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Por que ser infeliz?

Em um ambiente no qual a felicidade é quase sempre a grande autoridade, minha decisão de não agir de acordo com minha atração pelo mesmo sexo parece totalmente implausível, porque com frequência isso me deixa bastante infeliz. Não estou apenas indo contra meus mais fortes desejos; é como se eu estivesse indo contra a vazante do mundo todo ao meu redor. Então, por que não concluir que Deus só quer que eu seja feliz e ignorar, feliz, o que ele diz sobre odiar o sexo homossexual (Lv 18.22)?

O que me impede de pegar o corretivo líquido e sair passando em minha Bíblia? Bem, eu não estou convencido de que fazer o que eu penso que me faria feliz me faria realmente feliz. Se pudesse ter tido relações sexuais com todos os homens com quem já quis fazer sexo, eu teria levado uma vida sexual promíscua. Naqueles momentos, eu pensava que cada um deles iria me fazer feliz. E eles talvez fizessem — por algum tempo. Contudo, o prazer seria transitório. Muitas das consequências teriam sido ruins para mim, para eles e também para outras pessoas.

Como eu sei disso? Sei porque o mundo que nos cerca, em seus momentos de maior honestidade, deixa isso claro. Alguns dos fil­mes de Hollywood a que assisti recentemente têm enfatizado que a promiscuidade sexual não traz felicidade, muito pelo contrário. De modo surpreendente, minha visão mundana e errada de que muito sexo equivale a muita felicidade tem sido prontamente cor­rigida por cineastas não cristãos.

Nos mais diversos contextos, pessoas no mundo ao nosso redor estão acordando para a verdade de que viver para fazer a si mesmo feliz aqui e agora é, na prática, um caminho certo para garan­tir a infelicidade no longo prazo. Em seu livro sobre casamento, dirigindo-se àqueles que se divorciam ao primeiro sinal de infe­licidade conjugal, Tim e Kathy Keller ajudam a esclarecer essa realidade por meio do exame de estatísticas seculares:

…estudos longitudinais demonstram que dois terços daqueles casamentos que vemos como infelizes se tornarão casamentos felizes em até cinco anos, se as pessoas continuarem casadas e não buscarem um divórcio.[1]

Muitos que já encorajaram outras pessoas a abandonar um casamento infeliz em nome de sua felicidade podem ter na ver­dade prestado um enorme desserviço.

Tomemos o exemplo do materialismo. O número de não cristãos que deliberadamente reduz seu consumo também demonstra que muitos já reconhecem a mentira de que mais algumas coisas, mais um feriado, melhores instalações de ensino e uma gorda aposentadoria já bastam para que você e aqueles que você ama obtenham a verdadeira felicidade. Precisamos de algo mais pelo que viver, algo mais para viver. Nesse aspecto, o problema da plausibilidade pertence na verdade ao mundo à nossa volta, e muitos de nossos amigos e familiares não cristãos estão começando a entender isso.

Verdadeira felicidade

O que todos precisamos é de uma nova autoridade. Aliás, aquilo de que mais necessitamos é a antiga autoridade: o próprio Deus. Alguém além de nós mesmos para quem viver, alguém por cujas regras viver a vida. Precisamos começar a segui-lo e ouvi-lo.

Por quê? Por que substituir nosso desejo básico pela felicidade por um desejo primordial de obedecer à Palavra de Deus? Por que render a ele nossa soberania pessoal? Considero a parte central do salmo 19 persuasiva:

A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos simples. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos. O temor do Senhor é limpo e permanece para sempre; os juízos do Senhor são verdadeiros e inteiramente justos. São mais desejáveis que o ouro, sim, do que muito ouro puro, mais doces do que o mel que goteja dos favos. Também o teu servo é advertido por meio deles, e há grande recompensa em segui-los (Sl 19.7-11).

O mundo à nossa volta está sempre mudando de ideia sobre o que nos traz felicidade. Em alguns pontos da história, a verdadeira felicidade era prometida por meio da fidelidade sexual (década de 1950); contudo, em outros momentos isso era alcançado somente por meio da promiscuidade sexual (década de 1960). Voltando um pouco mais na história, a repressão sexual vitoriana foi uma reação à libertinagem georgiana. Um homem ou uma mulher que tivesse nascido na década de 1930 e sentisse atração pelo mesmo sexo teria passado a maior parte da vida ouvindo exortações da sociedade para reprimir tais desejos. Somente nas últimas duas décadas (quando já estaria na casa dos setenta ou oitenta anos) seria permitido expressar livremente tais desejos. Quem sabe onde nos dirão para buscar a felicidade daqui a cinquenta anos? É quase garantido que todas as coisas mudarão novamente por inteiro, quer estejamos falando de sexo quer de qualquer outra coisa. Quem pode determinar quando a sociedade foi longe demais em uma ou outra direção? O balançar do pêndulo em quase todas as questões tem sido intenso, e nunca sabemos para que direção estamos rumando a cada momento.

Em contrapartida, a Palavra de Deus (sua “lei”, seus “teste­munhos”, “preceitos”, “mandamentos” e “juízos”; ou seja, o conteúdo que hoje temos na Bíblia) nos fornece a sabedoria “perfeita” e “digna de confiança” de que precisamos. Em dúvida sobre o que é realmente bom para você? A Palavra de Deus é sempre “reta” e lhe mostrará o que é bom para fazer. Em um mundo onde as demais autoridades mudam de ideia, ela é permanente e segura. Sua origem divina nos dá a perspectiva atemporal onisciente e onipresente, uma autoridade pela qual vale a pena viver nossa vida. Em especial, como nos lembram os versículos iniciais do salmo 19, seu verdadeiro autor é também nosso Criador, o qual está na melhor posição para saber o que é melhor para nós. É por isso que o salmista diz que sua lei é mais desejável que o ouro e mais doce que o mel.

Curiosamente, ao obedecermos à Palavra de Deus, também obtemos a verdadeira felicidade pela qual tanto ansiamos. Nossa alma será reavivada, a sabedoria será nossa, experimentaremos a verdadeira felicidade, teremos todo o discernimento de que precisamos para a vida e seremos grandemente recompensados por nossa obediência. As promessas inequívocas que encontramos nesse salmo (também repetidas ao longo das Escrituras: Mt 5.1-10; Jo 10.10) substituem nosso desejo primordial de felicidade pessoal por um desejo primordial de obedecer à Palavra de Deus, significando que a verdadeira felicidade será nossa de graça.

Essas são as verdades bíblicas que me impedem de agir con­forme a atração que sinto pelo mesmo sexo. Elas têm o poder de me manter leal à Palavra de Deus quando a obediência aos seus mandamentos me deixa chorando no chão da minha cozinha. Elas me asseguram da verdade de algo que meu escritor favorito, C. S. Lewis, certa vez escreveu:

Quando queremos ser outra coisa que não aquela que Deus quer que sejamos, devemos estar desejando, de fato, aquilo que não nos fará felizes. Essas exigências divinas que, aos nossos ouvidos naturais, soam mais como as de um déspota e menos como as de alguém que ama, na verdade nos conduzem aonde deveríamos querer ir se soubéssemos o que queremos.[2]

Quando quero viver a vida como um homem gay, abraçando toda identidade e estilo de vida modernos, a Palavra de Deus assegura que aquilo não me fará feliz: mesmo que negar meus sentimentos sexuais, afirmação e expressão do que tanto desejo, soe cruel e sem amor, isso é na verdade o que eu mesmo escolheria se soubesse o que é melhor para mim. O salmo 19 me garante o que mais quero, ainda que me impeça de obtê-lo da forma que muitas vezes desejo.

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É por isso que procuro fazer da Palavra de Deus a autoridade em minha vida, em lugar do que eu (ou qualquer outro ser humano) possa imaginar que me traria felicidade. E, naturalmente, é nisto em que se resume ser um cristão: receber Deus em sua Palavra e, assim, confiar nele. Fazer o oposto, que é não receber Deus em sua Palavra e, assim, desobedecer-lhe, é o que a humanidade vem fazendo instintivamente desde que Adão e Eva nos lideraram no caminho em Gênesis 3.

Na essência de ser um cristão está o reconhecimento de que temos nos submetido à autoridade errada — nossa própria feli­cidade — e que precisamos nos submeter a uma nova autori­dade: o modo de Deus de sermos felizes, conforme o que está definido em sua Palavra. É por isso que há algo profundamente errado quando os cristãos começam a editar aquelas partes da Bíblia que não lhes agradam. No fim das contas, isso demonstra que eles não se submetem realmente a Deus, antes preferem con­tinuar a definir o que é certo e errado para si. Isso sempre foi um erro e tem causado toda a infelicidade que vemos no mundo (Gn 3, mais uma vez). Na qualidade de cristãos, devemos personificar não a desobediência de nossos pais humanos (Adão e Eva), mas a obediência absoluta de nosso Senhor e Salvador (Jesus Cristo). Ele se submeteu totalmente a tudo o que a Palavra de Deus lhe disse, pois a alegria que já conhecia logo seria sua (Hb 12.2). Teremos a mesma experiência se demonstrarmos a mesma obe­diência paciente.

Felicidade eterna

Agora, com efeito, isso significará alguma infelicidade temporária. O exemplo de Jesus deveria nos preparar para isso. Entretanto, não estou falando em sacrificar a felicidade para sempre. Ela será apenas adiada; ou melhor, será substituída por algo genuíno e duradouro que começaremos a experimentar desde já. Não se trata de uma recompensa reservada apenas para o céu. Para mim, provavelmente envolverá mais alguns “momentos chão de cozi­nha”. Contudo, o que me levantará do chão da cozinha é aceitar a verdade de que a felicidade de longo prazo que almejo vem por meio da obediência à Palavra de Deus.

O que também me ajudará a levantar do chão da cozinha é ver outros cristãos sacrificarem sua felicidade mais imediata por obediência à Palavra de Deus. O que mais me encoraja a obede­cer àquilo que Deus diz sobre o sexo é ver a árdua obediência de outros cristãos em algumas áreas de sua vida totalmente diferen­tes — em virtude de mandamentos bastante distintos. Alguns de meus colegas missionários da igreja sacrificaram uma vida tranquila no Reino Unido para levar uma vida dura como tra­balhadores estudantis na Grécia e no Japão, tudo para obedecer à Grande Comissão. Um bom amigo tem se disposto a sacrificar sua reputação profissional a fim de defender a verdade, tudo por causa de sua convicção de que Deus quer que seu povo sempre diga a verdade. Outro amigo perseverou em um casamento do qual quase todo mundo teria fugido, pois ele sabe que seu Deus odeia o divórcio. Uma colega rejeitou uma promissora carreira acadêmica para trabalhar por nossa igreja, porque é assim que ela crê que Deus quer que use seus dons. Todos eles (e isso pro­vavelmente os surpreenderá) são exemplos de pessoas que mais me fazem sentir quão plausível é a vida que levo, e eu louvo a Deus por eles. Eles criaram o tipo de estrutura de plausibilidade de que preciso. Sem eles, seria muito mais difícil me levantar do chão da cozinha.

Você deseja tornar mais plausível a vida de cristãos que sentem atração pelo mesmo sexo? Então tenha o mesmo tipo de atitu­des de contracultura! Separe uns instantes agora para considerar a última grande decisão que você tomou: pensando honestamente, suas ações foram impulsionadas em primeiro lugar por aquilo que o faria feliz aqui e agora? Se esse for o caso, reconheça o equívoco de pensar que, se algo o faz feliz, então deve estar certo. Arrependa-se e pare de ver sua felicidade pessoal como autoridade suprema em sua vida. Adote a Palavra de Deus como autoridade suprema. Suporte a infelicidade temporária que muitas vezes isso trará, na esperança certa da felicidade eterna que a Palavra de Deus promete, a qual um dia será sua na nova criação — e para todo o sempre.

_______________________

[1] Timothy Keller; Kathy Keller, The meaning of marriage: facing the comple­xities of commitment with the wisdom of God (London: Hodder & Stoughton, 2011), p. 26 [edição em português: O significado do casamento (São Paulo: Vida Nova, 2012)].

[2] C. S. Lewis, The problem of pain (S.l.: Fount, 1998), p. 37 [edição em por­tuguês: O problema do sofrimento, tradução de Alípio Franca (São Paulo: Vida, 2006)].

Trecho extraído e adaptado da obra “A atração por pessoas do mesmo sexo e a igreja: a plausibilidade do celibato“, de Ed Shaw, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2018, pp. 74-80. Traduzido por James Reis e Cristina Ignacio. Publicado no site Tuporém com permissão.

Ed Shaw é pastor da igreja Emmanuel City Centre, em Bristol, Inglaterra, e compõe a equipe editorial do ministério Living Out (livingout.org). Ele ama a família, os amigos, a igreja, a cidade, música e livros.
Na lista de melhores livros de 2015 do Gospel Coalition e do ProdigalThought.net

Não há nenhum problema em afirmar que a Bíblia é clara quando fala da homossexualidade. Mas é possível dizer que ela é realista? A Bíblia não é, ao contrário, injusta e irrealista com os que lutam nessa área? Não os condena à solidão, a uma vida sem realização e à perda de satisfações básicas como sexo e casamento? O que a igreja ensina é um modo plausível de vida?

Ed Shaw sente atração por pessoas do mesmo sexo. Ainda assim, é comprometido com o que a Bíblia afirma e a igreja sempre ensinou sobre casamento e sexo. Neste livro autêntico, ele compartilha a dor que tem de enfrentar ao lidar com essas questões. Ao mesmo tempo, porém, mostra que a obediência a Jesus Cristo é, em última análise, o único meio de experimentar a vida plena. O celibato, como afirma o autor, apresenta-se como um modo de vida plausível, e precisamos nos arrepender de ocultar esse fato. É necessário que haja mais e mais vidas que demonstrem sua plausibilidade hoje em dia, não apenas para benefício de cristãos que sentem atração pelo mesmo sexo, mas também de toda a igreja.

Publicado por Edições Vida Nova.

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