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Super-heróis nasceram como uma simples fantasia de poder: fazer o público se identificar com alguém que pode mais, que alcança mais naquilo que pode realizar, pouco importa se usando a cueca por cima das calças.

Em 1939, o desenhista Bob Kane (1915-1998) e o escritor Bill Finger (1914-1974) precisavam atender à demanda que o sucesso do Superman havia criado. Tiraram a tampa do caldeirão e colocaram lá Zorro, O Sombra, Dick Tracy, Sherlock Holmes, o Pimpinela Escarlate, O Fantasma. O resto é tragédia.

Bob Kane (1914-1974)

Como todas as versões do Batman teimam em nos lembrar, seu principal método de funcionamento dentro da cultura pop é um tipo de vingança, mas não necessariamente contra uma entidade única. O menino Bruce Wayne, quando se ajoelha ao lado da cama na noite em que seus pais morreram, não jura vingança contra uma pessoa específica. Ele quer se vingar de todo tipo de injustiça criminal possível que aconteça dentro do território do município de Gotham City. A fantasia entra em ação quando ele cresce e se torna não só um bilionário bonitão, mas também um mestre das artes marciais e um detetive/ cientista/ inventor/ especialista em psicologia e criminologia, podendo ter então uma chance de executar essa vingança. Não que isso tenha criado uma pessoa exatamente saudável.

No excepcional longa de animação A Máscara do Fantasma, um Bruce Wayne ainda iniciante nas artes de vigilantismo questiona seu par romântico acerca dos problemas que ela tem com o pai, um conhecido mafioso. A resposta dela dói até agora: “A única pessoa aqui ainda controlada pelos pais é você, Bruce”. As melhores histórias do Batman sempre tratam disso: do peso que aquele juramento causa para Bruce. Do quanto a parte humana dele quer e precisa desistir, mas a parte psicótica e obcecada dele não pode se permitir.

De maneira que nós começamos a gostar do Batman por inúmeros motivos. Seus vilões excepcionais, sua inteligência (mediante o talento do escritor da vez), e talvez a maior fantasia de todas, a de que um individualismo extremo é capaz de gerar resultados. Mas nós permanecemos com ele quando vemos o lado catastrófico, quando entendemos que ele está longe demais de ser um ser humano perfeito. Como o dizem inúmeras vezes, “um homem que se veste de morcego e sai à noite para caçar bandido não pode bater bem da cabeça”.

“A Piada Mortal”, de Alan Moore

Depois de experimentar a era de ouro dos quadrinhos (e todas as subsequentes), depois de passar pela televisão como o maior ícone camp, e depois de ser escrito por gente do calibre de Frank Miller, que tornou o Cavaleiro das Trevas numa parábola do objetivismo, e Alan Moore, que estava muito mais interessado na psicologia do Coringa do que em qualquer outra coisa (e quem pode culpá-lo), o Batman ainda foi pro cinema. Não só experimentou diferentes eras do cinema de entretenimento, mas liderou grandes mudanças no mundo do cinema arrasa-quarteirão. Enterrou a carreira de uns, e fez a carreira de outros.

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O Batman já lutou contra o crime em Gotham City. Já o fez em outras cidades do mundo. Já desistiu da máscara e voltou correndo. Já foi pro espaço. Já deu soco na cara do Arnold Schwarzenegger. Já foi acusado de pedofilia. Já matou o Coringa. Já salvou o Coringa. Já morreu e voltou à vida. Já foi clonado. Já viajou no tempo. Já virou deus.

E tudo começou quando um menino assustado quis sair de uma sessão de Zorro. E um trauma deu origem a uma fúria que ninguém foi capaz de aplacar.

Nós queremos ser o Batman porque ele sempre consegue. Porque ele sempre está três passos na frente de todos à sua volta. Somos seduzidos pelos resultados (e para alguns fãs menos comportados, até pelos métodos) de um cara rico, mas com esqueletos demais no armário. A fantasia não é só o dinheiro e o poder. Mas a missão.

Todos nós queremos livrar o mundo do mal. Queremos ser capazes de não desviar desse objetivo. Queremos que o mal sinta medo da gente.

São 80 anos de luta contra o crime. E Bruce Wayne continua sem paz.

Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente.

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