O Antigo Testamento relata dois momentos determinantes na juventude do rei Davi. O primeiro aconteceu quando o profeta Samuel visitou a casa do menino procurando pelo homem que algum dia seria o rei de Israel. O filho mais novo e candidato menos provável, Davi, deixou de cuidar das ovelhas para receber a unção e então voltou ao trabalho.
O segundo momento foi quando Davi enfrentou Golias em uma disputa que determinaria o resultado de uma batalha.
É o tipo de coisa que faz parte da cinematografia épica — colinas lotadas de milhares de soldados se acotovelando, armamentos tinindo e risco iminente.
Precursores dos gregos antigos, os filisteus estavam acostumados a decidir batalhas em uma arena — no estilo dos gladiadores — e não em combate corpo a corpo entre exércitos. O exército filisteu certamente se sentiu confiante naquele dia com um guerreiro gigante como Golias nas suas fileiras. Mas eles não contavam com o moço que cria que seu Deus era capaz de qualquer coisa. Passando entre as tropas de soldados de Israel, as perguntas inocentes de Davi foram recebidas com choque e escárnio. O moço, por sua vez, ficou perplexo com a falta de fé de Israel.
Até mesmo o rei estava com medo. “Você não sabe por quem está lutando?”, Davi talvez tenha perguntado a Saul. “Onde está sua confiança nele?”
A coragem que Davi havia exibido como menino defendendo as ovelhas de seu pai de animais selvagens agora defenderia o povo de Deus de um assassino ímpio. E a mesma confiança no Deus dos seus pais marcou sua vida nos anos seguintes.[1] Davi era pastor, guerreiro, herói e rei conquistador, um testemunho vivo de vigor e fé.
E ele também era poeta.
Muitos dos salmos foram escritos por Davi, escritos durante várias épocas de sua vida. Há salmos que louvam a Deus por libertação, exaltam sua majestade, celebram sua fidelidade e confessam pecados contra ele. Também há múltiplos salmos davídicos que expressam lamento e sofrimento. Com paixão e ternura, Davi colocou para fora os seus medos, sua angústia e suas lágrimas.
No salmo 42, vemos sua dependência da graça preciosa de Deus.
Assim como a corça anseia pelas águas correntes, também minha alma anseia por ti, ó Deus! Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e verei a face de Deus? Minhas lágrimas têm sido meu alimento dia e noite (Sl 42.1-3).
Esse não era um homem que reprimia as suas emoções. Ele não era acanhado, reticente, reservado. Ele se abria diante de Deus, expressando a profundidade das suas aflições.
E não foi somente por um breve momento que os olhos de Davi ficaram embaçados. Não foi somente uma lágrima solitária que escorreu pelo seu rosto corado. Não, as suas lágrimas eram seu “alimento dia e noite”. Ele chorou, ele lamuriou, ele desabafou diante de Deus e, ao compor o salmo, permitiu que incontáveis gerações de peregrinos participassem de sua jornada.
Como homens, às vezes você e eu achamos que devemos suprimir as nossas emoções, pedir desculpas por elas ou escondê-las daqueles na nossa casa que somos chamados a proteger. Achamos que essa sensibilidade expõe a nossa fraqueza. Isso não é assim. A realidade é que muitas vezes é a demonstração da nossa fraqueza que reprime as nossas lágrimas. Davi, um homem de verdade, não tinha esse problema.
Se isso não é suficiente para você e para mim, considere outro Homem — o maior e mais importante filho de Davi, Jesus. O versículo mais curto da Bíblia inteira ainda assim causa um grande impacto. Jesus havia voltado às suas amigas queridas, Maria e Marta, que estavam de luto pela morte do irmão delas, Lázaro. E João, em seu Evangelho, nos diz de forma simples e elegante: “Jesus chorou” (Jo 11.35).
E essa não seria a última vez que Jesus exibiria sentimentos abertamente.
Na noite em que ele foi traído, Lucas nos diz:
E, cheio de angústia, orava mais intensamente; e seu suor tornou-se como gotas de sangue, que caíam no chão (Lc 22.44).
Portanto, se Jesus — de fato um homem de verdade — expressou as suas emoções em meio a circunstâncias excruciantes, isso significa que somos melhores do que ele quando escondemos as nossas? Não, não significa.
Não devemos deixar as nossas emoções nos dominar. Mas não devemos reprimi-las, nem as afastar. Isso não é força; é desonestidade. Precisamos nos lembrar das palavras da primeira música que talvez tenhamos aprendido na igreja: “Nós somos fracos, mas ele é forte”.
Homens de verdade podem sentir e expressar emoções profundas. Quando fazemos isso, na verdade é prova de que somos homens com um coração como o de Deus.
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[1] Adaptado de Ann Spangler; Robert Wolgemuth, Men of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 2010), p. 160-2 [edição em português: Eles: 54 homens da Bíblia que marcaram a história do povo de Deus, tradução de Neyd Siqueira (São Paulo: Mundo Cristão, 2004)].
Trecho extraído da obra “Mentiras em que os homens acreditam e a verdade que os liberta“, de Robert Wolgemuth, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2020, pp. 83-86. Traduzido por Daniel Hubert Kroker. Publicado no site Tuporém com permissão.
Robert Wolgemuth é autor de mais de vinte livros, entre eles She calls me daddy, Dad’s devotional Bible, The most important place on earth e What’s in the Bible, este em coautoria com o dr. R. C. Sproul. Robert é casado com Nancy DeMoss Wolgemuth e tem duas filhas e cinco netos. |
Nesta obra, Robert Wolgemuth mostra como podemos responder com a verdade do evangelho às mentiras sobre Deus, nós mesmos, o pecado, a sexualidade, o casamento, o trabalho e o mundo. Ao ler este livro, você descobrirá que essas mentiras têm tirado sua alegria e liberdade, além da intimidade com Deus e com outras pessoas. Será relembrado de que sempre pode correr para Jesus, o Salvador, pedindo humildemente que ele o encha de seu Espírito e trave suas batalhas. Chegou a hora de desmascarar as estratégias de Satanás e fazer uso da arma que Deus nos deu para a batalha: a verdade, a única capaz de mudar todas as coisas. Publicado por Vida Nova. |