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[Nota: Este é o sexto artigo de uma série ocasional de apologética e análise de visão de mundo.] 

Ao longo das últimas décadas, os evangélicos têm expressado um interesse renovado no conceito de vocação. Já é comum ouvirmos falar em “pensar de maneira cristã” sobre nosso trabalho ou, para os acadêmicos, suas áreas de estudo. Algumas pessoas (como eu) vão um passo adiante e afirmam que estamos apenas enganando a nós mesmos se acreditarmos que podemos abordar, com um senso de neutralidade religiosa, nossas vocações nos níveis mais profundos de envolvimento. “Pensar de maneira cristã” sobre o nosso trabalho não é algo que acrescentamos como uma reflexão tardia; é algo que muda radicalmente a natureza do nosso trabalho.

Não surpreende que esta visão seja, muitas vezes, recebida com ceticismo. Mesmo aqueles que concordam com o meu ponto de vista não veem, por exemplo, como poderia haver uma visão particularmente cristã sobre assuntos como a matemática.

Embora eu certamente compreenda a hesitação deles, eu de fato acredito que há uma visão cristã sobre a matemática. Na verdade, eu acredito que há uma visão distintamente cristã sobre todas as coisas.

A razão de esta ideia parecer tão estranha (se não completamente absurda) é que a maioria de nossas teorias sobre o mundo possuem apenas um pequeno efeito pragmático sobre como realmente vivemos nossas vidas. Tanto eu como meu vizinho, por exemplo, podemos nos queimar no sol, mesmo se tivermos crenças radicalmente diferentes sobre ele. O fato de eu achar que o sol é uma bola de plasma nuclear enquanto ele acredita que o sol é puxado no céu por uma carruagem conduzida pelo deus grego Helios não muda o fato de que ambos precisamos usar protetor solar. É somente quando saímos dos conceitos superficiais (“O sol é quente.”) e vamos a níveis mais profundos de explicação (“Qual é a natureza essencial de entidades como o sol?”) que as nossas crenças religiosas entram em jogo.

Até mesmo o conceito de que 1 + 1 = 2 – uma fórmula com que quase todas as pessoas concordam em um nível superficial – tem significados diferentes baseados em quais teorias são propostas como respostas. Essas teorias, afirma o filósofo Roy Clouser [link em inglês], mostram que ir mais a fundo no conceito da equação 1 + 1 = 2 revela diferenças importantes em como ela é compreendida, e que essas diferenças se devem às crenças divinas que elas pressupõem.

Mas antes que possamos ver porque isso é verdade, vamos rever as afirmações feitas no meu artigo anterior sobre o que constitui uma crença religiosa.

Uma crença é religiosa, diz Clouser, dado que (1) É uma crença em alguma(s) coisa(s) ou em outra(s) pessoa(s) como sendo divino(s), ou (2) É uma crença a respeito de como os humanos estão em relação ao divino. O divino, nesta definição, é tudo que “apenas existe”. Ele afirma que a autoexistência é a característica que define a divindade, de modo que o controle de teorias por uma crença sobre o que é autoexistente é o mesmo que o controle por uma crença divina e, portanto, equivale ao controle religioso de todas as teorias.

Não importa se nos referimos a uma entidade como sendo autoexistente, sem causa, radicalmente independente, etc; ela é o ponto além do qual nada mais pode ser reduzido. A não ser que postulemos uma regressão infinita de existências dependentes, devemos finalmente encontrar uma entidade que cumpra os critérios para ser considerada divina.

Diferentes tradições, religiões e sistemas de crenças podem discordar sobre o que ou quem tem status divino, ou se um conceito tão ontológico deve ser considerado uma “crença religiosa”. Mas o que todos eles concordam é que algo tem tal status. Um teísta, por exemplo, vai dizer que o divino é Deus, enquanto um materialista vai alegar que é a matéria que possui a categoria de divina. Portanto, se examinarmos nossos conceitos com detalhes suficientes, descobrimos, em um nível mais profundo, que nós não concordamos sobre qual objeto estamos falando. Nossas explicações e teorias sobre as coisas irão variar dependendo do que é pressuposto como sendo a resposta correta. E a resposta correta pode somente ser a realidade que possui o status de divina.

Voltando ao nosso exemplo, vemos que o significado de 1 + 1 = 2 depende da forma como respondemos algumas perguntas, tais como: O que “1” ou “2” ou “+” ou “=” representam? O que são essas coisas? Elas são abstratas ou possuem uma existência física? E como sabemos que 1 + 1 = 2 é verdadeiro? Como vamos atingir tal conhecimento?

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Vamos considerar as respostas propostas por quatro filósofos ao longo da história:

A visão de Leibniz- Quando Gottfried Wilhelm Leibniz, um dos inventores do cálculo, foi questionado por um de seus alunos: “Por que um mais um é sempre dois, e como sabemos isso?” Leibniz respondeu: “’Um mais um é igual a dois’ é uma verdade eterna e imutável que o seria se existissem ou não coisas para serem contadas ou pessoas para contá-las.” Números, relações numéricas e leis matemáticas (como a lei da adição) existem em um campo abstrato e são independentes de qualquer existência física. Na visão de Leibniz, números são coisas reais que existem em uma dimensão fora do campo físico e existiriam mesmo que nenhum ser humano existisse para identificá-los.

A visão de Russell – Bertrand Russell tomou uma posição totalmente oposta à de Leibniz. Russell acreditava que é absurdo pensar que há uma outra dimensão contendo todos os números e afirmou que essencialmente a matemática era nada mais do que uma maneira mais sucinta de escrever lógica. Na visão de Russell, classes lógicas e leis lógicas – ao invés de números e relações numéricas – são o que existem em uma dimensão fora do campo físico.

A visão de Mill – John Stuart Mill tomou uma terceira posição que negou a existência extradimensional de números e lógica. Mill acreditava que tudo o que podemos saber que existe são nossas próprias sensações – o que podemos ver, saborear, ouvir, e cheirar. E mesmo que possamos tomar como certo que os objetos que vemos, provamos, ouvimos e cheiramos existem independentemente de nós, não podemos sequer saber isto. Mill afirma que “1”, “2” e “+” representam sensações e não números abstratos ou classes lógicas. E porque são apenas sensações, “1 + 1” tem o potencial de ser igual a 5, 345, ou mesmo 1.596. Tais resultados podem ser improváveis, mas, de acordo com Mill, não são impossíveis.

A visão de Dewey – O filósofo americano John Dewey tomou outra posição radical, sugerindo que cada uma das entidades “1”, “+”, “1”, “=” e “2” realmente não significam nada, mas são ferramentas úteis que meramente inventamos para fazer certos tipos de trabalho. Perguntar se 1 + 1 = 2 é verdadeiro seria tão sem sentido como perguntar se um martelo é verdadeiro. Ferramentas não são verdadeiras nem falsas; elas simplesmente fazem alguns trabalhos e outros não. O que existe é o mundo físico e os seres humanos (entidades biológicas) que são capazes de inventar e usar tais ferramentas matemáticas.

Para cada um desses quatro filósofos, o que era considerado divino (“apenas existe”) teve um impacto significativo sobre a forma como eles respondiam às questões sobre a natureza de uma simples equação. Para Leibniz eram abstrações matemáticas; para Russell era a lógica; para Mill foram sensações; e para Dewey era o mundo físico/biológico. Superficialmente, podemos afirmar que os quatro homens entendiam a equação da mesma maneira. Mas à medida que nos aprofundamos, fomos descobrindo que suas crenças religiosas alteraram radicalmente a compreensão conceitual de 1 + 1 = 2.

O que todas as explicações têm em comum, e algo de que todas as visões não teístas compartilham, são uma tendência a produzir teorias que são reducionistas – a teoria reducionista afirma ter encontrado a parte do mundo à qual todas as outras coisas são idênticas ou da qual todas dependem. É por isso que a visão cristã sobre matemática, ciência e todo o resto deve ser diferente das teorias baseadas em outras crenças religiosas. Pode parecer que concordamos superficialmente, mas ao cavarmos um pouco mais ao fundo descobriremos que o que cremos sobre Deus muda tudo.

Traduzido por Ana Carolina Marafioti e revisado por Filipe Espósito.

Texto original aqui.

Joe Carter é um dos editores do ministério The Gospel Coalition e co-autor do livro "How to Argue Like Jesus: Learning Persuasion from History’s Greatest Communicator".

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