Um breve panorama sobre o Budismo | J. Warner Wallace

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Todas as cosmovisões devem responder a três questões importantes. Primeiro: “Como chegamos aqui?” Essa questão é fundamental para pensarmos como vemos o mundo à nossa volta e como entendemos nosso papel dentro dele. Em segundo lugar: “Como foi que tudo deu tão errado assim?” Todos nós sabemos que há algo de errado com o mundo em que vivemos e nossa cosmovisão nos ajuda a entender o que está errado. E finalmente: “Como podemos consertar tudo isso?” Essa última pergunta é o ápice e a conclusão da nossa cosmovisão. Nós começamos com uma ideia relacionada a como chegamos aqui, para depois nos encontrarmos respondendo às questões mais importantes da vida. Há vários anos atrás, como pastor de uma pequena congregação, eu pedi para que nossa equipe de liderança examinasse várias cosmovisões alternativas, teístas ou não, e compará-las ao Cristianismo. Ted Miyake, um dos mais velhos do grupo, chegou a participar do Budismo. Sou grato a ele pela ajuda com este artigo. O Budismo oferece respostas às três questões descritas aqui. Vamos examinar essas três respostas para ver se são coesas e relacioná-las ao mundo como o conhecemos.

Às vezes é difícil determinar a história do Budismo de forma concisa e precisa, devido ao grande número de escritos sobre o assunto e à falta de documentos históricos “fundamentais” confiáveis envolvendo o sistema de fé, mas alguns fatos podem ser entendidos de forma razoável. O Budismo foi fundado por um príncipe hindu chamado Sidarta Gautama, também conhecido como Sakyamuni (sábio do clã Sakya). Ele nasceu no norte da Índia (região sul do Nepal) por volta do ano 500 A.C. e, de acordo com as tradições budistas, ele levava uma vida luxuosa e sem perigo algum, até o momento em que testemunhou os sofrimentos do mundo exterior. Ele ficou bastante perturbado com a desgraça que observou e, quando tinha 29 anos de idade, desistiu de sua vida de indulgência (deixou sua esposa, seus filhos e seu palácio) para buscar o sentido do sofrimento humano e a solução para isso.

Ele experimentou várias técnicas diferentes, incluindo ascetismo severo (privação física) e meditação. Ele acabou rejeitando o ascetismo, e um dia, quando tinha 35 anos de idade (após vários dias de meditação sentado ao pé de uma árvore Bodhi conhecida como Ficus religiosa), fez uma descoberta espiritual. Ele compreendeu certas verdades sobre vida, morte, reencarnação, carma e sofrimento, e sua descoberta incluiu a percepção de que ele havia se livrado das impurezas espirituais de anseios (incluindo fome e sede), desejo, ódio e ilusão. Este aspecto da descoberta foi seu despertar ou “iluminação”, e é por isso que ele levou o título de Buda, que significa “o iluminado”. Ele descreveu essa libertação do desejo como um estado de “vazio”, conhecido como Nirvana; o ponto no qual um ser vivo é liberto do ciclo de vida, sofrimento, morte e reencarnação.

O Budismo floresceu como um movimento monástico, e em seguida desapareceu da Índia (pressionado pelo Hinduísmo e Islamismo), mas depois se espalhou pelo Sri Lanka (Ceilão) e por toda a Ásia. Os supostos ensinamentos de Buda não foram escritos até vários séculos depois de sua morte; diferentes concílios se reuniram em uma tentativa de “canonizar” os escritos budistas, mas até a historicidade de vários concílios é duvidosa, então nós realmente não temos uma compilação de ensinamentos que seja aceita por todos. Existem vários “escritos sagrados” que afirmam ser os ensinamentos do Buda, ou que afirmam ser “consistentes” com seus ensinamentos. Os mais conhecidos são o Tripitaka (filosofia, regras, sermões), vários Sutras (ensinamentos) e o “Livro Tibetano dos Mortos” (escrito por um monge tibetano dos tempos antigos). Várias formas e ramificações do Budismo tentavam justificar sua “ortodoxia” baseados em seus próprios relatos dos concílios ou em seus escritos “inspirados”. Com o tempo, duas escolas principais (Teravada e Mahayana) surgiram na medida em que estes concílios eram aceitos ou rejeitados pelos seguidores:

Teravada

Um ramo do Budismo predominante no sudeste da Ásia: Tailândia, Birmânia, Camboja e Laos. Historicamente, o nível de comprometimento e sacrifício pessoais necessários para atingir o “nirvana” (ou “nibbana”) é bem alto neste ramo do Budismo. Por isso, a ênfase é nas ordens de monges e freiras, que são os praticantes primários do Budismo. Monastérios com grandes quantidades de monges são mais comuns neste ramo do Budismo. Birmânia (Mianmar), por exemplo, possui 500.000 monges.

Mahayana

Um ramo do Budismo predominante no Sri Lanka, Japão, Taiwan, China, Coreia, Vietnã e Tibete. Nesta forma de Budismo, praticar a fé e alcançar o “nirvana” é algo disponível a todos, incluindo a pessoa comum. O Budismo Tibetano (liderado pelo Dalai Lama) pode ser considerado uma escola separada, mas pode também ser incluído sob o Budismo Mahayana. Outras seitas Mahayana bastante conhecidas incluem o Budimo Zen e o Nichiren (Japão). O Nichiren é distintamente “evangelístico”, pois busca derrubar outras crenças e ganhar convertidos.

Os budistas alegam ser entre 300 e 400 milhões no mundo todo (apesar de vários serem meros budistas “culturais”). Embora seja normalmente vista como uma religião, o Budismo é mais uma filosofia espiritual. Na verdade, as seitas Budistas variam de ateístas a politeístas, e algumas formas poderiam ser definidas mais precisamente como sendo panteístas (ou seja, alegam que o “divino” está em todas as coisas). O Budismo é extremamente diversificado e continua a se “adaptar”, talvez pela falta de ensinamentos definitivos do Buda Gautama. Além disso, a natureza do ensino básico dá margem a uma vasta gama de interpretações e modificações.

Como o Budismo Responde à Questão: “Como Chegamos Aqui?” (Qual a Natureza do Criador e da Criação?)

Sendo o Budismo diversificado como é, fica difícil obter uma resposta direta para essa primeira questão. Na verdade, a maioria das escolas budistas não responde à questão “Como chegamos aqui?” de forma direta. O motivo disso é que a ideia de um Deus Criador absoluto não existe em muitas formas de Budismo. Muitos budistas veneram e adoram ao Buda Gautama (e a outros Budas – líderes religiosos – também), e tal veneração e adoração não desempenham um papel muito importante em ambas as escolas Teravada e Mahayana. Mas ao mesmo tempo em que deuses, devas, demônios e espíritos são comuns em várias histórias budistas antigas, eles são descritos de uma maneira cínica, sarcástica e ridicularizada. São sempre descritos como sendo inferior ao Buda ou como sendo desnecessários para se atingir a iluminação. E, enquanto religiões monoteístas como o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo traçam claramente uma linha de separação entre a natureza de Deus e a dos homens, o Budismo não o faz.

Entre as diversas definições do Divino oferecidas pelos budistas, esta definição dada por Soyen Shaku (um mestre budista Rinzai Zen) oferece pelo menos uma noção budista sobre a natureza de Deus:

“Para começar, deixe-me afirmar que o Budismo não é ateísta, como o termo é normalmente entendido. Certamente o Budismo possui um Deus, a realidade e verdade maiores, através da qual e na qual esse universo existe. Entretanto, os seguidores do Budismo evitam o termo ‘Deus’, porque remete ao Cristianismo, cujo espírito não está sempre de acordo com a interpretação budista da experiência religiosa … Para poder se definir com mais exatidão a noção budista do ser supremo, convém tomar emprestado o termo ‘panenteísmo’, tão bem cunhado por um estudioso alemão moderno, que diz que Deus é πᾶν καὶ ἕν (tudo e um) e maior que a totalidade da existência … Como mencionei acima, os budistas não fazem uso do termo ‘Deus’, que pertence caracteristicamente à terminologia cristã. Um termo equivalente que é bastante usado é Dharmakāya … Quando o Dharmakāya é concebido concretamente, ele se torna o Buda, ou Tathāgata … (Corpo da Verdade, ou Realidade Absoluta)”

O Budismo não trata diretamente o problema da origem da humanidade, mas faz várias afirmações sobre nossa existência, mesmo que tais afirmações não expliquem como nós viemos a existir. O Budismo prega que o mundo material não é permanente. Na verdade, somos apenas peregrinos, atravessando uma ilusão, ou uma percepção equivocada, da realidade. Estamos presos em um ciclo de nascimento, sofrimento, morte e renascimento. Esse ciclo é infinito para cada um de nós, a menos que consigamos nos libertar do ciclo atingindo o “nirvana”. O Budismo também prega que os humanos não possuem “almas”; na verdade, o conceito budista de reencarnação nega a existência de qualquer forma do “eu”. O “eu” é meramente uma ilusão; nós identificamos, equivocadamente, a percepção, a consciência, a mente e o corpo como o “eu”, quando na verdade ele não existe. O conceito de uma entidade permanente ou o “eu” é impossível no Budismo porque os estados de percepção, de consciência e da mente sofrem mudanças constantes. De acordo com o Budismo, quando o corpo mortal morre, a consciência e todas as atividades mentais cessam.

Leia também  Uma reflexão sobre a singularidade da fé cristã | Alan Myatt

Como o Budismo Responde à Questão: “Como Foi Que Tudo Deu Tão Errado Assim?” (O Que Separa o Homem de Deus?)

Quando Sidarta Gautama fez sua descoberta espiritual ao pé da árvore Bodhi, ele constatou algo importante sobre a situação do mundo e nossa existência física dentro dele. Ele percebeu algumas verdades particulares sobre o mundo, que hoje são conhecidas como as Quatro Nobres Verdades:

  • Existe sofrimento na vida (ou a vida É sofrimento)
  • O sofrimento é o resultado dos anseios e desejos (ou do “apego”)
  • A libertação ou a extinção desses anseios acabará com os sofrimentos
  • O caminho para atingir a libertação (“nirvana”) é através do Nobre Caminho Óctuplo

As primeiras duas verdades encapsulam tudo que há de errado com o mundo: a vida é repleta de sofrimento, e esse sofrimento é o resultado de anseios e desejos. O Budismo prega que nossos desejos fazem com que nos tornemos “apegados” às mesmas coisas que eventualmente nos fazem sofrer. Sendo assim, o “apego” é a raiz do problema. Assim que aprendermos a nos desfazer das coisas a que estamos apegados (incluindo anseios básicos como sede, fome e desejo sexual), nós nos libertaremos do sofrimento por que passamos nessa vida.

Algumas variações do Budismo Mahayana relacionadas à ideia de o que há de errado com o mundo incluem a ideia de que negar (ou não perceber) a real natureza de Buda, os seres budas ou as verdades budistas pode trazer sofrimento também. Além disso, muitos budistas também culpam o “carma” pela falta de sorte ou por qualquer situação difícil por que possam passar em suas vidas. Por exemplo, um budista pode acreditar que ele ou ela tem baixa estatura por ter zombado, em alguma de suas vidas passadas, de pessoas com essa característica.

Como o Budismo Responde à Questão: “Como Podemos Consertar Tudo Isso?” (Como Podemos Ser Restaurados Para o Divino?)

Então como o budista trata o problema de o sofrimento existir no mundo? As respostas e soluções são encontradas nas duas últimas declarações das Quatro Nobres Verdades; podemos acabar com o sofrimento e experimentar uma restauração espiritual se simplesmente nos libertarmos de nossos anseios fazendo uso do “Nobre Caminho Óctuplo”:

“Agora esta … é a nobre verdade da cessação do sofrimento: é o desaparecimento e cessação sem deixar vestígios daquele mesmo desejo, abrir mão, descartar, libertar-se, despegar desse mesmo desejo.” Dhammacakkappavattana Sutta (Colocando a roda do Dhamma em movimento) [Samyutta Nikaya LVI.11]

O budista precisa confiar em seu próprio esforço para por em prática o Nobre Caminho Óctuplo. A maioria dos budistas contemporâneos vê o Caminho como uma série de entendimentos e comportamentos:

Relacionados ao “Discernimento” (Prajñā ou Paññā)

Os primeiros dois elementos do Nobre Caminho Óctuplo fornecem os fundamentos racionais para entender a realidade sob a perspectiva budista:

Entendimento Correto

Os budistas veem este elemento como “perspectiva” ou “visão”; é a habilidade de entender realmente como o mundo funciona; a habilidade de entender a realidade sob uma perspectiva budista, incluindo a realidade do Carma e do sofrimento.

Pensamento Correto

Este aspecto do Caminho diz respeito à “determinação”, às “aspirações” ou à “vontade” do seguidor do Budismo. Ele descreve a necessidade do indivíduo de se livrar de qualquer desejo de fazer algo nocivo ou imoral.

Relacionados à “Virtude” (Śīla ou Sīla)

Os budistas não querem que suas ações externas contaminem suas mentes e sua habilidade de se concentrarem. Por essa razão, alguns esforços fazem parte do Caminho:

Linguagem Correta

O Budismo chama seus seguidores a tomarem cuidado com as palavras que usam. Este aspecto do Nobre Caminho Óctuplo proíbe a mentira, as palavras abusivas e o uso de linguajar grosseiro.

Ação Correta

Este aspecto do Caminho encoraja o budista a treinar para que seja apto a agir de maneira moralmente correta, sem corromper ou prejudicar os outros.

Modo de Vida Correto

O Nobre Caminho Óctuplo também chama os budistas a buscarem trabalho no comércio ou em outra ocupação que não prejudique os outros seres vivos, direta ou indiretamente.

Relacionados à “Concentração” (Samādhi)

Finalmente, o Budismo ensina que seus seguidores devem treinar seu nível mais alto de consciência para criar uma estrutura de serenidade a partir da qual a realidade possa ser realmente experimentada e compreendida. Por essa razão, os aspectos restantes do Caminho visam essencialmente áreas da “concentração”:

Esforço Correto

O Caminho chama os budistas a fazerem um esforço contínuo para se livrarem de todas as ações ou palavras pensadas que sejam prejudiciais a eles ou aos outros. Os budistas são chamados a fazerem um esforço moral positivo contínuo.

Atenção Plena Correta

Além disso, os budistas são chamados a ficarem alertas mentalmente; mantendo-se sempre atentos às influências que afetam seus corpos e mentes. Este aspecto do Caminho chama o budista a ter sempre atenção plena e deliberada para dizer e fazer o que é moralmente correto.

Concentração Correta

Finalmente, o Caminho chama o budista a se engajar na prática da concentração apropriada, que é alcançada através da meditação, a fim de entrar no que é conhecido como “jhana” (um estado de consciência que permite que o indivíduo desenvolva sabedoria e conhecimento sobre a verdadeira natureza do mundo a seu redor).

O objetivo do Nobre Caminho Óctuplo é entender a natureza da vida, compreender melhor as Quatro Nobres Verdades e eventualmente eliminar nosso “eu” e nossos desejos (bons ou maus) para que possamos alcançar o “nirvana” (o estado de vazio, de não-consciência ou “êxtase”). O Nobre Caminho Óctuplo é comumente chamado de “Caminho do Meio” já que não consiste nem em um ascetismo extremo nem em uma vida de indulgência. Mas em todos os elementos do Nobre Caminho Óctuplo fica claro que o indivíduo é responsável por seu próprio crescimento ou desenvolvimento espiritual. Os budistas encontram a resposta pelo seu próprio esforço, e este autoesforço é valorizado no Budismo. Diferentemente de outros sistemas de crenças que buscam a Deus por auxílio, esta ideia de confiar em algo ou em alguém que não seja você mesmo é estranha ao Budismo.

O Budismo prega que alguns de nós podem, na realidade, atingir o “nirvana”. O Budismo propõe que nosso mundo contém indivíduos que atingiram a iluminação (budas e bodisatvas), mas escolheram ficar entre nós na ilusão consciente de nos auxiliar em nossa própria progressão espiritual.

Todas as cosmovisões precisam ser tanto interna como externamente consistentes. Se você tem um amigo que se interessa pelo Budismo, existem várias questões filosóficas importantes e distinções bíblicas que você pode explorar quando for discutir sua fé. O Budismo é claramente incompatível com a cosmovisão cristã, e à medida que nossa cultura recebe o pluralismo de braços abertos e tenta encontrar similaridades entre cada visão de mundo, existem algumas poucas questões e distinções que podemos levantar para ajudar a esclarecer e destacar as diferenças entre o Budismo e o Cristianismo.

Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original aqui.

J. Warner Wallace (ex-ateu) é detetive criminal, palestrante e escritor. É também professor adjunto de apologética na Biola University e membro do Summit Ministries. É autor do livro Cold Case Christianity.

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