Talvez você esteja pensando consigo mesmo: “O que será que Michael Sacasas pensa sobre todo esse negócio envolvendo o Twitter?” Na verdade, não acredito que nenhum de vocês tenha pensado em tal coisa. No entanto, eu tenho refletido um pouco sobre o Twitter, se não por outro motivo, para reconsiderar o próprio uso que faço dessa plataforma. Portanto, segue abaixo, sem uma ordem estabelecida, alguns pensamentos meus, outros não, sobre o assunto.
1. O Twitter é a única plataforma de mídia social que uso e há muito caracterizo meu uso dela como uma barganha com o diabo. A plataforma me beneficiou de certas maneiras, mas isso teve um custo. Os benefícios e custos são o que esperaríamos. Fiz boas conexões através da plataforma, minha escrita conquistou um pouco mais de público e descobri o trabalho bom de outras pessoas. Por outro lado, dediquei a ela muito do meu tempo e energia, e tenho certeza de que meu pensamento e minha escrita, em geral, sofreram como consequência disso. Supondo que eu esteja certo em minha autoavaliação, esse é um preço muito alto, não é? O problema, como sugeri antes, é que a máquina exige muita virtude para ser operada e, francamente, nem sempre estou à altura da tarefa.
2. E, no entanto, voltando ao lado positivo, as conexões humanas são reais e significativas. Alguns meses atrás, alguém que conheço no Twitter há anos perdeu o pai. Conheço essa pessoa apenas como um avatar e por ocasionais sequências de texto, ou “fios”, mas fiquei genuinamente triste com sua perda e senti isso profundamente. Acima de tudo, lamentei não poder oferecer mais do que minha própria sequência de texto em apoio. E assim acontece com muitas pessoas. Com o tempo, interações ocasionais e consciência mútua passam a ter alguma importância. Minha percepção dessas amizades baseadas no Twitter, se posso chamá-las assim, não é que sejam inautênticas ou inferiores, mas apenas que são incompletas.
3. Durante a mania do fidget spinner alguns anos atrás, um pensamento veio à mente: “As mídias sociais são os fidget spinners da alma”. Talvez este seja um conceito que abusei e que deveria abandonar, mas, não sei, ainda acho que funciona. É outra maneira de capturar a relação entre mídia social e preguiça ou acédia. O eu está desordenado, agitado, inquieto, sem direção, e o melhor que pode fazer é brincar [fidget] nas plataformas para manter o mal-estar à distância.
4. Obviamente, a tentativa de Elon Musk de comprar o Twitter serviu como impulso para a última rodada de desespero em relação ao Twitter, mas Ivan Illich, em Tools for Conviviality [Ferramentas de convivialidade] (1973), fez algumas observações que valem a pena ter em mente:
A questão em tela não é a propriedade jurídica das ferramentas, mas sim a descoberta da característica de algumas ferramentas que impossibilitam que qualquer pessoa as “possua”. O conceito de propriedade não pode ser aplicado a uma ferramenta que não pode ser controlada.
A questão em análise, portanto, é quais ferramentas podem ser controladas no interesse público. A questão sobre o controle privado de uma ferramenta potencialmente útil ser ou não de interesse público surge apenas em plano secundário.
Certas ferramentas são destrutivas, não importa quem as possua, seja a máfia, acionistas, uma empresa estrangeira, o estado ou mesmo uma comuna de trabalhadores.
5. Também achei difícil resistir a caracterizar o Twitter como uma ferramenta semelhante ao Anel em “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien. A analogia me ocorreu pela primeira vez com referência ao uso do Twitter pelo então presidente eleito Donald Trump a fim de dominar todas as outras formas de mídia. Isso continua sendo verdade, mas não apenas em relação a Trump. Abandone a referência de Tolkien se quiser, mas o poder do Twitter, como é amplamente reconhecido, não está em seu tamanho relativo como plataforma, mas em sua capacidade de chamar nossa atenção coletiva, estejamos na plataforma ou não, concentrando a atenção de jornalistas, políticos, celebridades, especialistas, acadêmicos e outros refratores-chave de nossa atenção coletiva.
No mesmo texto em que descrevi a minha barganha com o diabo, também observei o seguinte:
Posso sentir o Twitter agindo em mim, pois comecei a usá-lo com mais frequência ultimamente e me permiti tuitar e ler as postagens. Posso senti-lo agindo em mim da mesma forma que, no mundo de Tolkien, os usuários do Anel podem senti-lo agindo neles. Deixa a pessoa cansada, magra, exposta, moralmente comprometida, dividida etc., enquanto distorce profundamente a visão da realidade. E, no que me diz respeito, neste caso não há Tom Bombadils entre nós que seja imune ao poder do Anel.
A pessoa que vai ao Twitter em busca de atenção descobre que sua própria capacidade de atender ao mundo é destruída no processo.
6. Mas também é verdade que minha experiência no Twitter não é a única experiência possível do Twitter. Aqui quero destacar e reconhecer especialmente o trabalho de André Brock no Black Twitter. A experiência do Twitter não é uniforme. A plataforma pode ter certas tendências e efeitos que transcendem as particularidades da experiência do usuário individual, mas isso não deve obscurecer o que o Twitter significou para os usuários que não estão nesse mundo como eu.
7. Ezra Klein diz:
Então, para que serve o Twitter? Ele é construído para gamificar a conversa. Como escreveu C. Thi Nguyen, filósofo da Universidade de Utah, o Twitter faz isso “oferecendo avaliações imediatas, vívidas e quantificadas do sucesso de uma conversa. O Twitter nos oferece pontos pelo discurso; pontua nossa comunicação. E essas características semelhantes a jogos são responsáveis por grande parte do impacto psicológico do Twitter. O Twitter é viciante, em parte, porque é muito bom ver os números subirem cada vez mais.”
O argumento central de Nguyen é de que os jogos são prazerosos em parte porque simplificam a complexidade da vida. Eles tornam as regras claras, a pontuação visível. Isso é bom quando queremos jogar um jogo. Mas às vezes acabamos em jogos, ou sistemas semelhantes a jogos, onde não queremos trocar nossos valores pelos dos designers e nem percebemos que estamos fazendo isso.
Métricas são uma droga infernal.
8. Este ponto é um pouco especulativo e talvez uma antecipação para um texto futuro mais longo. Ultimamente, tenho refletido sobre como o desafio que o Twitter apresenta à cultura política pode ser enquadrado como uma hostilidade implacável à opinião. Talvez eu tenha perdido você agora. Peço que seja paciente comigo. Tenho em mente as discussões de Hannah Arendt sobre fato, opinião e verdade em relação à política. Da forma como a entendo, Arendt argumenta que as reivindicações da verdade antecipam a deliberação e o debate essenciais para a governança democrática. “Toda reivindicação na esfera dos assuntos humanos”, ela escreveu em “Verdade e Política”, “a uma verdade absoluta, cuja validade não precisa ser apoiada pelo lado da opinião, atinge as próprias raízes de toda política e de todos os governos”. Mais adiante, ela acrescenta: “Os modos de pensamento e comunicação que tratam da verdade, se vistos a partir da perspectiva política, são necessariamente dominadores; eles não levam em conta as opiniões de outras pessoas, e levar isso em conta é a marca de todo pensamento estritamente político”. Mas Arendt admite que os fatos “devem informar as opiniões”. No Twitter, fatos e verdades se confundem e a opinião é comprimida. Isso acontece pelo menos de duas maneiras. Por exemplo, os fatos podem ser elevados ao nível de verdades às quais todos devem se curvar, em vez de servir ao seu papel mais humilde de fundamento de opiniões contestadas. Ou, alternativamente, a proliferação de informações obscurece a linha entre fato e opinião, tornando os fatos questões de opinião. Vou parar por aqui, mas pode ser que eu escreva mais a respeito disso.
9.
I love Twitter. Twitter is the closest thing we have to a global consciousness.
— jack (@jack) April 26, 2022
“Eu adoro o Twitter. Twitter é a coisa mais próxima que temos de uma consciência global.”
Ele diz isso como se fosse algo bom. Mas, sério, isso não está certo. Por um lado, pode ser melhor dizer que o que temos na verdade é apenas a velha consciência humana pressionada para além de sua capacidade de escopo, escala e ritmo do meio. Ou poderíamos dizer que não é realmente uma consciência global, mas sim um inconsciente global — uma força velada de nossa plena consciência, que, no entanto, molda nossa experiência.
10. Se você for ler apenas uma coisa sobre o Twitter, que seja a série de reflexões de Robin Sloan. Um destaque:
A quantidade de conteúdo omitido pelo Twitter é assombrosa; mais do que qualquer outra plataforma social, ela é indiferente a grandes áreas de experiência e esforço humanos. Convido você a imaginar esse conteúdo omitido como uma cidade vasta e movimentada. O que aparece na sua linha do tempo é como se você estivesse amontoado em uma única pequena taverna com os jornalistas, os niilistas e os neutros caóticos.
Como eles dizem… uau.
Outro destaque:
Muitas pessoas não querem desistir porque se preocupam: sem minha conta no Twitter, quem vai me ouvir? De que maneira serei importante para o mundo além do meu apartamento, meu escritório, minha família? Acredito que essas hesitações revelam algo totalmente alheio ao Twitter. Não tenho palavras para descrever isso, exatamente, mas, se você estiver se preocupando dessa maneira, vou gentilmente sugerir que vale a pena investigar um pouco dentro de si mesmo para descobrir com o que você está realmente preocupado.
É isto. Solidão e ausência de sentido… eu acho que essas são algumas palavras para descrever a situação. Tenho certeza de que existem outras. Não gostamos de um mundo comum no qual as pessoas importam, então recorremos às plataformas online para encontrar o que o mundo comum não pode nos dar.
Na verdade, eu tive minhas próprias dúvidas amorfas sobre sair do Twitter, e talvez até certo ponto elas se enquadrem nessa categoria que Sloan identifica. Mas as reflexões aguçadas de Sloan fizeram um bom trabalho. É hora de recuar um pouco, talvez mais do que um pouco. E, na verdade, por mais óbvio que devesse parecer, é muito melhor investir meu tempo aqui mesmo, nesta sociedade de convívio[1]. Fique ligado.
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[1] “The convivial society” é um boletim de notícias de Michael Sacasas: theconvivialsociety.substack.com
Traduzido por Luiz Adriano Borges e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: On Twitter, Briefly. The Convivial Society.
Michael Sacasas é diretor do Center for Study of Ethics and Technology. Obteve seu MA em estudos teológicos no Reformed Theological Seminary e está concluindo seu Ph.D. em Textos e Tecnologia na University of Central Florida. |