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01/dez/2014(Este artigo contém SPOILERS do filme. Se você pretende assistir o filme e não quer ter a história estragada, vá ver e leia o texto depois)
O cineasta David Fincher diz que seus filmes são filmes feitos para lembrar as pessoas de que não está tudo bem.
Se você lembra do final de Se7en – Os Sete Crimes Capitais, sabe que estamos falando de um diretor que montou sua carreira indo atrás do que há de pérfido no coração do homem. Quer seja de maneira (nem tão) indireta com A Rede Social, ou com as críticas (nem sempre tão bem interpretadas) de Clube da Luta, David Fincher gosta do feio.
Garota Exemplar é seu último filme. E ao apontar a sua câmera para um casal que parece simples, parece feliz, parece estável, Fincher começa a desenrolar um pequeno conto de horror para os recém-casados. Ben Affleck e Rosamund Pike estão casados há cinco anos quando, na manhã do quinto aniversário, ela desaparece. A partir daí, seguimos a epopeia do personagem de Affleck para descobrir onde ela está e quem fez isso com ela. E nós, observadores impotentes, só podemos acompanhar a abertura de um baú de onde cada vez mais coisas absurdas aparecem.
Lá pelas tantas do filme, depois de algumas reviravoltas, descobrimos que a mulher forjou o próprio assassinato, deu um sumiço em si mesma, e enquanto decide se vai ou não cometer suicídio, se diverte vendo o circo de mídia montado ao redor do marido, acusado pelo crime de matar a esposa. O marido, por sua vez, um paspalho egoísta, não consegue demonstrar preocupação, simplesmente porque o estado de torpor emotivo, profissional e social sob o qual vive o transformou, por falta de exemplo melhor, em Homer Simpson. E a falta de preocupação, aliada ao plano perfeito da mulher, o coloca como principal suspeito. Repórteres manipulam a história o tempo todo de maneira a tornar tudo mais chamativo, transformando a vida do personagem de Affleck num inferno.
Não é como se a mulher simplesmente acordasse um dia e pensasse “Que dia lindo para incriminar o meu marido e planejar um suicídio”. A estrada que a levou a essa escolha, ignorando o fato de ela ser uma psicopata, é uma estrada familiar demais no cotidiano dos casamentos descerebrados que pipocam por aí.
A personagem de Pike sofreu uma desilusão pesadíssima. Seu marido era um antes do casamento, e depois do casamento continuou o mesmo. Mas o desemprego, a falta de iniciativa, a falta de tomar as rédeas da situação, fez com que só com cinco anos a rotina se tornasse insuportável para ambos. E assim, ela jogou fora sua vida perfeita por causa de um casamento com um imbecil. Já era hora desse imbecil pagar por isso.
É um absurdismo (psicopatas não são tão comuns assim), mas é um absurdismo que tem como princípio a percepção do que o casamento é para a sociedade hoje em dia: uma prisão onde você dorme junto com uma pessoa maluca. O pós é sempre um tédio horroroso, o antes é sempre uma redoma de enganação.
E essa redoma de enganação, a névoa hipnotizante que leva jovens a apressarem decisões, muitas vezes é incentivada por nós, como amigos, como conselheiros, como congregação. O incentivo social de que todos precisam casar cedo, existente especialmente dentro da igreja, causa danos que, embora não tão sanguinolentos quanto no filme, destrói lares futuros com tanto empenho quanto. Não vou nem entrar no assunto de que a juventude cristã normalmente tem medo até de falar sobre sexo, e o quanto isso, aliado à falta de comunicação, também são sementes ruins.
A cultura que está ensinando aos jovens o que é amor e romance é a mesma cultura que vampiriza histórias sensacionalistas em busca de sangue e tripas. É tudo barato, é tudo rápido e pouco pensado. O nosso ensino é indireto, e acaba perpetuando os paradigmas frustrantes. Garotas casam e imaginam onde está seu príncipe encantado, rapazes casam imaginando onde está sua máquina sensual insaciável. E nós não fazemos o bastante para impedir as pessoas de pensarem em relacionamentos em termos verdadeiramente humanos (e divinos).
A principal coisa é aceitar o que David Fincher transforma em seu principal lema: todo mundo é feio. Todo mundo é depravado. Todo mundo pode ser um monstro. Você pode ser uma manipuladora louca. Ou um advogado que não liga para a inocência dos clientes. Ou um marido irrelevante. Ou uma repórter inescrupulosa.
Fui assistir esse filme com um rapaz que está prestes a casar, e ele odiou o filme. Provavelmente, imagino eu, pelo aspecto extremamente pessimista com o qual o filme pinta o conceito de casamento. Mas eu gostei muito, além dos aspectos técnicos impecáveis e o show de atuação, sobretudo de Rosamund Pike. Porque um filme como esse, que caricaturiza um terror tão próximo de nós, e que mostra quão perfeitamente cinzentos são os seres humanos, me lembrou diretamente da verdade mais visceral que se pode dizer sobre essas pessoas. Todas elas. Lembra-me a razão de por que não está tudo bem.
“Porque todos pecaram e carecem da Glória de Deus.” – Romanos 3.23
Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente. |