Por que a adoração cristã é trinitária? | Robert Letham

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Quando contemplamos a Divindade […] o que concebemos é Um; porém quando contemplamos as pessoas em quem a Divindade habita e aqueles que incansavelmente e com igual glória têm seu ser a partir da causa primeira, há três que adoramos.[1]

Uma essência, uma divindade, um poder, uma vontade, uma energia, um começo, uma autoridade, um domínio, uma soberania, que se deu a conhecer em três subsistências perfeitas e adoradas com uma adoração […] unidas sem confusão e divididas sem separação.[2]

O objeto próprio e peculiar da adoração e da invocação divinas é a essência de Deus, em sua excelência, dignidade e majestade infinitas […] Ora, isso é comum a todas as três pessoas, e é próprio de cada uma delas; não formalmente como pessoa, mas como Deus bendito para sempre. Toda adoração respeita o que é comum a todos; então, em cada ato de adoração e culto todos devem ser adorados e cultuados.[3]

A base e o fundamento da adoração

A adoração da igreja está fundamentada em quem Deus é e no que ele fez. O Pai enviou o Filho “por nós e para nossa salvação”. Isso fica evidente nos capítulos 5, 10 e 17 de João, porém Paulo também dirige nossa atenção para esse fato em Romanos 8.32. Por sua vez, o Pai, juntamente com o Filho, enviou o Espírito Santo para habitar a igreja. O ministério do Espírito é o de falar de Cristo, o Filho. Isso fica resumido claramente em Gálatas 4.4-6: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, para resgatar os que estavam debaixo da lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba! Pai!”. Aqui está a premissa básica de todas as ações divinas — do Pai por intermédio do Filho pelo Espírito Santo. Conforme Cirilo de Alexandria afirma em seu Comentário sobre João, “todas as coisas procedem do Pai, mas totalmente por intermédio do Filho no Espírito”.[4] Essas palavras de Paulo, e essa ordem que é tão evidente nos pais da igreja, resumem toda a história da redenção. Nossa salvação não é apenas obra de Deus, não é apenas trinitária do começo ao fim, mas também começa com o Pai, é realizada pelo Filho e aplicada pelo Espírito Santo. Com certeza, Agostinho tinha razão com respeito a todos os aspectos desse grande drama da redenção, os quais são realizados pelas três pessoas da Trindade trabalhando juntas em harmonia — opera trinitatis ad extra indivisa sunt. A descrição de Calvino continua verdadeira, tanto como princípio geral quanto como imagem do que aconteceu de fato na história humana, isto é, ao Pai “se atribui o começo da atividade, a fonte e a origem de todas as coisas; ao Filho, sabedoria, conselho e a disposição ordenada de todas as coisas; porém ao Espírito se atribui o poder e a eficácia dessa atividade”.[5] O Pai enviou o Filho; então, logo depois da morte e da ressurreição do Filho, ele enviou o Espírito de seu Filho.

Nossa resposta

John Owen diz que nossa comunhão com a Trindade depende da união que temos com Jesus Cristo, uma vez que a “comunhão é a comunicação mútua dessas coisas boas, em que as pessoas nessa comunhão se deleitam, fundamentadas em algum tipo de união entre elas”. Desse modo, nossa comunhão com Deus consiste “em sua comunicação de si mesmo a nós, com nosso retorno a ele […] decorrente dessa união que temos com ele em Jesus Cristo”.[6]

Efésios 2.18

Paulo assinalou que Cristo efetuou a reconciliação pela cruz (Ef 2.14), derrubando a parede que fazia a separação entre Deus e nós por causa do pecado, e entre judeus e gentios devido à lei cerimonial. Em seguida, ele diz que judeus e gentios têm meios idênticos de acesso a Deus em Cristo. “Por meio dele [Cristo] ambos [judeus e gentios] temos acesso ao Pai no mesmo Espírito” (v. 18). O acesso a Deus consiste, em última análise, em acesso ao Pai. Isso ocorre através de Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem (1Tm 2.5). É o Espírito que nos dá vida em lugar de morte (cf. Ef 2.1), ressuscitando-nos em Cristo (v. 6,7) e graciosamente concedendo-nos fé (v. 8-10). Calvino dizia que a obra principal do Espírito Santo é nos conceder a fé.[7] É um ensino básico das Escrituras que a fé salvadora é dom de Deus, concedida pelo Espírito (Jo 6.44; 1Co 12.3; Ef 2.1-10). Aqui temos o movimento inverso daquele observado como fundamento da adoração da igreja — pelo Espírito Santo através de Cristo ao Pai. Isso abrange nossa resposta integral a Deus e nosso relacionamento com ele — desde a adoração e passando por todo o espectro da experiência cristã.

Com base nisso, conclui-se que a oração é tipicamente trinitária. A fé cristã existe em uma atmosfera saturada com a Trindade. Em seu nível mais básico, todo cristão experimenta de uma forma não articulada a comunhão com o Espírito Santo. É o Espírito Santo que cria um desejo de orar e adorar a Deus. É ele que nos conduz à fé e nos sustenta em uma vida de obediência fiel. Nosso acesso ao Pai, por sua vez, ocorre exclusivamente por intermédio de seu Filho, Jesus Cristo. Ninguém vai ao Pai senão por meio dele (Jo 14.6). Agora que ele ofereceu o único sacrifício perfeito pelos pecados para sempre, temos acesso ao Lugar Santo, à presença de Deus (Hb 10.19ss.), e assim podemos nos aproximar com confiança do trono da graça, sabendo que nosso Grande Sumo Sacerdote ali está e intercede por nós, aquele que experimentou plenamente as lutas da vida humana em um mundo caído e assim pode se solidarizar conosco em nossas fraquezas (4.14ss.). De fato, Jesus nos introduz na mesma relação que ele tem com o Pai. Ele é o Filho por natureza; nós somos filhos pela graça. Agora chamamos Deus de “nosso Pai”. Além disso, o Espírito nos conduz à sua intercessão por nós (Rm 8.26,27). Desse modo, ele elimina a distância entre nós e Deus, criando em nós a mesma relação que tem com o Pai e o Filho.[8] Assim, a adoração e a oração constituem uma investigação da natureza da Santa Trindade. É fundamental que asseguremos que nossa teologia está em sintonia com a experiência cristã mais básica. Na falta disso, os fiéis são enganados e sua capacidade de expressar e compreender devidamente aquilo em que creem e confessam de modo implícito fica atrofiada.

João 4.23,24

A pergunta da mulher samaritana diz respeito ao lugar apropriado de adoração, se em Jerusalém (os judeus insistiam que YHWH ordenara que assim fosse) ou no Monte Gerizim (onde os samaritanos adoravam). Jesus apoia Jerusalém como local de adoração, indicando que os judeus adoravam de acordo com o conhecimento, ao passo que os samaritanos, não. Tanto a Bíblia quanto a história estão de acordo nesse aspecto. Os samaritanos eram uma etnia heterogênea, formada dos remanescentes das dez tribos do norte juntamente com os habitantes de outras nações trazidos pelos assírios depois da destruição do reino do norte. Sua religião era sincrética, combinando elementos da adoração a YHWH, com base no Pentateuco Samaritano com aspectos das religiões ancestrais das várias nações trazidas para ali. Contudo, diz Jesus, chegou a hora de superar a distinção entre Israel e Samaria, entre Jerusalém e o Monte Gerizim. Os verdadeiros adoradores agora adoram o Pai em espírito e em verdade.

O que Jesus quer dizer? É bem pouco provável que ele tenha pretendido dizer que um local específico é completamente irrelevante ou que a verdadeira adoração agora pode ocorrer em qualquer lugar, embora essa talvez seja uma implicação do que ele diz. Tampouco “espírito” é uma referência ao espírito humano, como se a verdadeira adoração fosse pura e simplesmente interna, e o externo não tivesse relevância alguma. Ao contrário, convém lembrar o amplo ensino no Quarto Evangelho sobre o Espírito Santo, concentrado posteriormente nos capítulos 14—16. Toda referência a pneuma (“espírito”) nesse Evangelho, com a provável exceção de duas passagens, aponta para o Espírito Santo. Nesse sentido, Jesus quer dizer que a verdadeira adoração está direcionada ao Pai no Espírito Santo. Nas palavras de Basílio, o Grande:

Trata-se de uma declaração extraordinária, embora verdadeira, de que o Espírito é com frequência mencionado como o lugar daqueles que estão sendo santificados […] Esse é o lugar especial e peculiar da verdadeira adoração […] Em que lugar nós a oferecemos? No Espírito Santo […] Portanto, o Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos, e o santo é o lugar adequado para o Espírito, oferecendo-se a si mesmo para a habitação de Deus, e chamado de templo de Deus.[9]

Mais uma vez, com referência à “verdade”, será preciso olhar em algum outro trecho além do registro de João sobre Jesus como a encarnação da verdade (Jo 14.6), como a verdadeira luz que vem ao mundo (1.9), “cheio de graça e de verdade” (1.14), que, como consequência disso, trouxe graça e verdade ao mundo (1.17)? Jesus não está apontando para si mesmo e dizendo com isso, assim como Paulo faz, que a adoração da nova aliança é trinitária? Adoramos o Pai no Espírito Santo e na plenitude da verdade, seu Filho encarnado.[10]

Em suma, Gregório de Nazianzo coloca essas passagens em contexto com seu comentário: “Esta, portanto, é minha posição […]; adorar a Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, três pessoas, uma Divindade, em honra, glória, substância e reino indivisos”.[11]

Em outras palavras, da parte de Deus, a adoração da igreja é a comunhão da Santa Trindade conosco, seu povo. Tendemos a ver a adoração como aquilo que fazemos, porém se seguirmos nosso argumento, essa é a coisa mais importante que o Deus trino faz, sendo nossas ações iniciadas e envolvidas pelas suas. O autor de Hebreus se refere a Cristo oferecendo-se imaculado ao Pai “pelo Espírito eterno”,[12] uma provável referência ao Espírito Santo. Uma vez que nossa salvação é recebida em união com Cristo, aquilo que é dele por natureza é nosso pela graça. Portanto, na oferta que faz de si mesmo ao Pai, ele nos oferece nele como seu povo. Somos assim capacitados a partilhar da relação que ele tem com o Pai (oramos: “Pai nosso que estás nos céus” — Pai nosso pela graça porque ele é primeiramente Pai de Jesus por natureza). Convém lembrar que Jesus ascendeu a seu Pai e nosso Pai, a seu Deus e nosso Deus. Por sua cruz e sua ressurreição, e a ascensão que se seguiu, ele nos elevou à mesma relação que tem com o Pai. Desse modo, Cristo é, na verdade, o único adorador verdadeiro,[13] pois nossa adoração é uma participação na adoração dele. O foco em nossa adoração, naquilo que fazemos, é algo inerentemente pelagiano. Além disso, nossa adoração ocorre pelo Espírito Santo em Cristo. Nas palavras de John Thompson, “se alguém compreende o Novo Testamento e a perspectiva que ele apresenta de como nos encontramos com Deus e o conhecemos e o adoramos como Deus trino, segue-se que a adoração, assim como nossa salvação, não é primordialmente um ato nosso; é dom de Deus antes de ser tarefa nossa ou tarefa nossa como tal.”[14] Isso deveria nos tranquilizar, pois, conforme Owen nos lembra, embora “o amor de Deus seja como ele — igual, constante, não aumenta nem diminui; nosso amor é como nós mesmos — desigual, cresce, diminui, aumenta e declina”.[15]

A adoração da igreja, portanto, não apenas está baseada na mediação de Cristo, mas também ocorre em união com sua obra de mediação e intercessão contínua e por meio dela. Cirilo de Alexandria declara:

Sendo ainda dotado de forma humana, ele modela de acordo com ela a forma de sua oração e pede como se não a possuísse […] Nele, como primícias da raça, a natureza do homem foi completamente reformada em novidade de vida e, elevando-se, por assim dizer, ao seu próprio início, foi moldada de novo em santificação […] Cristo fez descer sobre nós a antiga dádiva da humanidade, isto é, a santificação pelo Espírito e comunhão na natureza divina.[16]

Por trás disso está a encarnação (o Filho de Deus não habitou simplesmente a natureza humana, mas veio como homem, assumindo de forma permanente a natureza humana completa — com exceção do pecado), a humanidade vicária de Cristo (que assumiu nosso lugar em todos os aspectos — inclusive na adoração, uma vez que, como homem, ele devia isso ao Pai), sua obediência total e completa ao Pai pelo Espírito Santo, bem como sua intercessão contínua de sumo sacerdote, conforme exposto em João 17 e em Hebreus.[17] Assim, porquanto a adoração cristã é determinada, iniciada e moldada pela Santa Trindade, bem como dirigida a ela, adoramos os três em um ato indivisível de adoração. Quero dizer algo agora, ainda que como sugestão preliminar, a respeito da nossa adoração dos três, embora lembre ao mesmo tempo que os três são coinerentes, habitam mutuamente um ao outro na unidade da Trindade não dividida. Uma vez mais, recordamos a ideia fundamental apresentada por Gregório de Nazianzo: “Tão logo penso no um sou iluminado pelo esplendor dos três; tão logo os distingo, vejo-me conduzido de volta ao um”.[18]

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Costuma-se dizer que a única distinção das pessoas é a geração e a processão eternas inefáveis. Não é bem assim. Somente o Filho se encarnou; o Pai e o Espírito Santo, não. Somente o Espírito Santo veio em Pentecostes; o Filho e o Pai não vieram. Somente o Pai, e não o Espírito Santo, enviou o Filho. Conforme dissemos anteriormente, essas atividades econômicas remetem às relações imanentes. Se a encarnação pudesse ter igualmente ocorrido com o Pai ou com o Espírito Santo como sujeitos, Deus não seria arbitrário? Argumentamos que há algo apropriado, e até mesmo necessário, no Filho como Filho que se encarna. Podemos indagar se essa distinção irredutível confere acuidade à nossa adoração.

A Bíblia diz que o Pai determinou que seu reino fosse estabelecido e consolidado sobretudo pelo Filho. Nesse sentido, é o Filho que ocupa o lugar principal no palco. Isso está inteiramente de acordo com o propósito do Pai. “O Pai sente prazer em que o chamemos de Senhor”.[19] O Pai enviou o Filho com o propósito de que recebesse a glória e o louvor pela nossa libertação. Sua exaltação após a ressurreição, pela qual lhe foi dado “um nome que está acima de todo nome”, é para a glória de Deus Pai, em cumprimento de seu plano eterno (Fp 2.9-11). O Filho, por sua vez, depois que a economia da salvação estiver concluída, entregará o reino de volta ao Pai (1Co 15.28). Mais uma vez, o Espírito Santo opera de forma anônima nos bastidores, não fala de si mesmo nem promove a glória para si mesmo; antes, testifica de Cristo, o Filho. Ele ouve o Filho e dá testemunho dele. Ele opera de forma oculta. Gregório de Nissa fala de “um círculo rotativo de glória de igual a igual. O Filho é glorificado pelo Espírito; o Pai é glorificado pelo Filho; de novo, o Filho recebe a glória do Pai; e o Unigênito se torna assim a glória do Espírito […] De igual modo […] a fé completa o círculo e glorifica o Filho por meio do Espírito, e o Pai por intermédio do Filho”.[20]

Portanto, há boas razões (econômicas e ontológicas) para adorar em um ato de adoração os três em suas pessoas e relações distintas um com o outro. Uma relação viva com Deus requer que cada uma das pessoas seja honrada e adorada no contexto de suas relações reveladas com os demais. A natureza da nossa resposta em adoração dever ser moldada pela realidade daquele que adoramos. Adoramos o Pai, que nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo, que planejou nossa salvação desde a eternidade, que enviou seu Filho ao mundo e o entregou por nós. Adoramos o Filho, em relação filial com o Pai, que voluntariamente “por nós e por nossa salvação” se fez carne, sujeitando-se a viver em um mundo caído, seguindo um curso de humilhação, tentação e de sofrimento que o levou à morte cruel na cruz.

Nós o adoramos por sua ressurreição gloriosa, por sua ascensão à destra do Pai, por sua intercessão contínua a nosso favor, por seu retorno futuro para julgar os vivos e os mortos e para consumar nossa salvação. Conforme disse João, “nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1Jo 1.3a). Adoramos o Espírito Santo, que dá vida e fôlego a todos, que nos concede o dom da fé, que nos sustenta nas dificuldades da vida como cristãos em um mundo marcado pela hostilidade a Deus, e que testifica do seu Filho. E assim como Gregório nos exortaria, adoramos com um ato de adoração a Trindade indivisível, porque sempre que colocamos nossas mentes e nossos corações diante das três pessoas da Santa Trindade, somos imediatamente iluminados pelo único. Como diz Staniloae, os três são “plenamente internos um ao outro”.[21] Ao dirigir nossa atenção a uma das hypostasis, descobrimos que as três pessoas se acham inseparavelmente unidas.

Ninguém expressou isso melhor do que John Owen. Ele escreve que “os santos têm comunhão distinta com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo (isto é, de forma distinta com o Pai, de forma distinta com o Filho e de forma distinta com o Espírito Santo)”. Isso fica evidente nas maneiras distintas que as Escrituras se referem às três pessoas, particularmente na comunicação da graça a nós. Assim, o Pai comunica graça por meio de uma autoridade original, o Filho por emitir um tesouro comprado e o Espírito pela eficácia imediata.[22] Entretanto, conforme Owen ressalta prontamente, quando mantemos comunhão distinta com cada uma das pessoas, as outras duas também estão incluídas. Podemos ter comunhão principalmente com uma pessoa, mas as outras duas estão incluídas em segundo plano, “porque a pessoa, como pessoa, de qualquer uma delas, não é o objeto por excelência da adoração divina, mas, sim, como está identificada com a natureza ou a essência de Deus”. Ele se refere aqui ao princípio agostiniano opera trinitatis ad extra indivisa sunt. Portanto, sempre que mantemos comunhão com alguma pessoa, há uma influência de cada pessoa nesse ato. Além disso, a comunhão com Deus, admite Owen, é maior do que isso, porque temos comunhão com toda a divindade como tal.[23]

Ao analisarmos esse fato, vemo-nos perplexos com a nossa ignorância. Trata-se de questões que estão além de nós. É como a antiga ilustração da xícara de chá mergulhada no oceano. Diante da vastidão do Atlântico, o volume de água em nossa xícara é infinitesimal. No entanto, a água da xícara é o oceano Atlântico, dado que é uma amostra verdadeira. Certamente não conhecemos as operações internas da Trindade e jamais poderemos conhecê-las, e talvez seja quase sacrilégio falar a esse respeito. Talvez seja melhor permanecer em silêncio. Contudo, sabemos como é o Filho. Sabemos que existindo “em forma de Deus, [ele] não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado na forma de homem, humilhou a si mesmo ao tornar-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.5-8). Sabemos também que ele criou e sustenta as leis da física. Sabemos algo a respeito de como é o Espírito, porque sabemos que no meio do tumulto da vida cotidiana, amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, amabilidade e domínio próprio constituem o fruto do Espírito, características do seu caráter produzidas em nós no plano das criaturas. Sabemos que o Pai escolheu que seu reino fosse iniciado e que prosseguisse por intermédio do Filho e do Espírito. Sabemos, conforme diz Pannenberg, que “assim como Jesus glorifica o Pai e não a si mesmo, […] assim também o Espírito não glorifica a si mesmo, mas ao Filho, e nele o Pai. […] O Pai entrega seu reino ao Filho e o recebe de volta dele. O Filho é obediente ao Pai e, por isso, o glorifica. O Espírito enche o Filho e o glorifica em sua obediência ao Pai.[24] Sabemos também, conforme disse Calvino, que a vontade do Pai não difere o mínimo que seja daquilo que revelou em sua Palavra. Quando pensamos nos três com suas características próprias, lembramos que eles habitam um no outro em união indivisível.


[1] Gregory of Nazianzus, Oration 31, p. 14.

[2] John of Damascus, De orthodoxa fidei, 1:8.

[3] Owen, Of communion with God, 2:269.

[4] PG, 74:477.

[5] Calvin, Institutes, 1.13.18.

[6] Owen, Of communion with God, 2:8-9.

[7] Calvin, Institutes, 3.1.1.

[8] Veja Dumitru Staniloae, The experience of God: orthodox dogmatic theology, organização e tradução para o inglês de Ioan Ioniṭă (Brookline: Holy Cross Orthodox, 1994), vol. 1: Revelation and knowledge of the triune God, p. 248-9.

[9] Basil of Caesarea, On the Holy Spirit, 26.62 [publicado em português por Paulus como parte do volume Basílio de Cesareia: Homilia sobre Lucas 12, Homilias sobre a origem dos homens e Tratado sobre o Espírito Santo]; PG, 32:184.

[10] Para uma explicação semelhante, veja Athanasius, Letters to Serapion on the Holy Spirit, 1.33; PG, 26:605-8.

[11] Gregory of Nazianzus, Oration 31, p. 28; PG, 36:164-5.

[12] Tradução do autor.

[13] A. M. Ramsey, The glory of God and the transfiguration of Christ (London: Longmans, 1949), 91s.

[14] John Thompson, Modern Trinitarian perspectives (New York: Oxford University Press, 1994), p. 99-101.

[15] Owen, Of communion with God, 2:29-30.

[16] Cyril of Alexandria, Commentary on John.

[17] Veja Robert Letham, The work of Christ (Leicester: InterVarsity, 1993), p. 155-7.

[18] Gregory of Nazianzus, Oration on Holy Baptism 40, p. 41; PG, 36:417.

[19] Caroline M. Noel, “At the name of Jesus” (1870).

[20] NPNF2, 5:324.

[21] Staniloae, Experience of God, 1:255.

[22] Owen, Of communion with God, 2:9-17.

[23] Ibidem, 2:18-19.

[24] Wolfhart Pannenberg, Systematic theology, tradução para o inglês de Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 1:315.

Trecho extraído da obra “A Trindade: na Escritura, história, teologia e adoração”, de Robert Letham, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2022, p. 487-496. Traduzido por A. G. Mendes. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Robert Letham (Mestre em Estudos da Religião e em Teologia, ambos pelo Westminster Theological Seminary; Doutor em Filosofia pela University of Aberdeen) é professor de Teologia Sistemática e História na Union School of Theology, no País de Gales, onde leciona desde 2007. Durante mais de 22 anos, pastoreou igrejas em New Jersey e em Wilmington, no estado de Delaware. Lecionou teologia na London School of Theology, no Westiminster Theological Seminary e no Reformed Theological Seminary, no campus de Washington, D.C. É casado com Joan, tem três filhos e quatro netos. Recebeu o prêmio literário Gold Medallion Book Award de 2005, concedido pela Christian Book Award para a primeira edição em inglês de "A Trindade".
Faltava uma obra de peso sobre aquela que é a doutrina mais importante da teologia cristã: a doutrina da Trindade. E foi Robert Letham quem realizou essa missão, oferecendo uma cuidadosa pesquisa sobre "Aquele que é totalmente transcendente e incompreensível". Depois de examinar os fundamentos bíblicos da doutrina, Letham traçou seu desenvolvimento histórico, enfrentou o debate contemporâneo e abordou quatro questões fundamentais sobre a Trindade: (1) a encarnação, (2) adoração e oração, (3) criação e missões e (4) pessoas. Esta nova edição também trata dos avanços nos estudos de Agostinho, do ensino da Trindade e da eleição na obra de Barth, das relações entre Oriente e Ocidente e dos debates entre evangélicos acerca da relação entre o Filho e o Pai.

Publicado por Vida Nova.

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