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29/jul/2024Baseado na origem divina da Palavra, Paulo declarou a utilidade das Escrituras: “[…] Útil para o ensino, para a repreensão, para a correção” (1 Tm 3.16); É necessário considerar as implicações desses termos em relação ao ministério da Palavra.
Ensino
D. Hirsch disse em seu livro sobre cultura literária que a carência do conhecimento da Bíblia é o que mais preocupa. Uma grande parte da população americana é biblicamente analfabeta. E o que dizer da grande maioria de brasileiros que são privados de uma base profunda da Bíblia? Allan Bloom também concorda totalmente com isso em seu livro The Closing of the American Mind [O Fechar da Mente Americana]. O desafio supremo que cristãos encaram no mundo ocidental todo não é o de defender a inspiração das Escrituras, mas o de ensiná-las e obedecê-las. Para o bem da sociedade e do futuro, cristãos precisam conhecer e viver a Bíblia.
Jesus colocou o ensino (em forma verbal) no centro da Grande Comissão. “Ensinando-os (didaskontes) a guardar (terein) todas as coisas que vos tenho ordenado (eneteilamen) […]” (Mt 28.20). Os missionários da antiguidade foram incumbidos da responsabilidade, não apenas de batizar os neófitos na fé, mas de manter o alvo sempre em vista, isto é, a responsabilidade de passar adiante tudo o que Jesus lhes ensinara e insistir na obediência dessas instruções.
Paulo revela em sua apologia diante dos anciãos (pastores) de Éfeso, que tinha ensinado aos crentes todo o “desígnio”, quer dizer, a vontade de Deus (At 20.27). Durante dois anos e meio, Paulo não mediu esforços no ensejo de ensinar os neófitos tudo que poderia beneficiá-los (At 20.20). Um antigo manuscrito do Novo Testamento (Codex Bezae) nos informa que Paulo gastou cinco horas por dia (desde as 11 até às 16 horas) na escola de Tirano com esse propósito. Ele não se contentou apenas em passar o conteúdo da fé cristã juntamente com os fatos históricos, mas acima de tudo, quis promover as implicações do Evangelho num viver santo da igreja. Foi assim que ele disse para os colossenses: “O qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28).
“Ensino” diz o Dr. Ted Ward, ex-diretor do departamento de educação da Universidade do Estado de Michigan e, durante algum tempo, assessor do governo brasileiro: “não quer dizer apenas informar, mas mudar e transformar”. Quando mudanças não ocorrem, significa que não houve aprendizado. Repetir frases decoradas não demonstra que o aluno tenha aprendido a alguma coisa além de repetir palavras. Até um papagaio consegue articular palavras. Quando Paulo disse: “Mas não foi assim que aprendestes (emathete) a Cristo” (Ef 4.20). Ele tinha em mente as práticas reprováveis que os pagãos normalmente faziam. Uma vez abandonadas essas ações e adotadas as boas obras, podia-se crer que os efésios tinham sido convertidos de verdade.
Ensinar a Palavra era, para Paulo, a mesma coisa que pastorear. Em sua lista dos ministérios que Cristo doa a igreja, “pastor-mestre” significa que o pastor ensina ou que o mestre pastoreia (Ef 4.11). Assim, pode-se entender o que Jesus queria que Pedro fizesse quando ele alimentasse os cordeiros de Jesus (Jo 21.15). A seriedade desse ministério salienta-se na advertência de Cristo contra os tropeços. O suicídio é preferível a um ensino que venha desviar um iniciante na fé, colocando-o fora do caminho do Senhor. O mestre perderia a sua vida, mas o “pequenino” perderia a sua alma (Mt 18.6).
Há componentes essenciais no ensino. É necessário que se comunique fatos. Sem fatos históricos a fé cristã não passa de uma filosofia inócua. É necessário persuasão acerca dos valores cristãos, comunicando as vantagens e benefícios de se escolher o caminho de Deus. Finalmente, é necessário promover um relacionamento com Jesus Cristo pelo poder do Espírito Santo (Jo 16.13). Sem o Espírito, não há poder para fortalecer o crente no homem interior para em seguida Cristo habitar inteiramente no coração (Ef 3.16,17). Pregação vital tem esse alvo central.
O conhecido filósofo e pastor, Jonathan Edwards raciocinou assim: “Não existe outra maneira pela qual algum recurso da graça, seja ele qual for, possa ser de algum beneficio a não a ser através do conhecimento. Por conseguinte, a pregação do Evangelho seria inteiramente fora do propósito se não transmitisse nenhum conhecimento à mente”.[1]
No caso dos gálatas, Paulo deduziu que a maneira que viviam não condizia com a fé que professavam. Daí, ele precisava passar novamente pelas “dores do parto” até que Cristo fosse neles formado (GI 4.19). Essa figura de linguagem representa justamente o significado básico das mudanças que resultam de um ensinamento eficaz. “Cristo em vos, esperança da glória” (Cl 1.27), seria, portanto, a consequência do processo descrito no versículo 28: “Advertindo a todo homem e ensinando a todo homem cm toda a sabedoria” tem o objetivo de apresentar todo homem perfeito em Cristo.
Por outro lado, como Edwards pensava não se pode afirmar levianamente que, se o estudante não aprende, é porque o professor, a Bíblia, não ensina bem. Não se culpa o professor se as pessoas permanecem ignorantes da Palavra de Deus. A culpa é delas. É lamentável a negligência desse recurso da graça. A persistência nesta negligência mostra que o cristão professo não é apenas débil, mas que sua fé é espúria.
Repreensão
O efeito que a repreensão produz (gr. elegmon — convencimento, convicção) é consequência da aplicação da Palavra pelo Espírito Santo. E o Espírito Santo que convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8). Pregar uma mensagem bíblica sem esse gracioso ministério do Espírito não produzirá qualquer beneficio eterno. Spurgeon pregava no Tabernáculo de Londres uma mensagem tão eloquente e agradável aos ouvidos que no dia seguinte, após a transmissão telegráfica, ela estava sendo vendida nas ruas de Nova lorque. O próprio Spurgeon se retirava do auditório de 6.000 pessoas para chorar no gabinete. Em sua opinião, tinha pregado mal; não tinha sido canal perfeito do recado de Deus. Sentia profundamente sua incapacidade para criar convicção e era isso que ele mais queria. Palavras, mesmo as mais bem escolhidas e bem proclamadas, mesmo verídicas e bíblicas, não convencem os ouvintes a mudar, se o Espírito não operar profundamente nos corações.
A inspiração das Escrituras pelo Espírito garante a veracidade da Bíblia, mas a iluminação do texto sagrado aplica a mensagem pessoal ao coração do ouvinte. Jesus tinha em mente esse nível de compreensão quando conversava com Nicodemos. “és tu mestre em Israel e não compreendes estas coisas?” O significado das palavras não criava barreira alguma. O líder religioso não assimilara o significado real e pessoal para a sua vida. Como nunca tinha ouvido a voz clara e objetiva de Deus nas Escrituras, Nicodemos não pôde descobrir a necessidade de nascer de novo (Jo 3.3).
Similarmente, Pedro foi impedido de chegar à conclusão correta de que Jesus era, de fato, o Messias, o Filho do Deus vivo (Mt 16.17), sem que o próprio Deus lhe revelasse. Aos judeus, Cristo recomendou que examinassem as Escrituras porque “julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39). O conhecimento minucioso dos doutores da Lei não os empurrava para mais perto da salvação. Não importava quanto os soberbos eruditos do judaísmo tinham analisado as Escrituras, mesmo assim, não foram capazes de discernir quem era Jesus. A cegueira espiritual (Jo 9.39,40) impede o caminho dos que, doutro modo, se curvariam aos pés de Jesus para receber a vida abundante que ele oferece.
Para os que já se renderam ao Senhor e tem a certeza de sua salvação, a forca da convicção das Escrituras não deve esvanecer. Deus fala hoje por meio das Escrituras quando a mensagem do texto é aplicado pelo Espírito. Em Hebreus, a frase “Assim diz o Espírito” (3.7) encontra-se no tempo presente e não no passado. O autor refere-se ao Salmo 95.7 que fora escrito cerca de mil anos antes. Sua mensagem não for atualizada por Deus, a Palavra tem a tendência de endurecer. O pastor Roy Hession, conferencista inglês, disse em uma de suas visitas ao Brasil: “Tenho a prática de ler a Bíblia até que Deus pare de falar”. Muitos crentes leem as Escrituras, por obrigação e não pelo prazer de ouvir a voz do Senhor. Muitos sentam, dominicalmente, escutando o pastor pregar, sem detectar a voz clara de Deus na mensagem. Segundo o milagre de Pentecostes, a multidão ouvia a mensagem em sua própria língua (At 2.6). Podemos concluir que o milagre de comunicação ocorreu nos cérebros dos ouvintes.
Creio que uma das consequências de se entristecer o Espírito (Ef 4,30) pode ser o seu silêncio, quando ele deixa de ensinar todas as coisas necessárias para o nosso bem (Jo 16.13). O endurecimento do coração reflete na falta de preocupação com a voz viva do Espírito em nosso intimo. Richard Mather, um pregador puritano, disse: “Se nossas palavras não forem afıadas e não penetrarem como pregos, dificilmente serão sentidas por corações endurecidos”.[2]
Correção
As Escrituras têm a finalidade de corrigir, isto é, de restaurar uma realidade perdida. O desvio, que, não raras vezes, separa o crente de uma vida santa e obediente, deve instilar o desejo do retorno ao primeiro amor. A leitura e as mensagens da Palavra elevam os desejos dos regenerados a se voltarem para o Senhor. Devem, também, mostrar, como um mapa, o caminho de volta à verdade. John Bunyan, em sua muito conhecida alegoria chamada O Peregrino descreve a diversidade dos caminhos errados que o Cristo pode tomar. Seu desafio é saber como escapar do brejo ou se livrar do lamaçal.
O coração é enganoso acima de tudo (Jr 17.9), tornando o ministério de correcão o mais difícil de todos. A maioria pensa nos “desviados” como os que desistiram de frequentar a igreja ou param de ler a Palavra. Eles, claramente, estão se afastando do santo caminho. Mas o que dizer dos que fielmente leem a Bíblia todo dia? Nunca se ausentam de qualquer culto, porém, não obedecem as ordens do Senhor? Foi essa a realidade que Jesus tinha em mente quando disse: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que esta nos céus” (Mt 7.21).
Especialmente difíceis de mudar são as atitudes e os hábitos, notavelmente quando estes se confundem com confortáveis ritos religiosos. O auditório aceita de bom grado o papel de espectador. Acompanha os rituais como quem assiste a um programa de televisão. Sendo interessante, agrada. Caso ele não seja, gera um cansaço e enfado, é as questões existenciais da vida não são tocadas. Os hábitos apresentam os meios pelos quais podemos estar envolvidos, mas não comprometidos. Um hábito religioso seria uma acomodação que anula o sentimento de culpa espiritual. Ao mesmo tempo, ele acaba com a intimidade do relacionamento com o Senhor o qual não fala pessoalmente conosco.
Corrigir uma pessoa ou igreja representa o desafio de que “precisa mudar”. Foi este o alvo que o Senhor tinha em sua carta endereçada á igreja de Éfeso. Aquela congregação tinha bons hábitos segundo a lista de recomendasses que o Senhor mencionara, como trabalho duro, perseverança, disciplina e fidelidade no meio de provações. Porém, Cristo pronunciou tristes palavras de correção: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta A pratica das primeiras obras […]” (Ap 2.4-5).
Um dos alvos da pregação essencialmente bíblica é fazer com que a Palavra se torne relevante para os ouvintes. Os ouvintes sentados, quietos, e atentos na frente do pregador não têm o ardente desejo de saber o que aconteceu com os jebuseus, ou outros fatos remotos e irrelevantes. Quando a mensagem não eleva os corações para os “lugares celestiais” e mexe com os pecados e falhas no seu dia a dia, a experiência de frequentar os cultos na igreja se tornará uma pratica religiosa sem sentido. Esta não seria, em muito diferente, da antiga pratica da Igreja Católica de celebrar a missa em latim. Talvez o auditório sinta que algo importante e misterioso aconteceu, contudo, não esperava por mudanças de atitudes ou desafios que conduzissem ao arrependimento.
Trazer a correção à pessoa com a Palavra faz parte integral do ministério de restauração. Paulo disse: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado”(Gl 6.1). Quando não há preocupação alguma em se cumprir esta ordem, pode-se esperar que a igreja se tornará uma agregação religiosa, mas não o Corpo de Cristo. Pecado, como uma infecção, mata, se não for tirado pelo confronto e confissão. Paulo ficou atônito com os coríntios que não tinham tomado qualquer providência diante do hediondo pecado de incesto (1Co 5.1,2). “Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?”, pergunta o apóstolo (1Co 5.6) O ministério de confrontação que a pregação bíblica exerce tem esta meta: lançar fora o fermento que infiltra nos corações dos membros do Corpo.
Notas
[1] Jonathan Edwards, On Knowing Christ, citado por R.C. Sproul em “A Alma em Busca de Deus”, JUERPB Rio de Janeiro, 1995.
[2] Leland Ryken, Santos na Terra, p. 115.
Russell P. Shedd (1929-2016), Ph.D., foi fundador de Edições Vida Nova, conferencista internacional e pastor. Intensamente preocupado com a educação teológica e a formação de líderes para a igreja brasileira e dos países de língua portuguesa, foi durante mais de 40 anos professor de Novo Testamento nas melhores escolas teológicas de São Paulo e escreveu inúmeras obras publicadas por Edições Vida Nova e pela Shedd Publicações. |