13 Reasons Why não vai ao âmago do problema | Thiago Oliveira
06/jun/2018Intolerância | Gregory Koukl
11/jun/2018Em seu ensaio recente a respeito da intelectualidade cristã, Alan Jacobs data o clímax do cristão intelectual público nos Estados Unidos como sendo o final dos anos 1940. Citando a influência de pensadores como C. S. Lewis, W. H. Auden e Reinhold Niebuhr, Jacobs argumenta que o movimento começou a se esvanecer nos anos 1950 e, nos anos 1960, tornou-se, em grande parte, uma força exaurida. Nessa época Lewis, Auden e Niebuhr não eram mais tão relevantes em debates contemporâneos e a próxima geração ainda não havia emergido. Quando essa geração de líderes emergiu, argumenta Jacobs, a cultura se tornou uma questão desinteressante e, em vez de se familiarizarem com ela de uma maneira mais ampla, se familiarizaram mais com as discussões intramuros que aconteciam nos círculos religiosos conservadores.
Como panorama geral do período, isso parece razoável o suficiente. Dito isto, as conclusões a que Jacobs chega parecem um pouco incompletas. Este artigo, então, não é necessariamente uma tentativa de refutar o que Jacobs faz em seu ensaio, mas, em vez disto, é uma tentativa de destacar alguns fatores complicados na esperança de que Jacobs possa falar um pouco mais. (Ou talvez ele possa abordar a questão em seu próximo livro que parece estar muito relacionado às questões que ele suscita em seu texto.)
E quanto a Francis Schaeffer?
Ao datar o declínio do cristão intelectual, Jacobs cita, entre outras coisas, a evidência oferecida pela cobertura principal da mídia de cristãos públicos proeminentes. Ele observa que tanto Lewis como Niebuhr estiveram na capa da revista Time no fim dos anos 1940, com Lewis sendo o destaque em 1947 e Niebuhr, da mesma forma, em 1948. O ponto engraçado a respeito disto é que Francis Schaeffer, que havia sido aclamado como sendo o único equivalente de Lewis entre apologistas cristãos ortodoxos no século 20, também fez uma aparição proeminente na revista Time… mas em 1960.
A descrição de Schaeffer feita pela revista Time, todavia, nos diz algo sobre como as coisas haviam mudado durante os 12 anos entre a capa com Niebuhr e a capa com Schaeffer. Em 1960, a revista Time apresentou Schaeffer como sendo um missionário dos intelectuais, que, sem dúvida, ele era. Mas isto presume que o cristianismo precisa de missionários de intelectuais porque os intelectuais não são mais cristãos. O que havia sido um conflito dentro da comunidade intelectual 13 anos antes quando fizeram uma reportagem sobre C. S. Lewis, tem se tornado uma tentativa de testemunhar o evangelho à comunidade intelectual por volta de 1960. Em certo sentido, isto sugere que Jacobs está certo – o cristão intelectual público está morto por volta de 1960 e é por isto que Schaeffer foi necessário.
Isto, porém, suscita uma questão distinta: se aquele intelectual está morto, por que Schaeffer esteve na capa da revista Time? Além disto, por que ele recebe figuras bem conhecidas de várias contraculturas, bem como ícones populares da época que batem à sua porta para estudar com ele no L’Abri? Timothy Leary, Eric Clapton e Keith Richards são apenas três exemplos das figuras proeminentes dos anos 1960 que liam ou estudavam com Schaeffer. Existem outros.
Schaeffer não se isolou em uma bolha evangélica de uma maneira como Carl Henry ou Harold Ockenga foram acusados de fazer. Ele (frequentemente de maneira lamentável) era sugado para debates intramuros quando voltava aos Estados Unidos, mas, de sua casa nos alpes suíços, ele era um dos poucos evangélicos que assistia aos filmes de Bergman e ouvia Pink Floyd. De fato, suas aparições na Wheaton College nos anos 1960 estabeleceram, de muitas formas, o palco para aquilo que agora é uma era dourada do cinema cristão e da crítica televisiva. Em uma época em que não era permitido que alunos da Wheaton College fossem ao cinema, Schaeffer apareceu falando não apenas sobre filme, mas sobre cineastas de vanguarda, tais como Bergman e Atonioni. E eis uma questão interessante: os membros da contracultura dos anos 1960 notaram isso. Alguns deles até mesmo foram ao L’Abri para conhecê-lo.
A cultura americana dominante se fragmentou
Meu palpite é que o problema, então, é muito mais amplo do que apenas a perda de cristãos intelectuais públicos. O grande problema parece ser a perda de uma cultura comum que permita que qualquer tipo de intelectual público universal exista. Isto também complicaria drasticamente o trabalho de interpretação ou tradução a respeito do qual Jacobs também está preocupado.
Intérpretes no sentido que Jacobs descreve são líderes que traduzem os conceitos de fé e religiosidade para linguagem e ideias mais sensíveis a democratas liberais do período pós-guerra (no sentido amplo dos termos). No entanto, por volta dos anos 1960, não temos realmente uma única ordem democrática liberal pós-guerra para a qual falarmos. Estamos começando a ver a rachadura de uma única cultura americana dominante e a subsequente fragmentação em várias subculturas e subgrupos, um movimento que tem rapidamente chegado até o presente.
Para ilustrar este ponto, precisamos apenas considerar os vários contraexemplos que uma pessoa pode oferecer se ela quiser provar que cristãos intelectuais públicos ainda existem. Ross Douthat é um bom candidato, mas as únicas pessoas que sabem quem ele é são os leitores do New York Times. (É o mesmo caso de David Brooks, se quiser mencioná-lo.) Esse é um grupo influente, mas também relativamente pequeno.
Outros candidatos, como R. R. Reno do site First Things, Nicholas Wolterstorff da Yale University, Charles Taylor da McGill University, ou Mark Noll da Notre Dame University, todos eles caem em críticas semelhantes. Eles são proeminentes intelectuais respeitados trabalhando em nichos muito pequenos. O número de pessoas que não conhece os seus nomes ultrapassa o número daqueles que conhecem. Assim, embora tenha havido ganhos muito reais em certos nichos (também vale a pena mencionarmos a emergência de centros de estudos cristãos), esses ganhos não têm aumentado em termos de uma recuperação cultural mais ampla.
O que é importante termos em mente, porém, é que essa fragmentação tem afetado a todos. Pegue uma figura do establishment da mídia mais dominante que tenha alguma habilidade intelectual – vamos pegar alguém como o falecido Christopher Hitchens. Hitchens é uma grande figura da mídia, alguém que publicou regularmente nas páginas da Vanity Fair e The Atlantic, e cujo trabalho regularmente se destacava na lista dos maiores best-sellers. Ele é o modelo de intelectual público moderno. Qual foi o total de vendas de seu livro mais bem-sucedido?
Bem, seu best-seller foi deus Não é Grande e vendeu quase 300.000 cópias nas primeiras sete semanas após a publicação. Sejamos generosos e vamos presumir que Hitchens vendeu um milhão de cópias do livro, um número que está quase que certamente enormemente inflacionado. Mesmo com tal estimativa tão generosa, a população dos Estados Unidos ultrapassa 300 milhões. Assim, mesmo que presumamos que o livro tenha vendido um milhão de cópias, e mesmo que presumamos que cada pessoa que comprou uma cópia leu o livro de capa a capa, isso ainda está alcançando apenas cerca de 0,33% da população dos Estados Unidos.
Se expandirmos nossa definição de intelectual público para incluirmos um jornalista mais intelectual da internet, como Ezra Klein, os números melhoram, mas não de modo tão significativo. Segundo a estimativa de um site, o site Vox.com de Ezra Klein atingiu o número de 15.2 milhões de visitantes nos Estados Unidos no mês passado. Esse é um grande número, mas ainda assim representa apenas 1/20 do total da população dos Estados Unidos – aproximadamente 5% de todos os estadunidenses. Quando comparamos esses números ao tipo de alcance que figuras proeminentes desfrutaram no início dos anos 1960, o abismo é impressionante. Em 1963, cada um dos 31 principais programas de TV alcançou pelo menos 20% de todos os estadunidenses. Colocando de outra forma, o 31º programa de TV mais popular nos Estados Unidos em 1963 alcançou uma parte da população quatro vezes maior que um site extraordinariamente bem-sucedido como o Vox.com alcançará em um mês normal.
Não há uma exceção à fragmentação
Existe, é claro, um grupo que de fato desfruta de um alcance maior entre estadunidenses: pregadores da prosperidade e suas contrapartes mais seculares, gurus da autoajuda e apresentadores de talk shows. O primeiro livro de Joel Osteen, Your Best Life Now, vendeu quatro milhões de cópias. Ele continuou a escrever vários outros best-sellers e seu programa de TV semanal já alcançou mais de 100 milhões de lares.
Oprah Winfrey, a versão secular de Osteen e que já o recebeu em seus próprios programas, possui seu próprio império de mídia. No clímax de seu programa de TV nos anos 1990, ela alcançou 13 milhões de estadunidenses todos os dias, aproximadamente 5% da população. Colocando de outra forma, a audiência diária de Oprah em seu auge tinha, proporcionalmente falando, o mesmo tamanho da audiência diária da Vox.com. Hoje em dia ela confia em sua própria rede de TV, revista, website, e transmissão de rádio para alcançar sua própria audiência. É difícil calcular quantas pessoas ela alcança atualmente, mas o número é provavelmente semelhante ao de Osteen.
Não obstante, essa tendência não termina com Oprah ou Osteen. Retornemos ao nosso amigo Christopher Hitchens. Seu livro best-seller esteve na 79ª posição na lista de best-sellers de 2007 da USA Today. Na segunda posição daquele ano estava o livro O Segredo, de Rhonda Byrne – um livro que Oprah ajudou a promover. Qual livro estava na terceira posição? Comer, Rezar, Amar. O livro Become a Better You, de Joel Osteen, estava na 20ª posição.
Esta talvez seja, então, uma das críticas mais intrigantes que podemos fazer ao argumento de Jacob: se presumirmos que o Oprahismo é a coisa mais próxima que temos hoje de uma religião civil nos Estados Unidos, temos então de fato alguém tentando traduzir o cristianismo para termos mais acessíveis e palatáveis aos aderentes dessa religião: seu nome é Joel Osteen.
E não deveríamos nos enganar pensando que isto é um problema que se limita a pregadores da prosperidade. Vale a pena mencionar a aliança que emergiu entre os guerreiros culturais no Southern Baptist Convention e os pregadores da prosperidade heréticos em apoio à candidatura de Donald Trump, um homem que pode ser razoavelmente descrito como sendo o ID do Oprahismo. Donald Miller merece também ser mencionado aqui. A aujoajuda e o individualismo expressivo são a religião civil moderna dos Estados Unidos e existem muitas pessoas tentando traduzir o cristianismo para termos mais compatíveis com tal credo.
Como então devemos evangelizar uma sociedade fraturada?
É claro que o cenário não é tão desolador assim. Se desejarmos ir na direção que Jacob está delineando e tentarmos identificar cristãos públicos reconhecidos que estão traduzindo a fé para termos que a esfera pública pode entender (e permanecendo ortodoxos), existem alguns exemplos.
Poderíamos facilmente dizer que tanto Tim Keller quanto Russell Moore estão fazendo bem esse trabalho às suas próprias maneiras. O livro A fé na era do ceticismo, de Tim Keller, foi um best-seller e ele mora e pastoreia uma igreja em Manhattan. Russell Moore, por sua vez, já escreveu para o New York Times, The Atlantic, Washington Post e está profundamente engajado em muitas das questões sociais urgentes do dia, especialmente questões envolvendo o racismo e a sexualidade.
Dito isto, não estou convencido de que até mesmo Keller e Moore, por mais notavelmente talentosos e relevantes que ambos sejam, possam preencher o papel que Jacobs parece estar descrevendo. Em uma nação de subculturas fragmentadas unificadas somente por uma crença no individualismo expressivo apoiada pelo governo e o mercado, não tenho certeza se o problema pode ser adequadamente respondido por alguém tão próximo ao establishment como Keller e Moore.
Por mais valioso que o trabalho deles seja (e eu possuo um respeito e uma gratidão enormes por ambos!), o melhor que cada um deles pode esperar alcançar em um nível cultural é nos afastar do apocalipse e nos levar a uma dhimmitude cultural. Que fique claro que isto não é uma crítica a qualquer um deles, nem um destaque ao trabalho que eles estão fazendo. Existem muitas pessoas que conheceram Jesus graças ao ministério de Keller e nunca devemos nos esquecer como isto é significativo.
Da mesma forma, Moore tem sido instrumental em defender publicamente as proteções à liberdade religiosa e foi instrumental em vencer o projeto de lei recente da Califórnia que tornaria a vida mais difícil em escolas como a Biola.
Mesmo assim, a variedade de coisas que alguém pode alcançar sendo “pastor em Manhattan” ou “diretor de grupo de ideias preocupado com política pública” é muito, muito limitada. O contexto em que trabalham está simplesmente tão distante que o impacto cultural que eles podem causar em seus respectivos lugares é limitado.
Acredito que a crítica mais fundamental, que deve ser feita intelectualmente, mas somente depois que ela tenha sido estabelecida por meio da construção de comunidades alternativas, precisará ser feita por pessoas que estejam um pouco mais fora do mainstream. Ela precisa vir do tipo de pessoa que tenha capacidade de criar novas comunidades e instituições, em vez de pessoas que estejam trabalhando dentro das diversas instituições fragmentadas que temos hoje.
A resposta a este problema nos leva de volta a Schaeffer. Schaeffer reconheceu muito antes do restante do evangelicalismo que os valores definidores dos Estados Unidos pós-cristão seriam completamente materialistas e centrados em torno da paz pessoal e da riqueza. O ministério de Francis e Edith Schaeffer no L’Abri reconheceu essa fragmentação e a contestou, mas não explicando o cristianismo a uma ordem social que pode ser conciliada com a fé se a requintarmos o suficiente. Em vez disso, a resposta foi modelar um estilo de vida radicalmente diferente para uma sociedade em discordância com a fé nos níveis mais fundamentais e básicos. A hospitalidade do L’Abri, a maneira de Francis falar a respeito do cristianismo como “Verdade Verdadeira” abrangente, a arte oculta incorporada pelo trabalho incansável de Edith… todas essas coisas contribuíram para fazer do L’Abri um abrigo de coerência em um mundo fraturado e em declínio.
Jacobs está certo, então, ao dizer que todos nós precisamos desesperadamente de intérpretes cristãos para ajudar aqueles que estão fora da fé a compreendê-la. Parece, porém, que Jacobs vê a ordem social pós-guerra como sendo basicamente salvável, desde que tenhamos os líderes cristãos certos falando a esse contexto e que abordemos certas neuroses específicas que podem ser tratadas separadamente da ordem democrática liberal mais ampla.
Nesta narrativa, os Estados Unidos pós-cristão que emergiu nos anos 1960 é algo que poderia ter sido evitado com melhor gerenciamento das instituições e uma interação mais cuidadosa com a esfera pública por parte de crentes ortodoxos. Isto me parece ingênuo, considerando o fato de que a economia pós-guerra, que sempre foi hostil à família tradicional, já estava sendo estabelecida no fim dos anos 1940 e começo dos anos 1950.
O que precisamos é de um tipo diferente de intérprete, que seja menos Reinhold Niebuhr (aquela figura do establishment que morou e ensinou em Nova York), e que seja mais como Francis Schaeffer, o missionário em exílio, muito afastado dos centros de poder e influência, e melhor equipado para falar a esse público de maneiras distintamente cristãs precisamente por conta de sua distância em relação a eles. Precisamos reconhecer que o projeto social ocidental moderno (se é que ele sequer chega ao nível de “projeto social”) não é algo que pode ser conciliado com a fé ao simplesmente fazermos algumas alterações básicas à máquina. O individualismo expressivo apoiado pelo governo e o mercado é o princípio fundador do mundo ocidental de hoje. E não pode haver salvamento de tal projeto.
Em vez disto, é algo que deve ser criticado de maneira muito mais radical e mantendo-se muito mais com a crítica feita por Schaeffer. Nosso modelo, se Schaeffer estava certo, deve ser o de Jeremias, o profeta chorão que anunciou que havia morte na cidade.
Traduzido por Jonathan Silveira.
Texto original: Francis Schaeffer and Christian Intellectualism. Mere Orthodoxy.
Jake Meador é graduado pela University of Nebraska-Lincoln onde estudou língua inglesa e história. Mora em Lincoln com sua esposa Joie, sua filha Davy Joy e seus filhos Wendell e Austin. Seus escritos já foram publicados na Christianity Today, Fare Forward, University Bookman, Books & Culture, First Things, Front Porch Republic e The Run of Play. |
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4 Comments
Schaeffer trás aos leitores coisas difíceis de se pensar porém escreve de forma bem simplis e de ótima compreenssão. Amo ler livros deste autor.
Maravilhoso poder investir em um tempo de escassez de ócio, textos tão bem escritos neste site. Que Deus continue iluminando a todos os redatores e participantes!
Muito obrigado pelo encorajamento, Roque!
Excelente artigo! Estudei e vivi com a família Schaeffer em L’abri, uma experiência transformadora! O artigo tem uma leitura correta, ao meu ver, e oferece uma alternativa! Isso era algo que tanto Edith quanto Francis insistiam: o mundo tem direito de conhecer a alternativa da verdade!