesmo quando escrita por um cientista famoso.

Hawking, de maneira espantosa, deixou de responder à questão central: Por que há algo em vez de nada? Ele afirma que a existência da gravidade implica que a criação do universo era inevitável. Mas como é que a gravidade veio a existir em um primeiro momento? Qual foi a força criadora por trás de seu surgimento? Quem a colocou lá com todas as suas propriedades e potencial para a descrição matemática? Da mesma forma, quando Hawking defende, em apoio à sua teoria da criação espontânea, que era necessário apenas que “o pavio” fosse aceso para “colocar o universo em movimento”, sou tentado a perguntar: De onde veio esse pavio? Certamente, se ele colocou o universo em movimento, não faz parte do universo. Quem, então, o acendeu, se não foi Deus?

Allan Sandage, considerado por muitos o pai da astronomia moderna, o qual descobriu os quasars e ganhou o Prêmio Crafoord — o equivalente na astronomia ao Prêmio Nobel —, não tem dúvidas quanto à sua resposta:

Acho muito improvável que essa ordem tenha surgido do caos. Precisa haver algum princípio organizador. Deus é um mistério para mim, mas é a explicação para o milagre da existência — o porquê de existir algo em vez de nada.[10]

Tentando evitar as evidências claras da existência de uma inteligência divina por trás da natureza, cientistas ateus são forçados a atribuir poderes criadores a candidatos menos dignos de crédito, como massa/energia e as leis da natureza. O ateísmo simplesmente não oferece respostas satisfatórias.

Quem criou o Criador?

Normalmente é neste ponto do debate que alguém pergunta: “Se você acredita que Deus criou o universo, então com certeza faz sentido perguntar quem criou Deus?”. Isso não sugere que acreditar em Deus é tolice? Dawkins usa esse argumento, na seguinte forma, como um de seus principais motivos para descartar Deus em The God delusion:

Um Deus projetista não pode ser usado para explicar a complexidade organizada, porque qualquer Deus capaz de projetar qualquer coisa precisaria ser complexo o suficiente para exigir o mesmo tipo de explicação.[11]

Isso soa parecido com: “Richard Dawkins não pode ser usado para explicar a complexidade organizada de seu livro, The God delusion, porque qualquer pessoa/coisa capaz de produzi-lo precisaria ser suficientemente complexa para exigir o mesmo tipo de explicação”.

De qualquer forma, se você perguntar quem ou o que criou Deus, precisa ser claro sobre o que está presumindo. Está presumindo que Deus foi criado, certo? Mas e se ele não foi? Nesse caso, sua pergunta é irrelevante. E esse é um problema sério, já que a Bíblia apresenta Deus como um ser tanto eterno quanto não criado. Portanto, sua pergunta nem mesmo se aplica a ele, muito menos ameaça sua existência ou a fé daqueles que creem nele. Desconfio que, se o livro de Richard Dawkins fosse intitulado The created gods delusion [Deuses criados, um delírio], ninguém o compraria. Pois qualquer um pode perceber que deuses criados — que normalmente chamamos de ídolos — são um delírio; algo em que toda a tradição cristã concordaria de maneira entusiasmada com ele.

O argumento de Dawkins certamente se aplica a coisas criadas, mas não é suficiente, pois pode ser aplicado à sua própria teoria sobre o universo. Se ele insiste que Deus não é uma explicação (porque precisamos perguntar “Quem criou Deus?”), então, da mesma forma, qualquer motivo que ele apresente para a existência do universo não é uma explicação — a menos que ele possa dizer o que o levou a existir. Portanto, perguntei a ele em um debate público o seguinte:

Você acredita que o universo criou você, logo, quem criou o seu criador?

Estou esperando há mais de dez anos por uma resposta a essa pergunta. Nenhuma foi apresentada.

_______________

[1] Tractatus Logico-Philosophicus (London, Reino Unido: Kegan Paul, Trench, Tubner, 1922), p. 87 [edição em português: Tractatus Logico-Philosophicus (Sao Paulo: Edusp, 2001)].

[2] The meaning of it all (New York: Penguin, 2007), p. 23 [edição em português: O significado de tudo: reflexões de um cidadão-cientista, 2. ed. (Lisboa: Gradiva, 2005)].

[3] Resposta de Einstein, em 1936, à carta de uma estudante que lhe perguntou: “Cientistas oram?”. Na mesma carta Einstein também afirmou: “Qualquer um que seriamente se dedica à ciência é convencido de que um espírito se manifesta nas leis do Universo — um espírito muito superior ao do homem e, diante do qual, nós, com nossas modestas competências, devemos nos sentir humildes”, disponível em: https://www.brainpickings.org/2013/07/11/do-scientists-pray-einstein-letter-science-religion/, acesso em: 15 dez. 2018.

[4] Dorothy Sayers, “The lost tools of learning”, in: Ryan N. S. Topping, org., Renewing the mind (Catholic University of America Press, 2015), p. 230.

[5] Stephen Hawking; Leonard Mlodinow, The grand design, p. 180.

[6] Stephen Hawking, A brief history of time (New York: Bantam, 1988), p. 174 [edição em português: Uma breve história do tempo (Rio de Janeiro: Intrinseca, 2015)].

[7] Estou bem ciente de que considerações caóticas (sensibilidade às condições iniciais) tornam essa predição praticamente impossível para todos os ricochetes da bola, exceto os primeiros.

[8] Veja Clive Cookson, “Scientists who glimpsed God”, Financial Times, 29 de abril de 1995, p. 50.

[9] C. S. Lewis, Miracles (London, Reino Unido: Fontana, 1974), p. 63 [edição em português: Milagres (São Paulo: Vida, 2006)].

[10] New York Times, 12 de março de 1991, p. B9.

[11] Richard Dawkins, The God delusion, p. 136 [edição em português: Deus, um delírio (São Paulo: Companhia das Letras, 2007)].

Trecho extraído e adaptado da obra “A ciência pode explicar tudo?“, de John Lennox, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2021, pp. 46-56. Traduzido por Marcelo Gonçalves. Publicado no site Tuporém com permissão.

John Lennox é mestre em artes, matemática, bioética; doutor em filosofia e em ciência. É também professor emérito de Matemática da Universidade de Oxford; membro emérito em Matemática e Filosofia da Ciência no Green Templeton College; e membro associado na Said Business School.

Tem escrito extensivamente sobre orelacionamento entre ciência, religião e ética; participou de inúmeros debates públicos com Christopher Hitchens, Richard Dawkins, Lawrence Krauss, Stephen Law e Peter Singer, entre outros. Ele domina o idioma russo, francês e o alemão, e faz palestras em todo o mundo sobre matemática, ética empresarial, ciência e teologia.

Lennox vive nas proximidades de Oxford e é casado com Sally. Eles têm três filhos e tantos netos a ponto de esgotar as competências de um matemático de Oxford.
A ciência pode mesmo explicar tudo? Muitas vezes, parece que, em pleno século 21, não precisamos mais de religião, uma vez que a ciência tem nos presenteado com tantas descobertas, sobretudo no que diz respeito aos mistérios do universo. Por causa disso, muitos acreditam que ciência e religião são simplesmente incompatíveis.

Mas será esse o caso? Baseando-se em sua própria experiência como cientista e cristão, além de ter décadas de diálogos e debates saudáveis sobre o relacionamento entre ciência e religião, o professor John Lennox mostra não apenas que é possível vermos essas supostas inimigas como boas amigas, mas também que podemos desfrutar e nos beneficiar de ambas.

Publicado por Vida Nova.

2 Comments

  1. victor lucats netto disse:

    O John Lennox tem meu respeito !!
    É muito fera !
    Deus o proteja !!

  2. Marcos disse:

    Amo as explicações de John Lennox. Seus argumentos são sólidos, e ele desmascara com facilidade os oponentes da fé cristã.

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