A batalha de cosmovisões: Dualismo e teísmo em Tolkien e Lewis | Michael Kruger

O delírio de Dawkins | William Lane Craig
20/set/2012
O diabo pode ler minha mente? | R. C. Sproul
04/out/2012

Todos possuem uma cosmovisão. E cada cosmovisão deve lidar com uma questão fundamental: a origem do bem e do mal. Essa é a questão perene de nossa existência e ninguém pode escapar dela. Até mesmo cosmovisões ficcionais devem levar em consideração o bem e o mal (se elas quiserem fazer algum sentido).

Uma possibilidade é sugerir que não existe tal coisa como o bem e o mal. Em uma visão materialista-evolucionária, na qual tudo o que existe é a matéria, conceitos como “bom” e “mau” são meramente construções humanas. Mas tal cosmovisão nos leva diretamente ao niilismo. Nesse caso, somos forçados a dizer que ações como a de Jerry Sandusky não são realmente “erradas”, em um sentido objetivo. Em um universo materialista, as ações não são morais ou imorais. Elas são neutras.

Naturalmente, poucas pessoas deliberadamente seguem um caminho niilista como esse. Além disso, muito poucos escritores de ficção assim o fariam. De outro modo, não haveria “mocinhos” ou “heróis” em suas histórias.

Outra explicação popular acerca da origem do bem e do mal tem a ver com aquilo que chamamos de cosmovisão “dualista”. O dualismo sugere que o bem e o mal são iguais, ou seja, são forças do universo que travam uma batalha por supremacia. Ambas as forças já existiam desde o início, sendo que nenhuma delas veio a existir primeiro. A saga Star Wars (“Guerra nas Estrelas”) aproxima-se muito de uma cosmovisão dualista. O universo é composto de um lado bom da força e de um lado mau da força, sendo que cada um deles luta para sobrepujar o outro.

Mas o dualismo realmente não resolve o problema. Não há problema em sugerir que o bem e o mal têm estado no universo desde o início, mas por que nós chamamos uma dessas forças de “boa” e a outra de “má”? Não pode ser simplesmente porque preferimos uma em vez da outra – nossas preferências pessoais não fazem algo ser bom ou mau. Para dizermos que uma força é boa e a outra má, devemos estar comparando essas forças a um padrão maior e mais alto. C. S. Lewis diz:

“Mas no momento em que dizemos isto, insere-se no universo um terceiro fator, distinto dos outros dois poderes: uma lei, ou padrão, ou regra geral do Bem à qual o primeiro poder se submete, e o outro, não. Se os dois poderes são julgados por esse padrão, então o próprio padrão ou o Ser que o criou está além e acima de qual­quer um dos poderes. E ele o Deus verdadeiro. Na rea­lidade, quando dizemos que um poder é bom e o outro é mau, entendemos que um está em relação harmonio­sa com o Deus verdadeiro e supremo, e o outro, não” (C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. p. 57).

Em contraste ao materialismo e ao dualismo, o teísmo cristão afirma que Deus originariamente criou o mundo bom e que o mau é uma corrupção e distorção subsequentes de algo bom. Lewis, mais uma vez, deixa isso muito claro:

“A bondade, por assim dizer, é ela mesma, ao passo que a maldade é apenas o Bem per­vertido. E, para que haja uma perversão, é preciso que antes haja uma perfeição. […] Você começa a perceber agora por que o cristianismo sempre disse que o diabo é um anjo caí­do? Isto não é apenas uma historieta para crianças. É o reconhecimento real do fato de que o Mal é um para­sita, não um ente original” (C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. pp. 58, 59-60).

Algo que é especialmente importante a ser ressaltado é que, quando Lewis e Tolkien desenvolveram suas cosmovisões ficcionais – os mundos de Nárnia e da Terra-média –, eles as basearam não no materialismo ou no dualismo; mas, sim, no teísmo cristão. São mundos fictícios que uma vez foram completamente bons mas que, posteriormente, foram corrompidos pelo mal.

Leia também  Um novo sionismo cristão | Gerald McDermott

Isso é particularmente evidente em O Senhor dos Anéis. Ilúvatar criou todas as coisas boas (ele até mesmo as criou com palavras, usando uma canção). Mas houve uma rebelião e uma subsequente corrupção. Assim, todas as coisas más, se você retroagir o bastante, uma vez foram coisas boas. Os Orcs eram originariamente elfos que se corromperam. Os espectros do anel um dia foram homens, reis antigos. Até mesmo o próprio Sauron foi bom, antes de se tornar um servo malévolo de Melkor.

O exemplo clássico de criaturas boas que se tornam más é Gollum. Tendo uma vez compartilhado dos hábitos dos hobbits, Smeagol foi enganado pelo anel e aos poucos foi se transformando em uma criatura horrível com a aparência de seu eu anterior distorcida. Ele veio a detestar as coisas belas e se abrigou nas trevas do subterrâneo em solidão.

E aqui está a chave. Sem uma cosmovisão teísta cristã fornecendo o fundamento para as histórias de Lewis e Tolkien, seus preciosos trabalhos teriam carecido daquilo que os faz ser tão atraentes: o triunfo do bem sobre o mal. Esse triunfo apenas faz sentido se o bem e o mal realmente existirem e se você puder identificar qual é qual.

Por essa razão, pode-se dizer que toda história que tenha como tema o triunfo do bem sobre o mal está, na verdade, pressupondo a cosmovisão cristã – quer percebam ou não. Tais histórias são sombras, reflexos de uma história modelo, ou seja, de um Deus bom redimindo um mundo caído através de Jesus Cristo.

Traduzido por Jonathan Silveira.

Texto original aqui.

Michael J. Kruger (PhD, University of Edinburgh) é presidente e professor de Novo Testamento do Reformed Theological Seminary, em Charlotte – North Carolina. É ministro ordenado da Presbiterian Church in America (PCA), serve como pastor auxiliar de tempo parcial na Uptown Church, é casado com Melissa Kruger e possui um blog: michaeljkruger.com.
Este livro é uma crítica ampla e abrangente da tese de Bauer-Ehrman, segundo a qual a forma mais antiga do cristianismo era pluralista, havia múltiplos cristianismos, e a heresia precedeu a ortodoxia. Köstenberger e Kruger não somente reagem à “teoria de Bauer”, usando os próprios termos da teoria, mas também empregam evidências neotestamentárias negligenciadas para refutá-la. Os autores analisam três elementos como base para as suas conclusões: a evidência de unidade no Novo Testamento, a formação e o fechamento do cânon, e a metodologia e a integridade no registro e na difusão de textos religiosos por parte da igreja primitiva.

Publicado por Edições Vida Nova.

1 Comments

  1. Hugo disse:

    Fascinante.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: