[Artigo apresentado às 10:00 horas, em 17 novembro de 2006, na reunião anual nacional da Sociedade Teológica Evangélica, Washington Hilton Hotel, 1919 Connecticut Avenue, Washington, DC 20009.]
Dentro do quadro geral da criação, queda e redenção, a teologia bíblica nos oferece alguns recursos específicos capazes de lançar luz nos fundamentos da física. Entre eles estão as ideias do papel da Palavra de Deus na criação e na providência, o papel das imagens na teofania, e o papel do tabernáculo, não só como um tipo de Cristo, mas também como uma imagem da habitação celestial de Deus. O tabernáculo sugere uma relação analógica entre a casa microcósmica e a casa macrocósmica. Suas proporcionalidades dimensionais simples e suas ressonâncias convidam-nos a meditar na exploração das proporcionalidades e ressonâncias no macrocosmo. E, de fato estas acabam ocorrendo, não só na música, como os gregos descobriram, mas também na estrutura fundamental da física e das ciências. Assim, as proporcionalidades no macrocosmo têm uma base na teologia da imagem, que por sua vez tem o seu fundamento no Filho, que é a Imagem do Pai.
Como resultado, podemos compreender de forma mais específica que a física – e por analogia as outras ciências –, depende inconscientemente da coerência na criação, que é possibilitada pelo Filho (Col. 1:17). Isso nos leva a reavaliar a viabilidade do suposto princípio de neutralidade religiosa na ciência e educação científica.
As doutrinas da criação e da providência, bem como a doutrina do homem feito à imagem de Deus, têm uma óbvia relevância para o pensamento cristão acerca da ciência, e um bom número de recursos já foi desenvolvido para explorar esta conexão1. A teologia bíblica na tradição iniciada por Geerhardus Vos2 enriqueceu ainda mais esses recursos. Ao explorar conexões temáticas em uma multiplicidade de sentidos, a teologia bíblica abriu espaço para se enriquecer de vários temas tradicionais da teologia sistemática, e este enriquecimento, por sua vez, leva-nos a aprofundar nossa compreensão das ciências e das maneiras nas quais elas exploram as manifestações da glória de Deus. Para tornar a análise mais concreta e tratável, focarei aqui especificamente a física, ao invés de todas as ciências.
O primeiro enriquecimento para o nosso pensamento sobre ciência encontra-se no tema bíblico da Palavra de Deus. Estamos familiarizados com o ensino bíblico de que a Bíblia, em si mesma, é a Palavra de Deus. Mas a Bíblia também possui um número considerável de passagens indicando que Deus profere palavras que exercem controle sobre o mundo natural:
Ele envia suas ordens à terra,
e a sua palavra corre velozmente;
dá a neve como lã
e espalha a geada como cinza.
Ele arroja o seu gelo em migalhas;
quem resiste ao seu frio?
Manda a sua palavra e o derrete; … (Salmo 147:15-18 RA).3Quem é aquele que diz, e assim acontece,
quando o Senhor o não mande?
Acaso, não procede do Altíssimo
tanto o mal como o bem? (Lamentações 3:37-38)
Além disso, na passagem fundamental de Gênesis 1, a fala de Deus tem um papel central. “E Deus disse: ‘Faça-se pela luz’, e houve luz” (Gn 1:3). Os principais atos de criação ocorrem com Deus falando.
A Palavra de Deus é, portanto, a base de toda a criação, e fornece uma base, particularmente, para as regularidades que são chamadas de leis científicas. A ciência, em todas as suas áreas, depende da crença em regularidades e da confiança de que existem leis e, ao fazer isso, ela depende da Palavra de Deus e das regularidades que Deus especifica em sua fala4. Particularmente, as leis da física reais são a Palavra de Deus, e os físicos humanos nos dão uma aproximação dessa Palavra.
Esta ligação entre a ciência e a Palavra de Deus produz pelo menos dois frutos. Em primeiro lugar, ao ligar Deus à questão da lei científica, levanta-se o questionamento de se as diferentes formas em que as pessoas enxergam Deus poderiam resultar em diferenças de opinião científica. A resposta é sim, e esta resposta pode ser ilustrada por muitos casos específicos. Isso foi confirmado dramaticamente no século XX, durante o tempo em que a cosmologia do Big Bang estava sendo inicialmente debatida. Em geral, a teoria do Big Bang costumava ser combatida por pessoas que não queriam lidar com um princípio absoluto que sugeria uma doutrina da criação e a possibilidade de um Criador pessoal por trás do universo como um todo.
Em segundo lugar, a Palavra de Deus liga a doutrina da Trindade à ciência, uma vez que em João 1 a Segunda Pessoa da Trindade é chamada de o Verbo, e o texto liga este título à linguagem de Gênesis 1, afirmando que a Palavra era ativa na criação (João 1:3). João sugere que as leis científicas são, em última análise, trinitárias em seu caráter, e que podem ter uma relação bastante estreita com a Segunda Pessoa da Trindade, refletindo de alguma forma o seu caráter. Poderíamos explorar muito mais estas questões5, mas no momento eu gostaria de passar para mais alguns temas da teologia bíblica.
Outro tema na teologia bíblica que vai ao encontro da física é o tema da teofania6. Deus aparece em várias ocasiões com manifestações físicas de sua glória, como no Monte Sinai (Ex 19), na nuvem de fogo que acompanhou os israelitas no êxodo (Num 9:15-23), e nas aparições em Isaías (Is 6:1-8), Ezequiel (Ez 1), e João (Apocalipse 1:12-16; 5:1-14)7. Embora tais manifestações físicas envolvam experiências únicas e irrepetíveis, elas também se ligam analogicamente a manifestações comuns de nuvens, fogo, trovão, relâmpago e luzes brilhantes. A relação com o comum sugere que os aspectos físicos deste mundo refletem a glória de Deus.
De acordo com Meredith G. Kline, teofanias têm uma estrutura de imagem ou representação8. Em todos os casos, as teofanias “representam” Deus em um sentido amplo. Na complexa teofania de Ezequiel 1, pode-se observar três círculos de imagens. O círculo mais interno consiste na figura humana no trono (Ez. 1:26-28). O segundo círculo consiste nos quatro seres viventes e as rodas. O terceiro e mais exterior círculo consiste na nuvem. Fogo, metal brilhante, e uma voz ou um ruído alto caracterizam os três círculos. Os dois círculos externos refletem o caráter dos círculos internos e o círculo interno reflete (“representa”) o caráter de Deus. Assim, embora pode-se continuar afirmando que o homem foi feito à imagem de Deus de forma única, em outro sentido, mais geral, a relação de imagem é uma realidade mais ampla que a criação do homem.
Toda estas estruturas de imagem podem ser, por sua vez, relacionadas à Trindade. Em seu todo, as teofanias do Antigo Testamento antecipam a aparição final de Deus ao homem através de Cristo (João 1:14, 14:9). Além disso, o Filho, a Segunda Pessoa da Trindade, é “a imagem do Deus invisível”, de acordo com Colossenses 1:15. Pode-se entender, então, que a imagem mais vaga, vista nos círculos exteriores da teofania, é em si uma expressão, ou uma imagem, da imagem original, o próprio Deus em seu ser trinitário. O Filho é esta imagem original, e imagens na criação refletem essa imagem original. O Espírito também está presente neste processo de representação por imagens, como é sugerido na referência ao espírito dos seres viventes (Ez 1:21) e a presença do Espírito na teofania de Apocalipse (Ap 5:6).
Gênesis 1:2, no contexto da criação, afirma que “o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas”. O Espírito de Deus é apresentado como um agente em todo o processo de criação. Assim, seja ou não isso uma aparição teofânica específica do Espírito9, a presença do Espírito deve ser associada à noção de que Deus é a origem das manifestações físicas na teofania. A associação convida-nos, assim, a enxergar o mundo físico como imagem da presença de Deus em teofania10.
Consideremos a seguir o Tabernáculo de Moisés. O Tabernáculo simboliza a presença de Deus no meio de seu povo (Ex 25:8.; ver 1 Reis 8:27-30). Em contraste com a presença temporária de Deus nas teofanias, esta é permanente, e de acordo com Hebreus, é uma sombra ou imagem da habitação de Deus no céu (Hb 8:5-6; 9:1-10, 23-24). Embora os céus sejam a morada mais íntima de Deus, em outro sentido Deus enche todas as coisas, e todo o universo é, portanto, a sua morada (Jr 23:24; 1 Reis 8:27; ver Amós 9:6). O universo é a sua casa macrocósmica, enquanto o Tabernáculo é a sua casa microcósmica. Este último, portanto, é uma imagem de Deus e o macrocosmo.
O tabernáculo apresenta em si mesmo uma certa estrutura de imagem. A sala externa, o Santo Lugar, é análoga à sala interna, o Santo dos Santos, podendo ser dito que a primeira é uma imagem da segunda. O pátio, com dimensões análogas ao Santo Lugar, também é uma imagem atenuada do mesmo. As características físicas e a beleza no tabernáculo refletem a glória de Deus, seu criador, e a glória do macrocosmo.
O tabernáculo como um lugar da habitação de Deus também aponta para Cristo, que é Emanuel, “Deus conosco” (Mt 1:23). Nós estamos certos em pensar em primeiro lugar na obra de Cristo na redenção, mas Cristo também é o mediador da criação, de acordo com João 1:1-3. Assim, o tabernáculo também pode estar relacionado com o macrocosmo e sua ordem.
Uma característica notável no tabernáculo é o uso de medições espaciais simples. O Santo dos Santos tem 10 côvados de comprimento, 10 côvados de largura e 10 côvados de altura. O Santo Lugar tem 20 côvados de comprimento, 10 côvados de largura e 10 côvados de altura, tornando-o duas vezes mais comprido do que o Santo dos Santos; ou seja, uma simples proporção de 2:1. Nas outras dimensões, é igual ao Santo dos Santos; ou seja, uma proporção de 1:1. O pátio da tenda, por sua vez, tem 100 côvados de comprimento e 50 côvados de largura, e, portanto, também apresenta a proporção de 2:1 encontrada no Santo Lugar. Estas simples proporções estão relacionadas ao tema da imagem, uma vez que o pátio, o Santo Lugar e o Santo dos Santos estão relacionados uns aos outros por meio de imagens. Além disso, vários itens de mobiliário na tenda exibem proporcionalidades simples. A mesa do pão da presença tem dimensões de 2 côvados por 1 côvado por 1 côvado e meio, resultando em uma razão simples de 4:2:3 entre as dimensões.
As proporcionalidades simples no tabernáculo, como microcosmo, convidam os israelitas a perguntarem se o macrocosmo, que é o universo como um todo, apresentaria proporcionalidades. Os gregos já descobriram que essas proporcionalidades existem na música. O intervalo musical de uma oitava representa uma proporção de 2:1, quer no comprimento das cordas vibrantes ou na frequência de vibração11. Os gregos também descobriram proporcionalidades na geometria e em outros aspectos do mundo físico, o que levou alguns a pensar que o mundo, em seu todo, foi matematicamente construído. Em particular, a astronomia encontrou proporcionalidades que relacionam o tempo à posição dos corpos celestes.
O próprio desenvolvimento da ciência foi mantido através da descoberta de proporcionalidades em todo o mundo físico. Pode-se pensar nas contribuições de Galileu, Kepler e, especialmente, Sir Isaac Newton. Mas ao invés de traçar esse desenvolvimento historicamente, vamos diretamente a um exemplo particular, a saber, a Segunda Lei de Newton:
A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e segue em linha reta na direção em que essa força é imprimida.
“Mudança de movimento” é o que hoje chamamos de aceleração. De acordo com a Segunda Lei, a aceleração é proporcional à força imprimida. A constante de proporcionalidade é a massa do objeto. Isto leva à simples formulação matemática:
F = ma
F é a força; m é a massa; e a é a aceleração. A força F é a massa vezes a aceleração, fazendo a força proporcional tanto à massa quanto à aceleração.
A proporcionalidade está embutida nesta lei mais básica, que é usada repetidas vezes na análise de vários tipos de interação física: cordas vibrantes, membranas e sólidos vibrantes, fluxo de líquidos e gases, e movimentos no sistema solar. Uma simples proporcionalidade está embutida nela. E, quando relacionamos nossas descobertas no macrocosmo ao tabernáculo como microcosmo, podemos afirmar que a beleza das proporções simples no tabernáculo está relacionada com a beleza das proporções simples no macrocosmo. Ambos são produto de um belo projeto da parte de Deus.
Mas podemos dizer mais. No tabernáculo, a proporcionalidade indica relações de imagem. O Lugar Santo, a imagem, é proporcional ao Santíssimo Lugar, o objeto que a imagem representa. Proporcionalidade é um tipo de relação de imagem entre duas características. Sendo assim, a proporcionalidade está presente nas imagens, e remonta à imagem inicial, ou seja, o Filho como a imagem do Pai. Deus se agradou de colocar dentro da criação réplicas analógicas da relação de imagem entre o Pai e o Filho. E verifica-se que estas réplicas não são raras, mas podem ser encontradas em todo o microcosmo do tabernáculo, e, mais notavelmente, em todo o universo como macrocosmo. A Segunda Lei de Newton contém uma relação de imagem, e, assim, reflete a Trindade.
Isso não significa que poderíamos, sem qualquer reflexão, deduzir a Trindade a partir da Segunda Lei de Newton, mas, à luz do conhecimento bíblico, podemos enxergar relações. Nós usamos o conhecimento dado pela revelação especial nas Escrituras, o conhecimento a respeito da Trindade, o conhecimento sobre a atividade trinitária na criação e conhecimento sobre o Tabernáculo. Todos estes contribuem conjuntamente para nos capacitar a ver a glória de Deus – especificamente, a glória de certos aspectos de seu caráter trinitário – refletida na Segunda Lei de Newton.
Outro exemplo de relações de imagem ocorre no próprio conceito de aceleração que Newton usou. Aceleração significa uma mudança de “movimento”, ou como diríamos na terminologia moderna, uma mudança de velocidade. Velocidade, por sua vez, pode ser definida como a mudança de posição ao longo do tempo. Considere um exemplo simples em que uma família está viajando para uma cidade a 250 milhas de distância. Na primeira hora, eles viajam 50 milhas. Na segunda, viajam mais 50 milhas, resultando em um total de 100 milhas, e assim por diante. Fazemos, assim, uma tabela simples:
A distância é proporcional ao tempo. A proporcionalidade é resumida dizendo-se que o carro está viajando a uma velocidade de 50 milhas por hora. A velocidade é uma medida de proporcionalidade. Podemos dizer, portanto, que ela se baseia em uma relação de imagem entre distância e tempo. A representação, assim, está presente no próprio conceito de rapidez ou velocidade12.
Agora, o que acontece com a aceleração? A aceleração é definida como uma mudança de velocidade. Suponha que a família, em vez de estar em um carro com uma velocidade constante, está agora em um avião que ganha velocidade ao percorrer uma pista, a fim de decolar. Os motores aumentam o giro, os freios são liberados, e o avião começa a acelerar. Depois de um segundo, ele se desloca a uma velocidade de 2 pés por segundo. Após dois segundos, se desloca a 4 pés por segundo, e assim por diante. Podemos, então, traçar uma relação entre velocidade e tempo em uma tabela simples:
Existe uma proporcionalidade simples entre velocidade e tempo, e tal proporcionalidade é definida como aceleração. O avião está acelerando a uma velocidade de 2 pés por segundo por segundo. A aceleração, assim, tem como base duas proporcionalidades distintas, primeiro a proporcionalidade entre distância e tempo que define a velocidade e, em seguida, a proporcionalidade entre velocidade e tempo que define a aceleração. Ambas são exemplos de imagens, no sentido amplo que temos desenvolvido em conexão com o tabernáculo. Podemos concluir que ambos refletem a glória do Filho, a imagem de Deus em relação ao Pai.
Estudantes com conhecimento de física saberão que estou sendo simplista. A realidade física é mais complicada, pois tais proporcionalidades simples são apenas aproximações. O carro da família estaria viajando a 50 milhas por hora se a velocidade fosse constante. Mas é possível que haja semáforos e sinais de limite de velocidade, que criam situações nas quais a velocidade real aumenta e diminui. A velocidade média de 50 quilômetros por hora é apenas uma aproximação. A aproximação é suficiente para incentivar-nos a estudar o mundo, mas mostra que nosso trabalho não está completo.
Estudantes observando os corpos celestes percebem facilmente que o Sol viaja ao longo de seu curso uma vez por dia, e que o seu movimento através do céu é mais ou menos proporcional à passagem do tempo. Analogamente, a lua passa por suas fases em relação ao sol durante um período aproximadamente 29 1/2 dias, o que representa outra proporcionalidade. Essas relações simples encorajam os seres humanos a procurar padrões de proporcionalidade, assim como eles são encontrados no tabernáculo. Mas há complexidades, particularmente com respeito a planetas como Marte. Do ponto de vista de um observador na Terra, Marte parece às vezes recuar sua posição em relação ao sol13. As complexidades, assim, levaram a um maior sofisticação na astronomia. Os desenvolvimentos culminaram em Newton, que foi capaz de definir matematicamente a ideia de velocidade instantânea. Se a velocidade se alterar ao longo do tempo, a velocidade medida ao longo de um período de horas representa apenas uma proporcionalidade aproximada. Mas Newton poderia obter uma proporcionalidade exata, apropriada para utilização na sua Segunda Lei do Movimento, considerando um processo no qual o intervalo de tempo para a medição foi feita indefinidamente menor. A invenção do cálculo, feita por Newton, codificou esta ideia. (Na terminologia moderna, o conceito de derivada que foi esta chave fundamental.) Com o equipamento de matemática adequado, a proporcionalidade pode desempenhar um papel central, mesmo no caso em que a velocidade ou a aceleração muda com o tempo.
Através do cálculo e toda a teoria que Newton propôs, os cientistas puderam deduzir equações para analisar os movimentos e forças físicas em uma enorme variedade de situações. Todas estas equações se basearam na Segunda Lei do Movimento, que contém a proporcionalidade fundamental entre força, massa e aceleração. Eles também usaram o cálculo de Newton, que possui uma técnica matemática sistemática para codificar as proporções. A derivada, como uma codificação da proporcionalidade, tornou-se assim parte integrante das ferramentas da física.
Nessas situações, encontramos o uso repetido e até generalizado de proporcionalidades. Ou, como podemos dizer à luz do tabernáculo, encontramos relações de imagem. Estas imagens são, por sua vez, um reflexo ou imagem do Filho, como a verdadeira imagem. A glória de Deus é manifestada na física de todas as formas possíveis, em suas belezas, suas harmonias, e sua exatidão e poder impressionantes. E ela também se manifesta, especificamente, refletindo o caráter trinitário de Deus14.
O desenvolvimento da teoria da relatividade de Einstein e da mecânica quântica mostrou que a física newtoniana era apenas uma aproximação. Não podemos apresentar a história completa aqui, porém notamos que tais acontecimentos não diminuíram o papel das proporcionalidades; se fizeram alguma coisa, na verdade eles o aumentaram. Além disso, encontramos nos fundamentos da física do século XX o uso repetido da ideia de simetria. Tanto a teoria da relatividade quanto a teoria quântica usaram simetrias no espaço e no tempo para fundamentar o desenvolvimento das teorias. Os físicos esperavam que a realidade mostrasse simetrias nas leis básicas da física.
A simetria também está presente no tabernáculo no sentido de que o tabernáculo, como uma tenda, é simétrico ao longo do seu eixo longitudinal. O Santo dos Santos é simétrico nas suas três dimensões. A simetria está, de fato, intimamente relacionada à beleza e, à medida que a beleza do tabernáculo se expressa, ele por sua vez reflete a beleza de Deus. A percepção humana tem uma sensibilidade instintiva para com a simetria e arranjos simétricos no espaço são frequentemente vistos como belos. E a simetria também está intimamente relacionada à imagem. Em primeiro lugar, ela é uma imagem da beleza de Deus, a origem das imagens. E em segundo lugar, a simetria pode ser vista como uma espécie de imagem no sentido em que uma disposição simétrica, quando movida ou mudada de uma certa forma, mantém-se inalterada, e assim é uma imagem exata de si mesma. O tabernáculo, quando refletido em torno de seu eixo maior, permanece inalterado, e assim é sua própria imagem nesse sentido.
Como exemplo do uso de proporcionalidades e simetrias, podemos usar as equações de Maxwell para eletricidade e magnetismo. As equações de Maxwell podem ser apresentadas de formas que exibam simetrias no espaço. As equações “parecem as mesmas” em todas as três dimensões espaciais e, de fato, a simetria foi uma das considerações que orientaram a busca original de Maxwell por uma formulação correta. Uma vez que as equações de Maxwell foram descobertas, os físicos também perceberam mais uma simetria, dessa vez envolvendo o tempo, e esse foi um fato significativo que levou à formulação da teoria da relatividade especial de Einstein.
Para representar as simetrias diretamente, os físicos podem escrever as equações como quatro equações distintas, três no espaço e uma no tempo, como se segue:
A caixa quadrada (□) representa uma proporcionalidade de dupla ordem no espaço e no tempo. Ela é simétrica em quatro dimensões. O símbolo A representa a força elétrica e magnética. O μ subscrito pode assumir quatro valores diferentes, produzindo quatro modelos distintos com exatamente a mesma forma, apresentando, assim, outra simetria no espaço e no tempo. O valor 4 π é uma proporcionalidade simples (e sim, π é a proporção ou a proporcionalidade entre a circunferência e o diâmetro de um círculo). jμ representa carga elétrica. E o valor c, no denominador, é a velocidade da luz, a constante de proporcionalidade entre a distância e o tempo na forma como a luz viaja.
Até agora, nos concentramos apenas nas formas em que o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, a imagem do Deus invisível, se reflete no mundo da física. Mas se houvesse tempo, também podemos voltar nossa atenção para o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade. Embora Meredith Kline tenha se esforçado para defender uma estreita relação entre imagens e o Espírito15, o caminho mais direto continua sendo ver imagens em relação ao Filho.
O Espírito é revelado na Bíblia em conexão a muitas analogias, mas uma com a qual podemos começar é a analogia com o vento. Uma única palavra em hebraico, ruah, pode significar tanto vento, como respiração, como espírito, dependendo do contexto. Na maior parte dos contextos ela tem apenas um destes significados, mas Ez 37 fornece um contexto no qual todos os três significados ocorrem relacionados uns aos outros (37:5,9,14). Somos convidados a ver uma relação analógica entre o vento e o Espírito, tanto aqui como em João 3:8. Mais amplamente, o Espírito está associado com o movimento (Jo 3:8) e com a animação da vida (Sl 104:30), os quais podem ser associados ao seu poder de mover. Assim, podemos sugerir que o fenômeno do movimento, mesmo no caso de criaturas inanimadas, reflete a uma distância o Espírito, que, como Criador, é a fonte de movimento de todas as coisas.
O progresso da ciência, juntamente com o movimento cultural na direção da secularização, tem sido eficaz para nos inibir de fazer conexões deste tipo entre o ensino bíblico e as texturas da física. Mas os desenvolvimentos da teologia bíblica destacaram temas que realmente têm uma conexão com a física, bem como com outras ciências. Somos convidados a ver a física, incluindo seus detalhes matemáticos, como manifestações que refletem a glória de Deus e da Trindade. Esses insights, acredito eu, poderiam ser uma parte integrante da apreciação dos cristãos para com a física. Mas será que o atual sistema educacional, com a sua atmosfera secularista, permitiria isso? Se, como acredito, os reflexos da glória de Deus são um aspecto integral da realidade, o secularismo mostra-se como algo longe de ser neutro, mas tendencioso, com toda a sua inclinação a despir a física e as outras ciências pela eliminação dos significados que não se encaixam em sua cosmovisão. Ele não é neutro, mas religioso, em seu compromisso com uma particular filosofia de significado antitrinitário.
___________________
1 Para uma boa exploração sobre a relevância, ver Tim Morris e Don Petcher, Science & Grace: God’s Reign in the Natural Sciences (Wheaton, IL: Crossway, 2006). Vern S. Poythress, Redeeming Science: A God-Centered Approach (Wheaton, IL: Crossway, 2006) inclui esta dimensão, mas acrescenta a ela uma série de correntes de pensamento que vem da teologia bíblica.
2 Veja Geerhardus Vos, Biblical Theology: Old and New Testaments (Grand Rapids: Eerdmans, 1948).
3 As citações bíblicas são da versão revista e atualizada (RA).
4 Veja Vern Sheridan Poythress: “Why Scientists Must Believe in God: Divine Attributes of Scientific Law,” JETS 46/1 (2003): 111-123; Poythress, Redeeming Science, especialmente o capítulo 1.
5 Estes são mais explorados em ibid.
6 Veja Meredith G. Kline, Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980). Embora eu não concorde com Kline em todos os detalhes, fui muito ajudado por sua compreensão das conexões temáticas em teofanias.
7 Sobre a presença de temas mais amplos nas teofanias do Apocalipse, ver Vern Sheridan Poythress, The Returning King (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 2000), 41-43.
8 Kline, Images of the Spirit.
9 Kline acredita que sim (Images of the Spirit, 13-20). Já eu diria que existem múltiplas associações com obras posteriores do Espírito, na qual a teofania é certamente uma associação. Não é preciso concordar com Kline completamente, a fim de afirmar a validade deste conjunto de associações.
10 Não posso explorar mais isso aqui, mas os versículos em Sl 104:1-4, embora referindo-se aos atos de criação de Deus, têm afinidades bem definidas com a linguagem de teofania, convidando-nos a ver a criação como uma teofania.
11 O conhecimento sobre as frequências de vibração pertence aos tempos modernos, uma vez que os gregos não tinham instrumentos para medir vibrações rápidas. Mas as frequências são detectadas pelo ouvido humano, e proporcionalidades simples nessas frequências resultam em harmonias. Um acorde de oitava representa uma proporção de 2:1 na frequência, enquanto uma quinta [justa] representa uma proporção de 3:2. Uma quarta [justa] representa uma razão de 4:3, e assim por diante (veja Poythress, Redeeming Science, capítulo 20, para uma discussão mais aprofundada.
12 Velocidade, o conceito mais técnico usado na física moderna, basicamente, significa velocidade em uma direção particular.
13 O fenômeno tem um nome técnico, “movimento retrógrado”. É um efeito das mudanças na posição da Terra em torno do Sol, em relação à posição de Marte.
14 Para maiores desenvolvimentos, ver Poythress, Redeeming Science, capítulo 21.
15 Kline, Images of the Spirit.
Traduzido por Fernando Pasquini Santos e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original aqui.
A verdade de Deus é rica e tem muitas facetas A Bíblia apresenta a revelação em um conjunto coeso e coerente, mas ela chegou até nós por uma variedade de autores inspirados, com diferentes metáforas e temas que ressaltam as diversas facetas da verdade de Deus. Do mesmo modo, nossas formulações teológicas captam várias ênfases — diferentes “perspectivas” do todo — que nos capacitam, de forma coletiva, a alcançar um entendimento pleno da verdade. Ao defender a validade de múltiplas perspectivas, Vern Poythress apresenta a seguinte explicação: “Usamos o que descobrimos em uma perspectiva para reforçar, corrigir ou melhorar o que entendemos por meio de outra. Chamo esse procedimento teologia sinfônica, porque é análogo à combinação de vários instrumentos musicais para expressar as variações de um tema sinfônico”. Essa abordagem tem profundas implicações para a teologia e a práxis. Publicado por Editora Vida Nova. |