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INTRODUÇÃO

Quase todas as pessoas são a favor dos direitos humanos, e muitos de nossos debates culturais dependem de se contrapor um suposto direito humano contra outro. Ambos dos principais instrumentos de direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1953) incluem o direito básico à vida, pelo motivo óbvio de que, sem vida, nenhum dos outros direitos pode ser exercido. Ainda assim, é comum alegar que o aborto e o suicídio assistido também são, fundamentalmente, direitos humanos. Dado que o conjunto de declarações de direitos é inconsistente, todos nós precisamos de um princípio que nos diga quando uma alegação particular é (ou não) justificada. Como Dave Baggett [1], Paul Copan [2] e Jon Warwick Montgomery [3] têm argumentado exaustivamente, o teísmo claramente nos fornece este princípio. No entanto, a maioria dos filósofos está comprometida com o naturalismo. Assim, é possível conferir um fundamento naturalista aos direitos humanos e evitar a necessidade de Deus?

Iniciarei com alguns comentários sobre a natureza dos direitos humanos e indicar a implausibilidade prima facie das teorias naturalistas. Em seguida, examinaremos a ética evolucionista em mais detalhes, demonstrando que sua tentativa de alicerçar a moralidade na história natural enfrenta um sério dilema.

1. DIREITOS HUMANOS E NATURALISMO

A ideia moderna de direitos humanos foi desenvolvida como uma resposta às atrocidades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial e à impossibilidade de se apelar às leis positivas de certas nações, dado que, em termos técnicos, tais atrocidades eram legais [4]. Nos julgamentos de Nuremberg foi reconhecido que os seres humanos possuem direitos fundamentais, valor intrínseco e dignidade a ser protegida, e o estado não possui autoridade de outorgar ou revogar os direitos humanos; tais direitos são universais (todos os humanos os possuem), inerentes (alguém os possui simplesmente por ser humano) e inalienáveis (não podem ser suspendidos ou tomados).

Uma consequência interessante é que a obrigação de proteger os direitos humanos detém uma necessidade normativa. Um direito superior pode sobrepor um direito inferior (como o direito de autodefesa pode sobrepor o direito daquele que ataca uma vida), mas esse é um caso de dois direitos que são dignos de consideração moral e não de apenas um. Não se pode dizer, em um espírito utilitário, que alguém somente possui um direito humano se as consequências forem boas e que, assim, o agressor talvez não possuía direito à vida; pelo contrário, ele possuía genuíno direito humano à vida digno de consideração moral, mas este foi sobreposto pelo direito superior à autopreservação. Assim, mesmo que um direito possa ser sobreposto, a existência do direito humano como um fator moralmente considerável não é contingente às circunstâncias e esta é a razão pela qual a obrigação prima facie de proteger os direitos humanos possui uma necessidade normativa.

Não é difícil ver porque o naturalismo encontra dificuldade para fundamentar tais obrigações. Este é apenas um caso especial da dificuldade geral que naturalistas encontram ao contabilizar a existência de valores e deveres morais objetivos. Para o naturalismo, o cosmos como um todo é um conjunto não intencional de processos naturais não direcionados. Não pode ser afirmado sobre estes processos que eles deveriam (ou não) acontecer de uma certa forma. Diante disso, os processos naturais que levam os membros de um regime tirânico a cometerem genocídio não são diferentes, moralmente falando, dos processos naturais que levaram Madre Teresa a cuidar dos pobres e doentes em Calcutá. Estes processos simplesmente são assim e não podemos dizer que alguns são bons (ex.: como os que protegem os direitos humanos) e outros são maus (ex.: como os que os violam).

O problema geral é a bem conhecida falácia naturalística. Nenhuma quantidade de fatos acerca do que está se passando na natureza implica concluir algo sobre o que deveria, ou não, estar ocorrendo. Agora, um naturalista pode abraçar o niilismo ou alguma versão extrema de antirrealismo moral, mas não pode mais (sem cometer equívocos) justificar alegações sobre os direitos humanos porque, no fim das contas, ele não acredita que tais direitos existam. Assim, o que um naturalista que afirma a existência de direitos humanos pode fazer?

Uma sugestão desesperada é o Platonismo Moral Ateísta (PMA) [5]. De acordo com o PMA, é apenas um fato bruto o fato de que a realidade contém tanto um universo físico como um reino “platônico” de universais morais (como justiça e bondade), o que torna possível a existência de deveres e obrigações morais objetivas. Contudo, isso é altamente implausível. Os defensores do PMA parecem ter sacado seus cartões de crédito filosóficos e adicionado os universais morais ao carrinho ontológico sem nenhum objetivo sério de demonstrar que os universais morais são fundamentados no universo físico [6]. E, uma vez que não há relação substancial entre os reinos físico e moral, não há razão para esperar que os universais morais tenham algo especial relacionado conosco. Por que eles não deveriam proteger os direitos das rochas e moluscos e permanecer indiferentes aos seres humanos? E mesmo que tais universais se aplicassem a nós, como poderiam gerar obrigações? É simplesmente incrível que tenhamos obrigações morais com universais impessoais como a bondade ou a justiça. E isto revela um problema ainda mais fundamental: em nossa experiência, obrigações morais (ex.: manter promessas, ser justo e imparcial, etc.) existem entre indivíduos, uma vez que são os indivíduos que prescrevem tais obrigações, indivíduos diante dos quais somos moralmente responsáveis, indivíduos com os quais podemos errar.

A maior parte dos naturalistas percebe que deve demonstrar o motivo de valores e deveres morais serem esperados em um universo físico. Os naturalistas podem ser estritos ou gerais [7]. Para os naturalistas estritos, não há teleologia operando na natureza, portanto não há propósitos (nem mesmo impessoais) que poderiam fundamentar as obrigações morais. Se a natureza é assim, então J. L. Mackie estava completamente certo ao concluir que “características prescritivas intrinsecamente objetivas… constituem um conjunto de qualidades e relações tão estranho que é altamente improvável que ele tenha surgido no curso ordinário dos eventos…” [8]. De fato, não há como (a não ser por mágica) processos completamente não-teleológicos poderem fundamentar prescrições obrigatoriamente objetivas, pois não há uma forma como o mundo deveria ser. Não é surpreendente então que os naturalistas estritos constantemente concluam que uma aproximação não cognitiva à ética seja necessária (ex.: emotivismo ou construtivismo [9]). E isso significa que qualquer ideia de que devemos respeitar e proteger os direitos humanos deve ser apenas uma ilusão.

Entretanto, os naturalistas gerais tipicamente afirmam [10] que, mesmo que a teleologia não esteja presente no nível das partículas básicas, à medida em que arranjos mais complexos destas partículas se desenvolvem em sistemas físicos, várias propriedades de nível superior aparecem (ex.: consciência, razão, livre-arbítrio, valores morais [11]). Além do mais, alega-se que essas propriedades ainda são qualificadas como naturalistas por conta de sua total dependência dos arranjos físicos das partículas (via superveniência ou emergência). Neste ponto de vista, a base para os direitos humanos é encontrada na história causal e natural dos seres humanos. Os seres humanos possuem direitos especiais somente devido ao fato de terem desenvolvido o tipo certo de complexidade. Ainda assim, é precisamente esta alegação de contingência histórica que aparenta ser incompatível com a própria ideia de um direito humano.

2. ÉTICA EVOLUCIONÁRIA

Embora sejam possíveis várias versões da ética evolucionária (EE), uma afirmação compartilhada entre elas é a de que o senso moral dos seres humanos é o resultado de sua história natural. Dado que tal história é contingente, segue-se que nosso senso moral poderia ter sido diferente, nos levando a juízos morais diferentes dos que de fato fazemos. Darwin ilustra este ponto com uma notável ilustração:

“Se…os homens fossem criados precisamente sob as mesmas condições das abelhas de uma colmeia, dificilmente teríamos dúvida de que nossas fêmeas que não se cassassem, assim como as abelhas operárias, acreditariam ser um dever sagrado matar seus irmãos, e as mães lutariam para matar suas filhas férteis, e ninguém pensaria em interferir.” [12]

Neste cenário, humanos pensariam que atos seletos de fratricídio ou infanticídio não seriam apenas permitidos, mas obrigatórios.

Mas Darwin não é claro sobre como estas crenças morais contrafactuais iriam corresponder a uma realidade moral diferente e isso deixa ao defensor da EE duas opções, que chamo de EE Fraca e EE Forte. Para a EE Fraca, é apenas a psicologia moral (nossas crenças morais) que seria diferente se tivéssemos sido criados como abelhas de uma colmeia. Logo, o fratricídio e o infanticídio ainda poderiam ser errados ainda que não pensássemos isso. Para a EE Forte, porém, é a própria ontologia moral (o que é certo e errado) em si que a história natural explica. Neste caso, se tivéssemos sido criados como abelhas, o fratricídio e o infanticídio seriam corretos.

Agora, é certamente possível para um proponente da EE defender um ceticismo moral [13] ou alguma versão do antirrealismo moral [14]. Mas isso não seria suficiente para demonstrar que há uma obrigação moral genuína de se respeitar e defender os direitos humanos. Nossa questão, então, é se a EE, seja forte ou fraca, é ou não um fundamento plausível para esta obrigação. Eu afirmo que não é. A EE Forte enfrenta um sério problema ontológico: se ela for verdadeira, não parece existir nada que possa ser chamado de direitos humanos. Já a EE Fraca enfrenta um problema epistemológico: embora ela seja compatível com a existência de direitos humanos, torna-se incrível nessa proposição o fato de que podemos saber quais são esses direitos. De qualquer maneira, não há uma base efetiva e prática para se defender os direitos humanos.

A. O PROBLEMA ONTOLÓGICO DA EE FORTE

O problema com a EE Forte é que ela faz os direitos humanos serem inaceitavelmente contingentes. É claro que até mesmo um teísta dirá que tais direitos são contingentes de alguma forma: eles são contingentes ao fato de termos sido feitos à imagem de Deus. Entretanto, baseado nisso, o teísta afirma que ser humano é suficiente para assegurar nossos direitos e nega que quaisquer outras contingências (como classe, raça, inteligência, força ou saúde) sejam relevantes para o nosso valor. Em contraste a isso, na EE Forte, ser humano não garante que teremos qualquer conjunto específico de direitos, uma vez que nossos direitos também dependerão dos detalhes de nossa história natural. Assim, se fôssemos criados como abelhas, alguns atos de fratricídio e infanticídio seriam corretos, e isso significa que alguns irmãos e irmãs não teriam direito à vida. Se for assim, então qualquer direito à vida que irmãos e infantes tenham (porque de fato não fomos criados como abelhas) não é inerente: não temos esse direito porque somos humanos, mas por conta da forma como fomos criados.

Agora, com certeza um defensor da EE Forte pode insistir e dizer que sua visão ainda nos permite alguns direitos no mundo real, no qual não fomos criados como abelhas. Mas este movimento incorre em graves e sérios custos. Em primeiro lugar, o defensor da EE Forte precisa negar haver qualquer necessidade normativa em nossa obrigação de proteger a vida; que o fato de irmãos e irmãs terem direito à vida é apenas uma coincidência.  E, ainda assim, a única diferença entre estes indivíduos e outros que foram criados como abelhas é extrínseca (observe que não estamos assumindo um bizarro experimento genético, de modo que em um caso contrafactual os seres humanos realmente se tornam abelhas). Em segundo lugar, a EE Forte parece violar o princípio da diferença relevante: ela afirma que duas classes de indivíduos possuem valores morais distintos sem, no entanto, apresentar uma distinção relevante entre eles. E, em terceiro lugar, a EE Forte parece ter os mesmos problemas que o utilitarismo clássico. Quando confrontados com o fato de que pode ocorrer que uma maioria fique feliz pelo genocídio de uma minoria, utilitaristas tipicamente retrucam, dizendo que em um mundo real e no curso do tempo, a maior parte das pessoas se torna infeliz diante de tal atrocidade. Ainda que seja verdade, isso implicaria que, se um tirano fosse mais eficiente em realizar lavagem cerebral ou exterminar aqueles que discordam, o genocídio eventualmente seria correto. É certamente um absurdo sugerir que o genocídio só é errado no mundo real por conta da incompetência administrativa!

Além do mais, o defensor da EE Forte não está em posição de alegar que os direitos humanos são inalienáveis ou necessariamente universais. Isso por que as diferenças nas futuras condições de vida poderiam afetar os direitos que temos. Assim, imagine que um tirano qualquer ame abelhas (ele as vê como cidadãos modelo) e decide que, a partir de agora, seremos criados de forma similar. Com um estalo, irmãos e infantes meninas perdem seu direito à vida. Então, mesmo que eles atualmente possuam tal direito, não é necessário que eles que eles o tenham e o Estado pode facilmente criar circunstâncias nas quais este direito é revogado. De fato, cenários ainda mais horríveis são possíveis – resquícios dos vários filmes e livros de ficção científica nos quais seres humanos são usados como baterias vivas, fertilizantes ou alimento e ninguém tem direito à vida. De forma mais realística, vemos que as sociedades frequentemente tentaram criar condições de vida em que (segundo afirmam) um grupo de pessoas não desfruta da totalidade dos direitos humanos: escravidão, trabalho infantil, sistema de castas, prostituição forçada, guetos e apartheid. Tudo isto constitui exemplos claros de abuso dos direitos humanos e reforçam o fato de que os direitos humanos não podem depender das condições de vida como a EE Forte afirma.

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Subjacentemente a essa falha da EE Forte está a realidade de que ela parece confundir duas noções de “bom”. A seleção natural consegue explicar a retenção de características que são boas para um organismo, uma comunidade ou uma espécie, no sentido de que elas aumentam a probabilidade de sobrevivência ou reprodução. Mas, como Richard Joyce aponta, o fato de que X é bom para Y não implica que X é moralmente bom [15]. O assassinato é bom para remover líderes políticos e exterminar pessoas em câmaras de gás com o fim de purificar a etnia, mas isso não faz do assassinato uma prática moralmente boa. E o mesmo ponto se aplica ao bem biológico. O fato de que mosquitos provocam bem biológico ao vírus da malária não implica que tais mosquitos possuem qualquer valor moral. E o fato de que guerras tribais (usando um dos exemplos de Darwin) servem ao bem biológico de uma tribo em particular aumentando a cooperação e a coesão dentro dela (mesmo que a guerra viole todas as condições de uma guerra justa), isto certamente não implica que a guerra tribal é moralmente boa. De fato, ela poderia constituir um claro exemplo de abuso dos direitos humanos. E, similarmente, o fato de que o fratricídio e o infanticídio feminino podem ser biologicamente bons para os seres humanos se vivessem como abelhas, não significa que estas práticas sejam moralmente boas. Desta forma, percebe-se um abismo lógico entre o que serve aos interesses biológicos das espécies e o que possui valor moral.

Um problema ainda maior é o de que, uma vez que nossos direitos se tornam contingentes à real distribuição das capacidades naturais conferidas pela nossa história natural, não há uma boa razão para pensar que apenas os seres humanos, ou que todos os seres humanos, possuem direitos especiais. Se os direitos são baseados em nosso grau de adaptação biológica, então, como indica James Rachels, a humildade barata também está adaptada [16]. Desta forma, Peter Singer estaria correto em rejeitar a afirmação de que apenas seres humanos possuem direitos especiais, uma vez que isto seria um tipo de “especismo”. E se os direitos são baseados em nossas capacidades naturais, então sempre será possível encontrar indivíduos que sofrem de limitadas condições mentais ou físicas e, assim, que não possuem direitos. De qualquer maneira, as capacidades naturais não estão uniformemente distribuídas e isto minaria a equidade básica dos direitos humanos. Assim, como algumas pessoas são naturalmente mais inteligentes ou fortes que outras, parece que algumas delas terão mais direitos que outras. Mais uma vez, ser humano não é suficiente para o naturalismo: é necessário ser o tipo certo de humano. Isso subverte completamente a ideia de direitos humanos, direitos estes que uma pessoa tem simplesmente em virtude de ser humana.

Assim, se a EE Forte é verdadeira, parece que não há, de fato, quaisquer direitos universais, inerentes e inalienáveis. Ainda que haja alguns “direitos” (ex.: direitos convencionais ou pactuais), os direitos humanos realmente não existem.

B. O PROBLEMA EPISTEMOLÓGICO DA EE FRACA

A EE Fraca, como tese modesta acerca da psicologia moral, é certamente consistente com a existência de direitos humanos. Entretanto, não tem nada que ver com a explicação acerca destes direitos. Neste ponto de vista, se tivéssemos sido criados como abelhas, teríamos acreditado que o fratricídio e o infanticídio feminino são corretos, mas isto não teria nada que ver com a realidade moral. Certamente, esta visão permite que tenhamos verdadeiras crenças morais, uma vez que o que nossa história natural nos leva a acreditar pode corresponder à realidade moral. Mas a EE Fraca certamente não fornece bases para pensarmos que poderíamos conhecer a realidade moral (incluindo os direitos humanos) e até mesmo alguma razão para pensarmos que não poderíamos conhecê-la.

É praticamente universalmente aceito entre epistemologistas (sejam os internalistas que exigem dizer que podemos ver o porquê nossas crenças são verdadeiras, ou externalistas que estão satisfeitos desde que estejamos seguramente conectados à verdade) que é impossível conhecer p se alguém está certo em acreditar em p apenas por acidente. Assim, se eu olho para um relógio quebrado que indica o horário de 7h30 e o horário é realmente 7h30, minha crença é verdadeira, mas não tenho conhecimento porque eu só estava certo por uma coincidência acidental. Uma explicação natural do que deu errado aqui é: o fato de que era 7h30 não havia qualquer relação com o motivo pelo qual o relógio indicava ser 7h30 e, assim, nenhuma relação com a razão pela qual eu acreditava ser 7h30.

Infelizmente para a EE Fraca, se isso for verdade, estamos, então, em uma situação precisamente similar com relação às nossas crenças morais. Neste ponto de vista, a história natural é causalmente relevante às nossas crenças morais, mas não diz nada sobre a realidade moral. Se tivéssemos sido criados como abelhas, pensaríamos que o fratricídio e o infanticídio são corretos mesmo que não fossem. E poderia acontecer de pensarmos que o fratricídio e o infanticídio são errados (porque não fomos criados como abelhas) ainda que eles fossem corretos. Mas agora suponha que nossa crença de que o fratricídio e o infanticídio são errados seja verdadeira. Ainda assim isto não é conhecimento, pois o que nos fez crer desta forma não tem qualquer relação com o motivo pelo qual nossa crença é verdadeira.

Note que a convicção interna da certeza não tem qualquer proveito. Suponha que fôssemos conhecer uma tribo de humanos criados como abelhas. Eles estariam convencidos de que estamos errados, que estamos privados pela nossa ignorância supersticiosa acerca de nossos deveres sagrados envolvendo o fratricídio e o infanticídio; por outro lado, estaríamos convencidos de que o comportamento deles é moralmente abominável. Neste caso, então, o máximo que a EE Fraca pode esperar é que estejamos certos em relação à questão por conta do agradável acidente de termos sidos criados da maneira correta.

Mas então, é claro, alguém também pode questionar sobre qual seria a probabilidade de nossas crenças se identificarem com a realidade moral se a EE Fraca for verdadeira. Já vimos que não há conexão lógica entre adaptação biológica (aquilo que é biologicamente bom para um indivíduo ou uma espécie) e o bem moral. Se for assim, e considerando o vasto número possível de histórias naturais que podemos ter tido, parece altamente improvável que nosso mecanismo de formação de crenças estaria apto para a verdade moral.

Isto não ocorre meramente por conta do problema bem conhecido do naturalismo de que crenças biologicamente úteis não precisam ser verdadeiras. No caso das crenças acerca da realidade física, o naturalista pode pelo menos oferecer algum tipo de teoria causal de representação que conecte o estado físico das coisas com a crença; e não é completamente implausível o fato de que possuir algumas crenças verdadeiras sobre alguns aspectos locais do ambiente físico seja adaptativo. As questões são totalmente distintas das crenças morais, uma vez que os valores morais não são itens físicos com os quais o corpo ou cérebro de uma criatura pode causalmente interagir (pelo menos não em qualquer visão naturalista de causação). Como aponta J. P. Moreland, “propriedades de valor não são empiricamente detectáveis, nem são os tipos de propriedades cujas instâncias podem permanecer em relações físicas causais com o cérebro [17]”. Então, mesmo que valores morais existam no mundo, a evolução naturalista não possui um relato crível sobre como nosso mecanismo de formação de crenças poderia ser formado e aprimorado a ponto de sabermos quais são esses valores, fazendo do ceticismo moral a opção mais razoável. De fato, as coisas são ainda piores, como expressa Richard Joyce. Nos pressupostos naturalistas, teríamos os valores morais que temos porque eles são biologicamente úteis mesmo que nenhum valor moral objetivo sequer exista! [18]. Assim, se a explicação de nossas faculdades e crenças morais não depende nem mesmo da existência de valores morais, certamente se segue que não podemos saber se eles existem.

Deste modo, se a EE Fraca é verdadeira, ainda que existam direitos humanos observados em algum lugar, nunca poderemos afirmar que sabemos quais são eles (do mesmo modo, por razões similares às descritas acima, não podemos sequer ter evidência de sua existência ou caráter). Isto não possui qualquer utilidade para justificar os direitos humanos ou para julgar afirmações concorrentes a respeito deles.

CONCLUSÃO

Não é difícil enxergar que o dilema da Ética Evolucionária é apenas um exemplo do problema geral da Ética Naturalista. Dadas apenas as contingências da causalidade naturalista, não há formas de se fundamentar afirmações que sustentam uma necessidade normativa. Assim como a autoridade da lógica dedutiva, a autoridade das obrigações morais fundamentais depende de um tipo de necessidade normativa que não depende apenas de – ou se reduz a – interações contingentes de seres humanos com seu ambiente físico. De fato, podemos levantar um argumento preciso, análogo ao argumento contra a EE apresentado acima, caso o naturalista apele à história de aprendizado individual ao invés da história natural das espécies. Se cremos em obrigações reais, como as obrigações de proteger e respeitar os direitos humanos, devemos abandonar o naturalismo.

___________________________

Notas:

[1] Veja, por exemplo, a obra de David Baggett e Jerry Walls: Good God: The Theistic Foundations of Morality. New York: Oxford University Press, 2011.

[2] Veja a obra de Paul Copan: “Ethics Needs God,” in eds. J. P. Moreland, Chad Meister e Khaldoun Sweis, Debating Christian Theism. New York: Oxford University Press, 2013, p. 85-100 e “Grounding Human Rights: Naturalism’s Failure and Biblical Theism’s Success” in ed. Angus J. L. Menuge, Legitimizing Human Rights: Secular and Religious Perspectives. Farnham, UK; Ashgate Publishing, 2013, p. 11-31.

[3] Veja a obra de John Warwick Montgomery: The Law Above the Law. Minneapolis, MN: Bethany House Publishing, 1975 e Human Rights and Human Dignity. Dallas, TX: Probe, 1986.

[4] John Warwick Montgomery, The Law Above the Law, p. 24.

[5] Um exemplo deste ponto de vista é dado por Erik Wielenberg, “In defense of non-natural, non-theistic moral realism,” Faith and Philosophy 26:1 (2009) 23-41.

[6] Veja a crítica de Wielenberg na obra de Paul Copan: “Grounding Human Rights: Naturalisms’s Failure and Biblical Theism’s Success”, 13-14.

[7] Veja a obra de Stewart Goetz and Charles Taliaferro: Naturalism. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2008.

[8] J. L. Mackie, The Miracle of Theism. New York: Oxford University Press, 1983, p. 115.

[9] Sharon Street, “A Darwinian Dilemma for Realist Theories of Value,” Philosophical Studies 127:1 (2006): 109-66.

[10] Uma exceção é Thomas Nagel [Mind and Cosmos. New York: Oxford University Press, 2012], que tenta construir a teleologia na natureza em um nível fundacional. Discutivelmente, esta teleologia natural mantém a mesma necessidade de explicação que todos os fenômenos excepcionais (consciência, razão e moralidade) invocados para explicá-la. Dessa forma, ela sofre de muitos dos mesmos problemas que o PMA, uma vez que não há razão para pensarmos que a teleologia é especialmente preocupada conosco, e nem é o tipo de coisa pela qual alguém teria uma obrigação moral.

[11] Veja, por exemplo, a obra de Larry Arnhart: Darwinian Natural Right. Albany, NY: State University of New York Press, 1998) e Darwinian Conservatism. Exeter, UK: Imprint Academic, 2005.

[12] Charles Darwin, The Descent of Man. Amherst, NY: Prometheus Books, 1998, p. 102.

[13] Michael Ruse e E. O. Wilson, “Moral Philosophy as Applied Science,” Philosophy 61: 236 (1986): 173-92.

[14] Sharon Street, por exemplo, defende a ideia de que não há fatos morais, mas que as verdades morais derivam do processo de equilíbrio reflexivo. Isso não é absolutamente útil para defender os direitos humanos porque, por exemplo, aqueles que se reuniram para planejar a “solução final” para o “problema judeu”, também alcançaram o equilíbrio reflexivo.

[15] Richard Joyce, The Evolution of Morality. Cambridge, MA: MIT Press, 2007, p. 170.

[16] James Rachels, Created From Animals. Oxford: Oxford University Press, 1990, p. 70.

[17] J. P. Moreland, The Recalcitrant Imago Dei. London: SCM Press, 2009, p. 149.

[18] Richard Joyce, The Evolution of Morality, p. 183.

Traduzido por Felipe Wieira e revisado por Maria Gabriela Pileggi.

Texto original: The Failure of Naturalism as a Foundation for Human Rights. Moral Apologetics.

GH_Menuge_AngusAngus Menuge é professor de filosofia na Concordia University Wisconsin e é presidente da Evangelical Philosophical Society. Seus interesses de pesquisa incluem as áreas de filosofia da mente, filosofia da ciência, apologética e C. S. Lewis. Obteve seu Ph.D. em filosofia da Universidade de Wisconsin-Madison e o Diploma em apologética cristã da International Academy of Apologetics, Evangelism and Human Rights, em Estrasburgo.

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