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Pergunta: Quais são as causas e a cura da tristeza?
Resposta: As principais causas são o desequilíbrio, a fraqueza e a enfermidade do corpo. Por causa disso, a alma fica grandemente impossibilitada de absorver qualquer sentimento de conforto. Mas, quanto mais a necessidade natural é demandada, menos pecado e perigo rondam a alma, porém nunca será menos difícil; pelo contrário, torna-se mais problemático.
Três enfermidades causam a tristeza excessiva:
Uma natureza passional combinada com uma fraqueza da razão que poderia controlar tal natureza. Esse caso é bastante frequente em pessoas idosas, debilitadas demais para reagir, e em crianças que, quando machucadas, não têm outra opção senão chorar. Esse estado é, além disso, muito difícil e doloroso para muitas mulheres (e alguns homens) com propensão para o tormento com dificuldade para estar tranquilas, com pouco autocontrole. Mesmo muitos que temem a Deus, com profundo entendimento e compreensão, praticamente não têm mais poder contra as paixões problemáticas, ira, tristeza e especialmente o medo. Desse modo, sofrem como qualquer outra pessoa. Sua condição natural é um forte distúrbio composto de confusão, tristeza, medo e insatisfação. Os que não são propensos à tristeza apresentam, contudo, um temperamento tão infantil, doentio e impaciente, que há sempre uma ou outra coisa que ainda os entristece, aflige ou assusta. São como uma folha trêmula que balança com o menor movimento do ar. Nem o homem mais sábio e paciente poderia agradar e reabilitar tal pessoa. Uma palavra ou um olhar os ofende; qualquer história triste, notícia ou barulho os aflige; e, como crianças, não param de chorar até ter tudo o que desejam. Assim acontece com muitos. Os que os cercam, penam; porém, eles mesmos sofrem mais. Morar com um doente na casa do luto é menos desconfortável. Mas, enquanto a razão não for destruída, a causa ainda não estará totalmente perdida nem será completamente desculpável.
Mas, quando a mente e a imaginação estão enfraquecidas, e a razão parcialmente destruída pela enfermidade chamada depressão, a cura se torna ainda mais difícil, pois comumente é dito que pessoas com tendência ao descontentamento, à tristeza, à timidez e às paixões são as que caem em debilidade e depressão; e a conjunção dos dois desequilíbrios naturais e da doença aumenta a aflição.
Em outros textos, descrevi os sinais dessa doença da depressão, a saber:
Se você as convencer de que mostram evidências de sinceridade, de que seus temores são infundados, de que ferem a si mesmas e até Deus, nada terão a dizer contra isso — mas tal afirmação não resolverá nenhum dos seus problemas ou então esse estado retornará no dia seguinte, porque a causa permanece em seu corpo doente; acalme-os uma centena de vezes, e seus medos retornarão outras cem vezes.
Sua infelicidade consiste no fato de que não conseguem deixar de pensar da maneira que pensam. É mais fácil persuadir um homem a não tremer quando está com febre ou a não sentir nada quando alguma coisa lhe provoca dor do que convencer essas pessoas a se livrar dos pensamentos que as atormentam interiormente ou a não ter as ideias perturbadoras que têm. Elas não conseguem tirá-los da cabeça, dia e noite. Diga-lhes que devem desistir das longas reflexões perturbadoras, mas não conseguem. Diga-lhes que devem banir os falsos conceitos da mente, mas não conseguem. Seus pensamentos, problemas e medos estão fora de controle — e, pior, estão controladas pela melancolia e pela depressão em que estão envolvidos.
Depois disso, normalmente parecem sentir que há alguma coisa fora delas mesmas, por assim dizer, falando em seu interior, dizendo-lhes isso e aquilo, mandando fazer isso ou aquilo. E dirão quando e o que lhes foi dito, com dificuldade em aceitar que tudo isso seja apenas uma doença da própria imaginação.
Nesse caso, estão propensas a pensar que têm revelações; e o que quer que venha à mente consideram revelação. Costumam dizer: esse texto das Escrituras veio à minha mente em tal momento, e aquele texto em outro momento veio à minha mente; mas sua interpretação é incorreta ou fazem uma aplicação equivocada e talvez tirem conclusões contraditórias de vários textos, como se uma conclusão transmitisse esperança e outra não.
Algumas dessas pessoas, por isso, são propensas a profetizar e realmente acreditam que Deus lhes revelou isto ou aquilo. Depois veem que nada daquilo aconteceu, e então são envergonhadas.
Assim, muitos se tornam hereges e cometem erros religiosos, crendo que Deus concorda com isso, e estabelecem essas coisas em sua mente. Alguns que por muito tempo estiveram perturbados, tornam-se tranquilos e alegres por causa da mudança no modo de pensar, considerando que agora estão no caminho divino, do qual estavam desviados, e, por essa razão, não encontravam conforto. Conheci várias pessoas assim, que encontraram conforto em ideias erradas: algumas se tornaram papistas e supersticiosas; outras se afastaram grandemente dos papistas e algumas encontraram consolo tornando-se anabatistas, algumas antinomistas, outras, ao contrário chamadas arminianas, outras perfeccionistas, outras quacres; e algumas abandonaram o cristianismo para adotar a infidelidade e assim negaram a vida no porvir, adotando conduta de impureza e licenciosidade[2]. Mas, com isso, esses hereges e apóstatas melancólicos geralmente conseguem afastar a tristeza, e meu objetivo no momento não é tratar desse caso.
A maioria deles é violentamente assombrada por ideias blasfemas, às quais temem, e não conseguem impedir que entrem em sua mente; ou são tentados e assombrados para que duvidem das Escrituras ou da vida no porvir; ou tiram conclusões absurdas a respeito de Deus. Às vezes, como se houvesse algo dentro deles que os levasse a isso, sentem-se impelidos a blasfemar contra Deus ou a renunciar a ele. Temem diante dessa sugestão, mas ela os persegue. Algumas pobres almas se rendem a isso e blasfemam contra Deus. Então, assim que as palavras são ditas, alguma coisa dentro deles diz imediatamente: “Agora, tua condenação está selada, pois pecaste contra o Espírito Santo, e não há mais esperança”.
Após algum tempo, são tentadas a impor a si mesmas alguma regra de conduta pessoal: não falar ou jamais comer. Algumas ficam tão famintas, que chegam à morte.
Após algum tempo, pensam ter visões. Dizem que essa ou aquela imagem lhes apareceu; especialmente luzes à noite, na cama. E, às vezes, estão convictas de que ouvem vozes e sentem algo que as toca ou fere.
Fogem da companhia das pessoas e nada podem fazer além de se sentarem sozinhas para refletir.
Perdem todos os negócios e não conseguem nenhum trabalho regular em sua atividade profissional.
E, quando esse estado alcança níveis extremos, ficam cansadas de viver, e são tentadas a cometer suicídio, como se alguma coisa em seu interior as estivesse induzindo a se afogar ou cortar a própria garganta, ou se enforcar, ou se jogar de um precipício. Que tragédia! Muitos já fizeram isso!
Se escapam disso, quando esse estado atinge seu ápice, ficam muito perturbadas.
Esses são os sintomas dolorosos e os efeitos da depressão. Portanto, é desejável prevenir ou curar esse mal no início, antes que o doente atinja esse estado tão triste!
Neste ponto, preciso responder à dúvida sobre tais pessoas estarem possuídas ou não pelo demônio. E se tudo que foi supracitado vem dele. Em primeiro lugar, devemos saber qual é o significado de possessão satânica, seja do corpo, seja da alma. Não é meramente sua presença local e permanente em um homem que qualifica sua possessão, pois conhecemos muito pouco a respeito do assunto, até que ponto ele está mais presente em um homem mau do que em um homem bom, mas, sim, seu poder em exercício no homem por meio da operação efetiva e declarada. Assim como o Espírito de Deus atua sobre as piores pessoas e realiza muitas obras santas que atingem as almas impenitentes, mas estabeleceu uma força poderosa na alma dos crentes e determinou a sua habitação e posse, pelo hábito da santidade e do amor, Satanás realiza obras frequentes sobre os fiéis, mas só possui a alma do descrente por meio dos hábitos de descrença e sensualidade.
Deus também permite que Satanás imponha opressão, sofrimento e doenças sobre o justo. Porém, quando Satanás é o algoz designado por Deus para a aplicação de pragas extraordinárias, especialmente na cabeça, privando os homens de razão e entendimento, operando acima da mera enfermidade, isso é chamado de possessão demoníaca.
Assim como a maioria das ideias malignas que brotam na alma tem Satanás como pai e o nosso coração como mãe, a maioria das doenças do corpo tem origem em Satanás, com a permissão de Deus, embora existam algumas doenças cuja causa está no próprio corpo.
Quando suas ações são aquelas que chamamos de possessão, ele pode operar por meios e tendências do corpo, e às vezes trabalha bem acima do poder da enfermidade em si, como quando pessoas incultas falam línguas estranhas e quando pessoas enfeitiçadas vomitam ferro, vidro etc. E, às vezes, ele faz o trabalho usando apenas a doença em si, como no caso da epilepsia, loucura etc.
[1] Quando alguém pensa ter pecado contra o Espírito Santo, essa pessoa vive em uma condição de extremo sofrimento, e somente pessoas sábias nas Escrituras poderão aconselhar adequadamente quem sofre.
[2] William James trata do fenômeno das “desconversões” em seu clássico estudo Variedades da experiência religiosa.
Trecho extraído e adaptado da obra “Superando a tristeza e a depressão com a fé“, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2015, p. 31-38. Traduzido por Daniel Oliveira. Publicado no site Cruciforme com permissão.
![]() | Richard Baxter (1615-1691) iniciou seu ministério em Kidderminster, Inglaterra, em 1641. Charles II, graças à restauração efetuada em seu reinado, o escolheu como o capelão real, e Richard Baxter desempenhou papel proeminente na Conferência de Savoy, em 1661, e, com a aceitação do Ato de Uniformidade, em 1662, abandonou a Igreja da Inglaterra para continuar pregando, apesar das perseguições dos ministros não-conformistas. Ele era autor de obras vultosas, dentre as quais lhe "O descanso eterno dos santos" garantiu amplo reconhecimento. |
![]() | "Superando a tristeza e a depressão com a fé" é a contribuição de um homem piedoso, culto, atencioso e sensível aos problemas humanos. A obra oferece insights de grande valia a pastores, conselheiros e outros profissionais envolvidos na tarefa de aconselhar e acompanhar pessoas que estejam passando por depressão. Quem estiver experimentando ou já experimentou situações como essa também encontrará nesta obra ajuda prática e eficaz. Publicado por Vida Nova. |