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Declaration of Independence, de John Trumbull

É comum ouvirmos que o cristianismo moldou o ocidente — o que é verdade, porém muitos desconfiam e pedem “provas”.  Uma das provas importantes sobre a influência direta do cristianismo na sociedade política é a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776. Ela é um símbolo dos Direitos naturais, e foi construída com inspiração em valores cristãos. Neste texto, vamos mostrar por que ela é tão importante para enxergarmos como a nossa fé é sal e luz em meio a uma humanidade que tem se afundado em uma cultura anticristã e secularista.

Primeiro, queremos que o leitor entenda que “a experiência da laicidade nos Estados Unidos coopera com as religiões e as reconhece e as aceita no espaço público”[1]. Trata-se de um país que adota uma laicidade simpliciter em relação ao fenômeno religioso e que é fonte do modelo tradicional de laicidade[2]. Aliás, vale aqui o disclaimer: cada vez mais a laicidade norte-americana se aproxima da laicidade brasileira, vide caso Kennedy vs. Distrito Escolar de Bremerton[3]. Neste caso, julgado recentemente pela Suprema Corte, foi permitido o direito do professor de orar após os treinos e jogos de seu time escolar, dentro do campo, o que, em uma laicidade simpliciter, pode ser considerado uma afronta ao princípio da não interferência em razão do espaço e do cargo público exercido pelo professor. Todavia, em uma laicidade que preza pela dimensão positiva da liberdade, nada é mais natural que a proteção desse professor.

Voltando à Declaração da Virgínia, ela só existe graças a pessoas que agiram motivadas por princípios bíblicos: elas entendiam que, pelo fato de serem criadas à imagem e semelhança de Deus, eram portadoras de direitos fundamentais, e, por isso, não deveriam sofrer os excessos da Coroa Britânica. Apenas entendendo quem Deus é e quem nós somos, podemos resistir a governos ruins, e é disso que se trata a independência dos Estados Unidos: “o católico Lord Baltimore já dizia, em Maryland, que nenhum cristão seria molestado por ou em razão de sua religião ou de seu livre exercício”.[4]

Não à toa que essa máxima fica registrada na compreensão sobre a história da separação organizacional da Igreja. Wayne Grudem explica que “a questão da consciência ou da liberdade religiosa obrigou à divisão, como aconteceu com os puritanos e com muitos grupos pietistas”[5]. Isso significa que as razões doutrinárias e as questões de consciência fluíram no seio de comunidades religiosas graças à liberdade religiosa, e essa mesma liberdade só ganhou contornos práticos porque “os pais fundadores da maior democracia do mundo davam muita importância à crença, mais especificamente ao cristianismo”[6]

Durante o reinado de Elizabeth I, o Parlamento inglês introduziu uma série de medidas destinadas a reformar a teologia e os rituais da Igreja da Inglaterra estabelecidos durante o reinado de seu pai, Henrique VIII. Para os puritanos, a liturgia ainda era muito católica apostólica romana. Os bispos viviam como príncipes. Parte dos tribunais eclesiásticos eram corruptos.

Como o rei da Inglaterra era o chefe tanto da igreja quanto do Estado, a oposição dos puritanos à autoridade religiosa significava que eles também desafiavam a autoridade civil do Estado. O ideal puritano de realizar a Santa Comunidade pelo estabelecimento de uma comunidade pactuada foi levado para a colônia americana da Virgínia por Thomas Dale, mas a maior oportunidade veio na Nova Inglaterra. A bravura e a iniciativa dos puritanos serviram de fonte de inspiração para os colonos durante a chamada Guerra Revolucionária. Mais tarde, os autores da Constituição olhariam para a era puritana na história em busca de orientação ao elaborar os direitos da Primeira Emenda, principalmente os relacionados à liberdade religiosa, já que ela “é a garantia de que ninguém sofra o que sofreram na Inglaterra”[7].

Vejam o que Alexis de Tocqueville fala sobre esse período: “Os imigrantes, ou, como eles mesmos merecidamente se denominavam, os peregrinos (Pilgrims), pertenciam àquela seita inglesa que, por causa da austeridade de seus princípios, tinha recebido o nome de puritana. O puritanismo não era apenas uma doutrina religiosa; confundia-se ainda, em vários aspectos, com as teorias democráticas e republicanas mais absolutas. Por causa dessa tendência, tinha ganho os seus mais perigosos adversários. Perseguidos pelo governo da mãe-pátria, ofendidos no rigor de seus princípios pela marcha quotidiana da sociedade em cujo seio viviam, os puritanos procuravam uma terra tão bárbara e tão abandonada pelo mundo que nela pudessem ainda viver à sua maneira e rezar a Deus em liberdade”[8].

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“Além da Bíblia Sagrada, os “founding fathers” inspiraram-se em heróis ingleses da fé, tais como Thomas Becket, John Wycliffe e Thomas More, tendo como fontes clássicas os reformadores protestantes do século 16, tais como Martinho Lutero, João Calvino e Menno Simons, entre outros”[9].

Então, esta aí uma pequena demonstração da importância e influência do cristianismo naquela que é a maior democracia do mundo. Se deseja saber mais sobre o tema, não deixe de adquirir a obra Laicidade colaborativa brasileira, nela exploramos a relação da Igreja com o Estado pela história, em 16 países atualmente, e no Brasil!

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[1] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Laicidade colaborativa: da aurora da civilização à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Edições Vida Nova, 2021, p. 100.

[2] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jena Marques. Direito religioso: questões práticas e teóricas. São Paulo: Edições Vida Nova, 2020, p. 141.

[3] Mais destaques, aqui: https://www.gospelprime.com.br/tecnico-vence-processo-na-suprema-corte-por-orar-em-campo/

[4] VIEIRA; REGINA, op., cit., 2021, p. 93.

[5] GRUDEM, Wayne A. Teologia sistemática: atual e exaustiva. São Paulo, Edições Vida Nova, p. 738

[6] VIEIRA; REGINA, op., cit., 2021, p. 94.

[7] Ibidem, p. 99

[8] TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. p. 33

[9] Ibidem, p. 95

Advogado; especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; especialista em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com estudos pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra; especialista em Teologia e Bíblia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor visitante da ULBRA. Membro do Conselho Editorial da Dignitas - Revista Internacional do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião - IBDR. Colunista da Gazeta do Povo e outras revistas e sites. Presidente do sub-comitê da rede de apoio das entidades temáticas em Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa da ALESP. Em 2019, foi um dos delegados do Brasil na Universidade de Brigham Young (Utah/EUA) no 26º Simpósio Anual de Direito Internacional e Religião, evento com mais de 60 países representados.
Jean Regina é advogado desde 2004, professor, escritor e ensaísta. Graduado pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA, 2004). Membro da OAB/RS, inscrito sob o n.º 59.445, membro da OAB/SP, inscrito sob o n.º 370.335. Pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, em parceria com a Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos, 2017). Pós-graduado em Teologia e Bíblia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Professor em diversos cursos de Direito Religioso. 2º. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). Coordenador do corpo de juristas das Igrejas Históricas Protestantes Brasileiras para estudos de Direito Eclesiástico. Colunista dos blogs “Voltemos ao Evangelho” e “Gospel Prime”. Articulista na Revista de Teologia Brasileira/Vida Nova, Burke Instituto Conservador e Mensageiro Luterano. Advogado aliado da Alliance Defending Freedom (EUA), maior entidade de advogados cristãos do mundo, Fellow Alumnus da Acton Institute (EUA). Casado com Patrícia e pai de Felipe e Gabriel Regina.
Sempre que a relação entre religião e esfera pública é tema de debate, a expressão "O Estado é laico" surge como uma tentativa de neutralizar a participação religiosa em questões sociais. Mas será que a laicidade do Estado implica necessariamente o não envolvimento religioso nas questões públicas?

Em A laicidade colaborativa brasileira, os juristas Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina defendem que a forma pela qual o Estado se organiza e se relaciona com a religião e suas instituições trará consequências ao exercício de todas as expressões da liberdade religiosa, bem como do princípio basilar da República, isto é, a dignidade da pessoa humana.

Publicado por Vida Nova.

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