Sábados tecnológicos e outras estratégias para um mundo digitalizado | Michael Sacasas

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Nós evitamos catástrofes através de ajustes. Às vezes, esses ajustes são guinadas súbitas para fora do caminho de algum desastre rápido e inesperado. Por outro lado, mais frequentemente, os nossos ajustes são correções sutis no curso à medida que os perigos tornam-se visíveis no horizonte. Minha sensação é que cada vez mais as pessoas estão começando a fazer apenas esses tipos de ajustes, pequenos, mas deliberados, em sua interação com o vasto leque de tecnologias que envolvem nossas vidas diárias.

Em um post extremamente útil (completo e com gráficos), “Você é otimista ou pessimista com relação à Internet? O Grande Debate sobre o Impacto da Tecnologia na Sociedade”, Adam Thierer examina as principais vozes no debate e propõe um meio termo pragmático entre o otimismo desenfreado e o pessimismo reacionário. Em sua opinião, esse meio pragmático deve, de uma forma geral, inclinar-se para o otimismo. E o meio pragmático não é um mau lugar para se estar, mas a minha tendência é de me inclinar ao pessimismo. Atribuo isso à minha sensação de que somos mais propensos a adotar tecnologias de forma acrítica e não o contrário, e por isso é importante defendermos uma certa distância crítica. Mas, mais uma vez, isso é apenas minha sensação e eu posso estar errando o alvo.

Entretanto, de uma coisa eu estou certo: pouquíssimas pessoas se preocupam com a crítica que você oferece a menos que você também traga algumas soluções – soluções práticas que podem ser facilmente implementadas. Mas no caso de navegar no mundo que a Internet criou, eu não estou certo de que soluções são exatamente o que estamos procurando. Talvez a melhor palavra seja estratégia: um número crescente de pessoas fala hoje sobre as estratégias que empregam para encontrar um equilíbrio mais satisfatório entre a tecnologia em suas vidas e as outras prioridades significativas.

Uma constelação dessas estratégias podem ser agrupadas sob o título “movimentos lentos”. Estas estratégias buscam neutralizar a velocidade alucinante de nosso mundo digitalmente aprimorado. Em seu artigo, “A Arte da Leitura Lenta”, Patrick Kingsley, um pouco cético, nos diz:

Primeiro tivemos o slow food, em seguida, o slow travel. Agora, juntou-se a essas campanhas o movimento do slow reading – um grupo peculiar de acadêmicos e intelectuais que querem que fiquemos à vontade no nosso tempo de leitura, e re-leitura. Eles nos pedem para desligar nossos computadores de vez em quando e redescobrir tanto a alegria do envolvimento pessoal com textos físicos, quanto a capacidade de processá-los totalmente.

Nessa mesma linha, em seu artigo de 2009, “Não tão rápido”, John Freeman defende “a comunicação lenta”. Nós chegamos a tomar o progresso como certo, mas Freeman de fato está com razão ao observar que “a última forma de progresso… consiste em aprender a decidir o que está funcionando e o que não está”, e, em sua opinião, o ritmo da nossa comunicação digitalmente aprimorada é uma dessas coisas que não estão funcionando conosco.

A velocidade com que fazemos as coisas – qualquer coisa – muda a nossa experiência. Palavras e comunicação não são imunes a esta verdade fundamental. Quanto mais rápido falamos, e batemos papo, e digitamos através de ferramentas como e-mail e mensagens de texto, mais a nossa comunicação se parecerá com uma viagem em grande velocidade. Sendo jogados de um lado para o outro, enjoados pelos constantes ajustes oculares e musculares ­ que nosso corpo precisa fazer para acompanhar, vamos vivendo em um constante estado de jet lag digital.

O remédio que Freeman sugere é simples, e ainda elegantemente afirmado:

A diferença entre escrever um e-mail e escrever uma carta ou nota à mão é semelhante a andar no concreto versus passear pela grama. Você esquece o quão natural é a sensação até que o faça novamente. Nosso tempo na terra é limitado, o mundo é grande, e as pessoas com as quais nos preocupamos ou precisamos para nossos negócios nem sempre vão morar e trabalhar por perto; nós sempre teremos que nos ­ comunicar à distância. Mas nós também podemos apreciar tudo isso, e preservar o espaço e tempo para vivermos de uma forma que combina com os ritmos de nossos corpos.

Assim como Freeman, Linda Stone está atenta ao significado esquecido de nossa presença física. Em “Uma nova era de computação além da produtividade?”, Stone contesta aplicativos recentes como Freedom, que são feitos para nos “forçar” concentrarmo-nos em nosso trabalho, trancando-nos fora da Internet por quantidades de tempo predeterminadas. Ela teme que, com essa abordagem,

… nós reatribuamos o papel de tirano à tecnologia. A tecnologia dita a mente, e a mente dita o corpo. Enquanto isso, o corpo que percebe e sente, e que pode oferecer mais sabedoria que a mais fina mente pode imaginar, é ignorado.

Por exemplo, ela chama a nossa atenção para algo tão básico que facilmente deixamos de perceber: apenas respirar.

No centro da atenção comprometida está a respiração comprometida. Respiração e atenção são comutativos. Os atletas, dançarinos e músicos estão entre aqueles que não têm apneia do e-mail. Uma boa respiração contribui para regulação do nosso sistema nervoso autônomo, e é neste estado regulamentado que nossa cognição e memória, nossa inteligência social e emocional, e até mesmo nosso pensamento inovador, podem ser alimentados.

Nem Stone nem Freeman sugerem que abandonemos nossas tecnologias; eles não carregam forcados e tochas. Suas preocupações muito legítimas são que não podemos permitir que nossas tecnologias determinem o ritmo e a forma de nossas vidas. É melhor que nossas vidas estejam em sintonia com ritmos mais humanos, que honrem a nossa presença física e nossa personalidade.

Jaron Lanier, um informante da tech-indústria (se é que alguma vez houve algum), também expressa sua preocupação sobre a perda da personalidade em seu livro de 2010, “Você não é um Gadget: Um Manifesto”. Num recente post em Text Patterns, Alan Jacobs proveitosamente resume o conselho, bastante prático, que Lanier oferece aos interessados em preservar sua integridade como pessoas enquanto estão on-line:

“Estas são algumas das coisas que você pode fazer para ser uma pessoa ao invés de uma fonte de fragmentos a ser explorada por outros.

– Não poste anonimamente, a menos que você realmente esteja em perigo.

– Se você se esforça para escrever artigos da Wikipédia, coloque ainda mais esforço em usar a sua voz e expressão pessoal fora da wiki para atrair pessoas que ainda não perceberam que estão interessadas nos temas com os quais você contribuiu.

– Crie um site que expresse algo sobre quem você é que não se encaixe no modelo disponível para você em um site de rede social.

– Publique um vídeo, de vez em quando, que levou cem vezes mais tempo para criar do que é preciso para visualizar.

– Escreva um post de blog que levou semanas de reflexão até que você tenha ouvido a voz interior que precisava sair.

– Se você está no twitter, inove, a fim de encontrar uma maneira de descrever o seu estado interior não só através de eventos externos triviais, a fim de evitar um perigo rastejante de acreditar que eventos objetivamente descritos o definem, assim como eles definem uma máquina.”

gadgetusecoverTudo isso é um conselho muito bom e prático. Como Stone e Freeman, Lanier não está aconselhando as pessoas a se desligarem e desconectarem. Seu conselho é para aqueles que desejam navegar o mundo da Internet, ao invés de recuar dele. Existem alguns, no entanto, que experimentam com a opção de desligarem-se completamente. James Sturm, por exemplo, recentemente terminou uma experiência de quatro meses em Vida sem a Web. Ele narra sua experiência através de uma série de colunas na Slate (usando um terceiro para submetê-las), escrevendo de forma cativante sobre sua experiência, e parece ter inspirado mais do que alguns outros (procure por “sair da internet” no Google, o observando enquanto isso a ironia, mas, em seguida, percebendo o quanto isso realmente não é tão inteligente).

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Em seu último post, Sturm refletiu sobre a possibilidade de escrever um livro baseado em sua experiência. Com a impressão de que quatro meses pode não ser razoável para aqueles cuja subsistência depende agora da Internet, ele se pergunta se um hiato de 30 dias não poderia ser mais alcançável. Mas, então, ele escreve,

… mesmo se alguns de vocês pudessem se desconectar por 30 dias, e daí? É apenas um dedo no dique proverbial. Um mês pode ser um esforço inútil – quanto tempo é isso até que você esteja de volta na frente do computador, atualizando o tempo todo a sua página no Facebook? Quando tratamos com algo poderoso como a Internet, talvez uma medida mais extrema seja necessária, um manifesto seguindo a linha do clássico de 1978 de Jerry Mander, “Quatro Argumentos a favor da Eliminação de Televisão”. Eu não sou hardcore o suficiente para escrever um livro que defenda uma vida totalmente sem a Internet mas, de fato, acho atraente tomar essa posição tão drástica.

No fim, pode ser que uma abordagem menos severa acabe se tornando a mais proveitosa. Em um post de 2008 em seu blog MediaShift, Mark Glaser observou uma tendência crescente “entre os blogueiros e pessoas da mídia que sentem-se sobrecarregados com a natureza “sempre online” da Internet de banda larga e dos smartphones. [E para estes], a sensação é exacerbada por mensagens instantâneas, redes sociais e serviços como o Twitter, que nos permitem fazer comunicações mais informais eletronicamente ao invés de pessoalmente”. Observa-se nestes uma tendência para tirar um “Sábado Tecnológico” – e não é de surpreender que esta tendência também tem surgido em círculos de judeus e cristãos. Em dois anos desde que Glasser escreveu, o círculo desses sobrecarregados tem quase certamente ampliado.

Há uma boa chance de que, ao falarmos sobre manter um Sábado, iremos sugerir um assunto bastante monótono e sem alegria, uma relíquia de uma era mais cinzenta. Pode-se também evocar imagens de uma atenção debilitante a inúmeras regras puritanas que regulam a vida para fora do que seria um dia agradável. Temos a tendência, afinal, de equiparar restrição com perda. Mas considere esta visão alternativa, articulada por estudioso judeu Abraham Heschel, em seu excelente trabalho, O Sábado:

Observar o sétimo dia não significa apenas obedecer ou se conformar à rigidez de um mandamento divino. Observar é celebrar a criação do mundo e recriar o sétimo dia todo de novo, a majestade da santidade no tempo, um dia de descanso, um dia de liberdade …

Heschel continthe-sabbathua até citar uma oração judaica que descreve o Sábado como “um dia de descanso e de santidade, um descanso no amor e generosidade, um verdadeiro e genuíno descanso, um descanso que produz paz e serenidade, tranquilidade e segurança, um descanso perfeito com o qual Tu te agradas”.

Esta visão do Sábado deve ressoar com aqueles que podem estar enfrentando fadiga tecnológica acompanhada por aquela sensação inquietante de que suas ferramentas estão controlando, ao invés de facilitando suas vidas. O Sábado foi feito para nos lembrar de que, embora tenhamos que trabalhar, e trabalho pode ser nobre e útil, não fomos feitos para o trabalho e o trabalho não é a nossa maior vocação. Tirar um dia, ou até mesmo algumas horas em um dia, para desligar e descansar de nossas tecnologias, úteis e nobres como elas podem ser, pode do mesmo modo nos lembrar de que não fomos feitos para a nossa tecnologia e estar conectado não é a nossa maior vocação.

A ideia de um Sábado tecnológico oferece muitas vantagens. É simples, prática e eficaz. Ela reconhece a importância de práticas intencionais para a formação de nossos hábitos e disposições. Ela evita os extremos e cria um espaço tanto para o silêncio como para a introspecção, por um lado, e, por outro, a celebração e alegria na companhia dos amigos e familiares.

Pode ser que uma desconexão deliberada e regular nos ajude a redescobrir um ritmo mais humano para as nossas vidas – um que esteja em sintonia com as necessidades de nossos corpos e em sincronia com o mundo que nos rodeia. Se assim for, então talvez celebração, descanso, liberdade, amor e generosidade, paz, serenidade e tranquilidade poderiam mais frequentemente caracterizar a nossa experiência.

Traduzido por Fernando Pasquini Santos e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original aqui.

Michael Sacasas é diretor do Center for Study of Ethics and Technology. Obteve seu MA em estudos teológicos no Reformed Theological Seminary e está concluindo seu Ph.D. em Textos e Tecnologia na University of Central Florida.

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