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Paulo em Atenas, Rafael.

“Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” — Jesus Cristo (Mateus 16:18)

Este é um manifesto para acender o fogo sagrado da paixão e ação apologéticas. Como fez Jeremias, nós deveríamos ter “fogo em nossos ossos” para comunicar e recomendar a verdade cristã hoje (Jeremias 20:9). Este manifesto não é um argumento sustentável ou um desenvolvimento detalhado de temas. Em vez disso, como um manifesto, ele proclama uma pequena série de proposições inter-relacionadas que clamam por reflexão, oração e ação tanto imediatas quanto demoradas. Estes desafios resultam de convicções formadas ao longo de meus quase trinta anos de ensinamento, pregação, debate e escrita apologéticos e testemunho cristão.

Devido (1) à influência definhante da cosmovisão cristã nas vidas pública e privada nos EUA¹ hoje, (2) à pandemia do anti-intelectualismo na igreja contemporânea e (3) ao próprio mandamento de Deus de declarar, explicar e defender a verdade divina, eu aconselho fortemente que as seguintes declarações sejam enfrentadas e respondidas por todos os seguidores do Senhor Jesus Cristo.

1. A apologética cristã envolve a apresentação e defesa do Cristianismo como uma cosmovisão integrada que é objetiva, universal e absolutamente verdadeira, razoável, conhecível e existencialmente pertinente tanto a indivíduos quanto a culturas inteiras. A apologética envolve a refutação de acusações incrédulas contra o Cristianismo (2 Coríntios 10:3-5; Judas 3) assim como o oferecimento de um caso construtivo e persuasivo a favor do teísmo cristão (Filipenses 1:7; 1 Pedro 3:15).

2. Qualquer disciplina intelectual, prática da igreja ou ensinamento que minimize ou degrina a importância da apologética é não-bíblico e deve dele ser arrependido (Mateus 4:17; Atos 17:16-34; 2 Coríntios 10:3-5; 1 Pedro 3:15; Judas 3). A degradação da apologética pode levar a mais corrupção na vida da igreja. “O meu povo é destruído porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4:6).

3. A questão fundamental para a apologética não é quantos apologistas alguém tem lido, ou qual método apologético alguém segue (embora isso deva ser trabalhado cuidadosamente). Antes, a questão essencial é se alguém tem ou não uma paixão pela verdade transformadora de Deus — racionalmente perseguida e corajosamente comunicada — e uma paixão pelos perdidos por causa do amor de Deus residente e ativo na vida de alguém (Romanos 9:1-3; 10:1). Como o Apóstolo Paulo em Atenas, nós deveríamos estar “grandemente perturbados” devido à descrença crescente em nossos dias. Nós, como aquele grande apologista, deveríamos também estar intelectualmente equipados e espiritualmente preparados para entrar no mercado das ideias pela causa de Cristo (Atos 17:16-34).

4. O apologista deve estar convencido da verdade, da racionalidade, da pertinência e da cognoscibilidade da cosmovisão cristã, que é derivada das Sagradas Escrituras como é logicamente sistematizada e corretamente harmonizada com a revelação geral (a verdade reconhecível fora das Escrituras). Este é um objetivo intelectual para toda a vida à medida que o discípulo de Cristo procura amar a Deus com sua mente e tem mais e mais pensamentos cativado a obedecer a Cristo (Mateus 22:37-40; 2 Coríntios 10:3-5). O apologista jamais deveria se contentar com uma cosmovisão ad hoc ou fragmentada, como é tão típico daqueles afligidos com sensibilidades pastiches pós-modernistas.

5. À luz de (1), (2), (3) e (4), o fideísmo — a alegação de que a fé cristã não encontra nenhuma garantia positiva da razão e da evidência — deveria ser rejeitado como não-bíblico e nocivo à grande causa da verdade bíblica (Isaías 1:18; Mateus 22:37-39; Romanos 12:1-2). Confissões fideístas tais como “eu simplesmente sei que eu sei em meu entendedor”, fazem pouco para desafiar o incrédulo ou para induzir os descrentes a considerarem a verdade salvadora do evangelho. Mais ainda, membros de outras religiões podem usar a mesma técnica para tentar apoiar suas falsas crenças. Isto é especialmente verdadeiro para os Mórmons, que confiam tão fortemente em sentimentos subjetivos para verificar alegações objetivas. O fideísmo despoja o Cristianismo do seu testemunho racional da realidade da revelação santa de Deus à humanidade.

6. Qualquer teologia, apologética, ética, evangelismo ou prática da igreja que minimize ou degrina o conceito de verdade objetiva, absoluta, universal e conhecível é tanto irracional quanto não-bíblica. E tal deve ser rejeitada e dela arrependida. Assim, a visão pós-modernista da verdade como socialmente construída, contingente e relativa deve ser rejeitada pelos apologistas cristãos. Qualquer coisa que poderia ser verdadeira no pós-modernismo pode ser encontrada em outro lugar, em sistemas filosóficos melhores. O que é falso no pós-modernismo (a vasta maioria dele) é fatal ao testemunho cristão. Sem uma visão forte e bíblica da verdade, a apologética é impossível.

7. A obra do Espírito Santo em levar as pessoas à fé salvadora não deveria ser artificialmente separada do engajamento apologético fiel. Muitos cristãos pensam erroneamente que o ministério do Espírito Santo é exclusivamente não-racional ou mesmo irracional. O Espírito é livre para ganhar ou amaldiçoar os descrentes de inúmeras maneiras — incluindo sonhos, visitações angelicais, curas, visões, coincidências significativas, e assim por diante — mas devemos lembrar que Ele é “o Espírito da verdade”, como Jesus disse (João 16:13). Não há motivo para separar a obra do Espírito Santo da argumentação rigorosa e habilidosa da verdade cristã. O Espírito Santo pode libertar a mente redimida para argumentar lógica e encantadoramente; ele também pode alcançar a alma do descrente através da força dos argumentos. Os apologistas devem orar sinceramente para que o Espírito Santo os façam tão inteligentes e instruídos quanto possível.

8. Todos os esforços apologéticos deveriam manifestar as virtudes da humildade e coragem através da capacitação pelo Espírito Santo (Atos 1:8; Gálatas 5:16-26). Se nos tem sido conferida pelo Deus Todo-Poderoso a verdade a ser defendida racionalmente, isto se deve à Graça de Deus, não à nossa própria retidão (Efésios 2:1-8; Tito 3:5-6). Não há espaço para orgulho, o qual precede a queda. Se o Deus Todo-Poderoso conferiu-nos com a verdade salvadora a ser defendida racionalmente, nós deveríamos levá-la às ruas e não nos assustarmos com encontros apropriados com a descrença. Não há espaço para a covardia. Como Paulo aconselhou Timóteo: “Porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação” (2 Timóteo 1:7).

A humildade não deve ser confundida com incerteza ou com timidez. Alguém pode ser confiante em sua cosmovisão e defendê-la publicamente sem ser arrogante. O grande apologista G. K. Chesterton explica isto perfeita e memoravelmente.

Mas o que nós sofremos hoje é a humildade no local errado. A modéstia deixou o órgão da ambição. A modéstia se estabeleceu no órgão da convicção, onde nunca era para estar. Um homem era para ser incerto de si mesmo, mas certo sobre a verdade; isto foi exatamente revertido. Hoje em dia, a parte de um homem que um homem assevera é exatamente a parte que ele não deveria asseverar sobre si mesmo. A parte de que ele duvida é exatamente a parte da qual ele não deveria duvidar — a Razão Divina.

9. A apologética deve ser efetuada com a máxima integridade intelectual (Tito 2:7-8; Tiago 3:1-2). Toda a propaganda, respostas baratas, caricaturas de visões não-cristãs, intimidações e raciocínios falaciosos devem ser evitados. Tristemente, alguns materiais apologéticos são muito arrogantes para uso sério. Deve-se desenvolver respostas competentes para se buscar perguntas sobre a verdade e a racionalidade da fé cristã. Isso exige excelência no conhecimento em todos os níveis intelectuais, mesmo no mais popular. Esta orientação cognitiva exige tempo, dinheiro e esforço sustentável. Não acontecerá por se assistir à televisão ou por outra perda do nosso tempo limitado. Os cristãos devem, assim, cultivar a virtude da estudiosidade a fim de que cresçam grandemente no conhecimento de Deus, na cosmovisão cristã e em como levar a mensagem cristã para enfrentar a descrença.

10. A separação artificial do evangelismo da apologética deve acabar. Muitos métodos evangelísticos morrem quando os evangelizados fazem perguntas relacionadas à apologética. Todo treinamento evangelístico deve, portanto, incluir também um treinamento apologético básico. O Apóstolo Paulo nos serve como modelo em como ele proclamou e defendeu o Evangelho no Livro de Atos (Atos 17:16-34; 19:8-10). Jesus também defendeu racionalmente suas ideias assim como as propôs.

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11. A apologética é tanto para os crentes com dúvidas e questões quanto é direcionada para os descrentes. Os cristãos com dúvidas não devem, portanto, ser evitados ou envergonhados, mas devem receber bons argumentos apologéticos (assim como cuidado pastoral) para lidar com seus conflitos intelectuais. Quando os seguidores de João Batista foram a Jesus com as perguntas de João acerca da identidade messiânica de Jesus, Jesus não os repreendeu, mas forneceu evidência de por que João deveria crer que Jesus era o Messias (Mateus 11:1-11). Judas também aconselhou-nos a “nos apiedarmos daqueles que duvidam” (Judas 1:22). Uma forma de mostrar misericórdia ao que duvida é edificá-lo(a) dando razões para a fé cristã. O testemunho apologético da igreja é tremendamente fortalecido quando os cristãos recebem segurança racional de que a fé deles é de fato verdadeira e convincente.

12. Já que todos os cristãos são chamados e ordenados a terem um motivo pela esperança que há neles (1Pedro 3:15), os professores, pastores, mentores e educadores cristãos de todos os tipos são negligentes se eles evitam, degrinem ou minimizam a importância da apologética do modo de vida bíblico e no testemunho cristão. O boato comumente ouvido de que “ninguém vem a Cristo por causa de argumentos” é evidentemente falso. Muitas pessoas, como os apologistas C. S. Lewis e John Warwick Montgomery, foram levados ao Evangelho através de argumentos apologéticos. Pela graça de Deus, eu tenho sido capaz de ajudar descrentes a ver a verdade e a racionalidade do Cristianismo através de argumentos apologéticos. Os filósofos e apologistas cristãos bem respeitados, William Lane Craig e J.P. Moreland, concordam. Nem todos os professores cristãos são igualmente abençoados na apologética, e alguns enfatizarão esta disciplina mais do que outros, mas ninguém deveria minimizar a necessidade da apologética ou pregar evitando-a quando o texto bíblico requer outra forma.

13. Aqueles fora das posições de liderança mencionadas em (12) devem humildemente, mas corajosamente, solicitar que a apologética seja uma parte constituinte destas instituições se este já não é o caso e orar para este fim. Nós devemos estimular uns aos outros ao amor e à boa obra nesta área (Hebreus 10:24).

14. À luz de (12) e (13), as escolas, seminários e igrejas cristãs devem incorporar a apologética às suas vidas institucional/educacional, missão e visão. Especificamente, toda escola, colégio, universidade e seminário deveria requerer pelo menos uma classe de apologética para cada grau em seu currículo. Tristemente, este não é o caso no momento na maioria das instituições de ensino cristão. Mais ainda, toda disciplina deveria ser ensinada a partir da cosmovisão cristã, já que toda a verdade é a verdade de Deus. Isto tem um valor apologético significante em si mesmo. Duane Litfin, reitor do Wheaton College, tem escrito muito compreensivamente sobre esta prática com respeito à escola cristã.

A educação cristã dentro da igreja, especialmente a partir do ensino médio, deve se tornar mais intelectualmente séria e assim mais apologeticamente orientada. As classes devem ser ministradas por professores atenciosos que engajam os estudantes a sobrepujar o mundo por Cristo. Estes cenários devem se tornar mais como salas de aulas sérias e menos como cafés e lanchonetes de bate-papo religioso. Além disso, as igrejas devem investir significantemente na biblioteca da igreja para que seja bem equipada com livros sobre apologética e outros assuntos.

15. As agências de missão devem assegurar que seus missionários sejam treinados adequadamente em questões apologéticas e estratégias necessárias para os seus locais de serviço. A Grande Comissão requer que os seguidores de Cristo discipulem as nações, ensinando-as tudo o que Jesus ensinou a Seus discípulos originais (Mateus 28:18-20). Já que Jesus estimava a vida da mente e defendia esta teologia e ética racionalmente, os cristãos devem levar os melhores argumentos a favor do Cristianismo e contra as religiões não-cristãs ao campo missionário. As nações não podem ser discipuladas à parte da esfera completa do ensinamento e da defesa da cosmovisão cristã, já que ela diz respeito a toda a vida.

16. Visto que a apologética é para ser a apresentação e defesa do Cristianismo como verdadeiro, razoável, pertinente e conhecível, apologistas competentes devem tentar oferecer seus argumentos em tantos locais públicos quanto possível. Apologistas cristãos qualificados devem aprender a se tornar, portanto, intelectuais públicos: pensadores que dominam seus materiais e estão dispostos e capazes de tomar parte em discursos e debates públicos de forma que desafiem e cativem a mente não-cristã, assim como estimulem outros cristãos a afiarem as suas habilidades apologéticas. Áreas de engajamento apologético incluem as seguintes:

– Escrever cartas aos editores de jornais e revistas.

– Escrever artigos de opinião para jornais.

– Ligar para programas de rádio.

– Engajar-se em debates e diálogos públicos sobre questões religiosas e éticas, particularmente em campi universitários, onde mentes jovens são forjadas para toda uma vida.

– Fazer contribuições apologéticas a páginas interativas na Internet.

– Escrever livros orientados àqueles fora do típico mercado evangélico, publicados por editoras seculares se possível.

– Criar folhetos apologéticos para eventos específicos.

– Qualquer outra tentativa criativa de alcançar o público — drama, poesia, cinema e mais.

17. Os cristãos devem também trabalhar para apresentar razões para a fé em tantas formas privadas quanto possível. Muitos que não têm o dom de falar ou escrever para o público podem brilhar em seus testemunhos cristãos interpessoais. Isso pode incluir encontros apologéticos tais como:

– Convidar pessoas para irem à casa de alguém para mensagens e discussões apologéticas.

– Distribuir literatura apologética a amigos, à família e a colegas de trabalho.

– Escrever cartas a amigos, à família e a colegas de trabalho, explicando e defendendo o Cristianismo.

18. Jovens cristãos com aptidão para filosofia e atividades acadêmicas em geral devem ser encorajados de que estas disciplinas são tão espirituais quanto qualquer coisa diretamente relacionada à igreja. Por exemplo: ser um filósofo cristão em um colégio ou em uma universidade secular é tão virtuoso e espiritual quanto ser um pastor, um missionário ou um professor em uma instituição cristã (1 Coríntios 10:31; Colossenses 3:17). Como disse o estadista, teólogo e jornalista holandês Abraham Kuyper, “não há um centímetro quadrado em toda a criação que sobre o qual Cristo não exclame: ‘isto é meu!” Alguém pode aplicar prudentemente suas habilidades apologéticas nestes cenários e estender o testemunho cristão.

19. Todos os empreendimentos apologéticos — seja em escrever, falar ou dialogar — devem ser apoiados por oração pessoal do apologista e por oração de auxílio da igreja (Efésios 6:18; 1 Tessalonicenses 5:17). Certos empreendimentos apologéticos — especialmente aqueles que lidam com o oculto e com falsas religiões — podem requerer jejum além da oração (Mateus 6:18-20; Atos 13:1-3).

Que nós que somos redimidos através do sangue do Cordeiro e que anseiam proclamar, explicar e defender o evangelho de Jesus Cristo, tomemos como nossa incumbência a conclusão incitante do Apóstolo Paulo para a sua gloriosa exposição do significado da ressurreição de Jesus.

“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor.”— Apóstolo Paulo (1 Coríntios 15:58)

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¹ Tal qual no Brasil. (N. do T.)

Traduzido por Mateus Scherer Cardoso.

Texto original aqui.

Douglas Groothuis é professor de filosofia no Denver Seminary. Coordena o curso de apologética cristã e ética e dirige o Gordon Lewis Center for Christian Thought and Culture. Obteve seu PhD em filosofia na University of Oregon em 1993, e está no Denver Seminary desde então.

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