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11/nov/2016Vamos considerar que a palavra “Deus” representa um ser único, amoroso, onipotente, onisciente, e que criou os céus e a terra. Portanto, os teístas são pessoas que creem que Deus existe e os ateístas são pessoas que creem que Deus não existe. Apesar de eu mesmo ser teísta, acredito que o ateísmo pode, sim, ser uma posição racional. Mas tentarei explicar neste texto por que penso que o ateísmo é racional, porém equivocado.
Mas, antes, vou admitir que o ateísmo possui algumas vantagens sobre o teísmo:
1. Se você é ateu, não precisa se preocupar com o que Deus pensa de você ou com o que você faz. Esta é uma vantagem real: ateus não precisam ser pessoas éticas se não quiserem. Não estou dizendo que todos os ateus sejam menos éticos do que os teístas. O que quero dizer é que os teístas consideram que tudo que eles fazem está sob a sondagem de um Deus que quer que se comportem de certas maneiras e não de outras, e que os ateus nunca precisam se preocupar com esse tipo de coisa. Já que não existe um Deus para julgar você hoje ou para puni-lo depois que você morrer, você pode jogar golfe em vez de adorar a Deus se quiser. Você pode sonegar seus impostos ou até trair seu cônjuge, se conseguir se safar. Você não precisa ajudar pessoas necessitadas, se preferir não fazê-lo.
2. Se você é ateu, não precisa admitir que necessita do auxílio de um ser superior. Isto é, os ateus podem tomar a atitude que cabe a eles, não a Deus, para avançar na vida. Eles não precisam das muletas da religião. A religião, como eles mesmos dizem, é para os fracos, para os que não conseguem nada sozinhos, para os que precisam da ajuda do clero, de rituais, de textos sagrados, e de Deus. Em suma, ateus podem ser autônomos; eles guiam suas próprias vidas. Eles nunca precisam baixar sua auto-estima clamando a Deus, ou à religião, por auxílio.
3. Se você é ateu, você pode adotar qualquer ponto de vista moral que quiser, até mesmo o relativismo moral. Os teístas consideram, e devem mesmo fazê-lo, como sendo parte de sua cosmovisão, algumas coisas como sendo moralmente corretas e outras como sendo moralmente erradas, sem se importarem com o que as outras pessoas pensam. A isso nós damos o nome de objetivismo moral, que é a teoria de que algumas afirmações éticas e normativas são objetivamente verdadeiras e outras objetivamente falsas. Relativismo moral, por outro lado, é a teoria de que o fato de uma afirmação ética e normativa ser verdadeira ou falsa depende do que você pensa ser moralmente certo ou errado. A moralidade é relativa para indivíduos; se você pensa que o homicídio é moralmente correto, então o homicídio é moralmente correto, mas só para você. A pessoa que pensa que o homicídio é moralmente errado também está correta – para si mesma.
Meu argumento é que os ateus são livres para adotar o relativismo ético se quiserem. Não estou dizendo que todos os ateus são relativistas; a questão é que a cosmovisão deles dá margem a essa possibilidade. E a vantagem, neste caso, é que, se você é relativista, pode adotar qualquer ponto de vista moral que lhe convenha. De fato, você estará correto ao adotá-lo (isto é, correto para você mesmo).
Note que todas as três vantagens do ateísmo listadas acima dizem respeito ao que eu chamarei de orgulho. A palavra “orgulho” pode ter mais de um significado. Um deles não indica algo pejorativo como, por exemplo, na frase “As pessoas devem ter orgulho de seu trabalho”. Aqui, essa palavra significa algo como amor próprio ou talvez um tipo legítimo de autoestima com relação, por exemplo, às nossas conquistas, ou pelo menos um desejo de sermos dignos de respeito. Porém, ao considerarmos o outro significado, notamos que esta palavra pode ter um sentido pejorativo, principalmente quando algum tipo de egoísmo ou presunção está envolvido na questão como, por exemplo, na frase “O orgulho precede a queda”.
É uma opinião quase que unânime entre os teólogos cristãos de que o orgulho, no segundo sentido apresentando acima, é a origem e a raiz de todas as transgressões. Neste caso, o orgulho representa uma pretensão arrogante de superioridade, além da recusa de se prostrar em obediência a Deus. Eu só estou dizendo que as três vantagens do ateísmo listadas acima mostram que o ateísta nunca precisa se preocupar com um Deus que avalia o que ele faz, nunca precisa admitir que precisa da ajuda de Deus e pode seguir o código moral que quiser. Segue-se, portanto, que aqueles que, de forma oposta, decidem amar e obedecer a Deus, estão abandonando o orgulho. Eles estão admitindo que foram criados por Deus, devem sua existência a Deus, precisam clamar a Ele por graça, por misericórdia e por resposta às suas orações, e vivem sob a exigência moral de honrar a Deus em suas vidas.
O que afasta as pessoas de Deus? Obviamente, algumas pessoas são ateístas porque foram criadas dessa forma por seus pais. Outras conheceram pessoas religiosas que eram cruéis, desonestas ou hipócritas. Outras se preocupam com atos maldosos e importantes cometidos pela Igreja ao longo da história como, por exemplo, o apoio da Igreja ao anti-semitismo, à opressão das mulheres ou à escravidão. Em comunidades acadêmicas, é comum encontrarmos a suposição de que são as dificuldades intelectuais que constituem o principal problema e não há dúvida de que tais fatores possuem sua importância. O cristianismo, porém, ensina que o orgulho é a causa mais profunda de rejeitarmos a Deus. As pessoas não querem admitir que precisam da direção, da proteção e do perdão de Deus. Existe até mesmo um argumento contra a existência de Deus que eu penso ser convincente para muitas pessoas hoje em dia. Vamos chamá-lo de Argumento do Estilo de Vida Contra a Existência de Deus. Ele é bem simples, e possui duas premissas:
(1) Eu não estou vivendo e não quero viver o tipo de vida que Deus queria que eu vivesse, se Ele existisse;
(2) Portanto, Deus não existe.
Obviamente, podemos ver que o Argumento do Estilo de Vida Contra a Existência de Deus é absurdo e falacioso. Mas, na minha opinião, isso não impede que as pessoas sejam influenciadas por ele.
No entanto, ao invés de rebater argumentos ateístas, tomarei outro caminho. Tentarei construir um argumento em favor da fé em Deus. Ele é baseado em alguns outros pensamentos sobre o relativismo moral. Meu argumento é construído em dois passos. Em primeiro lugar, tentarei convencer você de que o relativismo moral deve ser rejeitado. Segundo, tentarei convencer você de que o objetivismo moral precisa de Deus.
Eis, então, o primeiro passo de meu argumento. Há uma incoerência profunda em várias versões do relativismo epistemológico. Vemos essa incoerência de forma bastante clara quando alguém tenta argumentar que nada é objetivamente verdadeiro. A própria afirmação “Nada é objetivamente verdadeiro” é, certamente, considerada por vários relativistas como sendo objetivamente verdadeira. Portanto, esta teoria refuta a si mesma, como quem diz “Estou incapaz de falar”. E se os relativistas negam que a afirmação “Nada é objetivamente verdadeiro” é objetivamente verdadeira, isto é, se insistem que ela é simplesmente a sua própria perspectiva das coisas, imediatamente é levantada a questão por que nós, que pensamos que existam verdades objetivas, deveríamos levar a ideia deles a sério.
Uma visão contemporânea do relativismo epistemológico afirma que todos nós vemos a realidade através das lentes de nosso próprio contexto social (o que é claramente verdadeiro), e que nosso idioma, gênero, raça e classe social impossibilitam a percepção objetiva ou imparcial da realidade (o que não faz sentido). Porém, novamente, esta teoria possui um problema óbvio: como podemos ter certeza de que não fomos enviezados por nossa posição social ao afirmarmos que ela sempre distorce nossa habilidade de perceber o mundo à nossa volta?
Permita-me falar sobre relativismo moral. Se não existem valores objetivos, mas somente bom e mau “para você” e bom e mau “para mim”, não existe uma base racional para defender os ideais e as conquistas feitas pela civilização humana em seu auge. Falo de conquistas tais como a igualdade de todos perante a lei, o governo ser liderado com o consentimento do povo, tolerância e civilidade com aqueles que discordam de nós, liberdade de expressão e liberdade religiosa. Se não existem valores objetivos, então as únicas metas disponíveis são os alvos dos desejos das pessoas e os únicos veículos disponíveis para convencer as pessoas são o poder e a política.
E meu argumento possui um segundo passo, que afirma que valores morais objetivos precisam de Deus. Antes, porém, quero deixar claro o que eu não estou afirmando. Não estou negando que ateus podem ser pessoas moralmente boas. Conheço vários que são. Não estou dizendo que ateus não conseguem discernir entre o certo e o errado. É claro que vários conseguem. Não estou dizendo que ateus não conseguem tomar decisões morais. É claro que conseguem. Não estou dizendo que ateus não conseguem formular um bom sistema ético. Eles conseguem fazê-lo.
O que estou dizendo é que somente pode haver uma base racional segura para o certo e o errado objetivos, para a prestação moral de contas e para as obrigações morais, se Deus existir.[1] A natureza santa, perfeita e moralmente boa de Deus constitui o padrão objetivo do certo e do errado e é a fonte dos valores morais. Os mandamentos de Deus para os seres humanos constituem a fonte da obrigação moral. Na fé cristã, a essência da moralidade é o mandamento duplo que diz para (1) amarmos a Deus com todo o coração, força e razão e para (2) amarmos ao próximo como a nós mesmos.
Porém, se Deus não existe, a moralidade se torna uma invenção humana ou um subproduto da evolução biológica e cultural, além de ser, por consequência, totalmente subjetiva e relativista. Ou a moral é composta por expressões de gosto pessoal ou é um dispositivo que nos auxilia a nos adaptarmos e prosperarmos como organismos. Mas, para que você não pense que estou inventando tudo isso, permita-me compartilhar com você citações de dois pensadores ateus contemporâneos. Max Horkheimer, filósofo alemão do século XX ligado à chamada escola de filosofia de Frankfurt, escreveu que “salvar um significado incondicional [isto é, um significado que se destaque como um bem não qualificado] sem Deus é uma tarefa inútil.”[2] E Kai Nielsen, o famoso filósofo ateu canadense, no final de uma dissertação chamada Why Should I Be Moral? (Por que eu deveria ser moral?), admite, de uma forma um tanto quanto pesarosa, que: “Nós não conseguimos provar que a razão precisa do ponto de vista moral, nem que todas as pessoas realmente racionais não deveriam ser egoístas ou amoralistas clássicos. A razão não decide neste caso. O quadro que pintei para vocês não é muito bonito. Fico deprimido ao refletir sobre isto… A razão pura e prática, mesmo aliada a um bom conhecimento dos fatos, não conduz à moralidade.”[3]
Eu concordo com Nielsen. Se o motivo não for Deus, não existe outro motivo pelo qual eu deva fazer a coisa certa em casos em que eu possa me beneficiar ao fazer a coisa errada e sair impune. Se a moralidade é apenas uma função de onde a raça evoluiu até agora, isto se torna uma base frágil para a afirmação de valores como a dignidade de todas as pessoas, sua igualdade perante a lei, a necessidade de tratá-las como fins em si mesmas (e não como meios para outros fins) e o dever de fazer moralmente a coisa certa, mesmo em situações onde se possa fazer a coisa errada e sair impune.
Se eu estou certo ao dizer que os valores morais objetivos e as obrigações existem somente se Deus existir, nos restam duas opções. Você pode escolher o ateísmo e algum tipo de teoria evolucionária, relativista e meta-ética, ou pode escolher o teísmo e os valores morais objetivos. Se você pensa que, por exemplo, torturar bebês por diversão é moral e objetivamente errado, mesmo que existam sádicos pervertidos que pensam que não há problema nisso – e mesmo que (Deus nos livre disto!) tais sádicos pervertidos se tornem a maioria -, você então tem um bom motivo para crer em Deus.
Permita-me concluir com alguns pensamentos que explicam por que não sou ateu, isto é, por que eu creio em Deus. Mencionarei três motivos. Em primeiro lugar, creio em Deus porque meus pais acreditavam em Deus e me ensinaram a fazer o mesmo. Mas, já que várias pessoas rejeitam as opiniões de seus pais ao crescerem, preciso adicionar a seguinte frase “e eu nunca encontrei nenhuma razão convincente para rejeitar minha crença em Deus”.
Assim como todas as pessoas, eu ouvi, por vários anos, muitos argumentos contra Deus apresentados por ateus, mas nunca achei que algum deles fosse convincente. Existem, obviamente, argumentos anti-teístas sérios, sobre os quais os teístas devem pensar e ponderar com cuidado, mas penso que vários deles são meros desabafos ou, até mesmo, pura embromação.
Tais argumentos, quase sempre, possuem construções como “Afinal, todos sabem que ______” ou então “É óbvio que, hoje em dia, todas as pessoas inteligentes percebem que ______”. O livro de Richard Dawkins, Deus, um Delírio (2006), por exemplo, possui muito mais barulho do que argumentos e, quando ele os apresenta, quase sempre são dolorosamente fracos.
Em segudo lugar, creio em Deus porque tive experiências que eu interpretei, naturalmente, como sendo a presença de Deus em minha vida. Experimentei o que entendi ser Deus mostrando proteção, direção, misericórdia e desafios para comigo. Essas experiências são aspectos importantes de minha vida.
No entanto, ambos os motivos apresentados acima são subjetivos. Ninguém sente a necessidade de aceitar o que meus pais me ensinaram e mais ninguém teve as mesmas experiências com Deus que eu tive. Portanto, você deve estar se perguntando se eu consigo apresentar alguma evidência “objetiva” a favor de Deus – talvez um argumento. Sim, eu consigo, embora somente possa sugeri-lo. Eu o chamarei de argumento do genocídio.
Permita-me definir genocídio como sendo o crime de intencionalmente destruir ou tentar destruir um grupo inteiro de pessoas, normalmente um grupo racial, étnico, nacional ou religioso. Meu argumento pressupõe o objetivismo moral, isto é, a teoria de que algumas coisas são moralmente corretas (como mostrar compaixão, falar a verdade, manter promessas) e outras coisas (como mentira, crueldade, homicídio) são moralmente erradas. O argumento também presume que o genocídio é uma das coisas que são moralmente erradas. Eis o argumento:
1. O genocídio é um desvio da maneira como as coisas deveriam ser;
2. Se o genocídio é um desvio da maneira como as coisas deveriam ser, então existe uma maneira de como as coisas deveriam ser;
3. Se existe uma maneira como as coisas deveriam ser, então existe um plano, ou projeto, para as coisas;
4. Se existe um plano, ou projeto, para as coisas, então existe um autor ou projetista;
5. Podemos chamar este autor de Deus.[4]
Um plano completo consistiria simplesmente em uma lista de todas as coisas que são moralmente corretas, o que constitui a maneira como as coisas deveriam ser e a maneira como elas não deveriam ser. Obviamente, o argumento do genocídio não prova que Deus possui todas as propriedades que o Deus do teísmo deve ter. O argumento não prova que Deus é onipotente e onisciente, por exemplo. Mesmo assim, não é possível haver um plano sem autor, nem um plano de como as coisas deveriam ser que meramente dependa de como as coisas são. O autor precisa ser alguém consciente. E esse alguém consciente não pode ser um ser humano. Portanto, ele certamente é Deus.
Minha conclusão é bem simples: se você quer evitar as contradições e implicações contraintuitivas do relativismo ético, sua melhor aposta é adotar o teísmo.
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[1] Grande parte da argumentação apresentada nesta seção foi retirada de “The Indispensability of Theological Meta-Ethical Foundations for Morality”, de William Lane Craig.
[2] Citado em Richard Wolin, “Juergen Habermas and Post-Secular Societies”, The Chronicle of Higher Education (29/09/2005), B17.
[3] Kai Nielsen,“ Why Should I Be Moral?,” American Philosophical Quarterly, Vol. 21 (1984): 90.
[4] Adaptei aqui um argumento de Douglas Geivett, com sua permissão.
Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: Thoughts on Atheism and Relativism. Houston Baptist University.
Stephen T. Davis (Ph.D) é professor de filosofia no Claremont McKenna College. É especialista em filosofia da religião e pensamento cristão. |