Michael Curry e o casamento real: Uma estrela da Igreja Anglicana oferece ao mundo um cristianismo light | Gavin Ashenden

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Bispo Michael Curry pregando no casamento real britânico.

O mundo está falando, com razão, sobre o sermão de casamento de Michael Curry. Ele foi esplêndido. Ele é um ótimo pregador, mas ele também ofereceu a todos nós um vislumbre da diferença dramática entre dois tipos de cristianismos que são muito diferentes um do outro na Comunhão Anglicana.

No momento os chamaremos de “cristianismo integral” e “cristianismo light”.

Devo reconhecer que o “cristianismo light” pode ser muito atraente. Ele alcança onde as pessoas estão necessitadas e as encoraja. Ele alcança onde as pessoas estão ansiosas por uma boa mudança e promete-lhes que a mudança pode vir. Ele fala continuamente de amor e esperança. Todo mundo gosta de ouvir sobre amor e esperança. Mas ele tem três falhas sérias: ele não define o amor, nunca cumpre o que prometeu e não é o que Jesus pregou.

É claro que foi maravilhoso presenciar uma celebração de amor no contexto romântico e erótico de um casamento (as comentaristas continuaram dizendo: “veja como Meghan está sensual naquele vestido”, mostrando que não são apenas homens que objetificam e sexualizam o que veem).

Há um trabalho teológico sério a ser feito aqui. Os dois teólogos que tratam disso melhor, ou talvez de fato tratem disso, são Dante e o poeta inglês (e membro dos Inklings[1]) Charles Williams. Eles sugerem que o amor romântico é um tipo de teofania onde, por um momento, o amante vê o amado através dos olhos de Deus, compreendem quão amados eles são por seu criador e redentor e comprometem-se, como amantes, a permitir que sua visão romântica e erótica seja transformada além de si mesma para o ágape, um amor que transcende os limites da condicionalidade e mutualidade.

Mas Michael Curry não incomodou seu público mundial com a cristianização do cupido e do eros. Ele simplesmente aceitou cupido e eros e celebrou a maneira como eles eram maravilhosos.

Até mesmo um teólogo amador poderia retrucar-lhe: “deuses errados, Bispo Curry”.

Então ele mudou para política, como todos os progressistas fazem. Eu suspeito que isso seja assim porque eles têm pouca experiência com a metafísica, e uma maneira simples e imediata de contornar isto é aproveitar a política tanto para provar que algo acontece quando você recebe a Deus quanto para encontrar um modo de fazer a diferença de uma forma que as pessoas possam apoiar, porque todos nós estamos tão cansados de dor e injustiça.

Esta é a esperança que sempre nos decepciona. São os profetas hebreus que nos dão ânimo e ação a esta esperança. Somente eles veem Deus fornecendo transformação política e pessoal no fim dos tempos, só então o leão se deitará com o cordeiro, só então as lágrimas serão removidas de nossos olhos, pelo próprio Deus e não por um exército de conselheiros emotivos da utopia progressista.

Curry disse ao mundo que Harry e Meghan se amavam tanto que veríamos o “fim da pobreza”. Claro, isto estava relacionado à condição de que todos se amassem tanto quanto Meghan e Harry, relacionado à condição de que ninguém tivesse ciúmes ou terminasse o amor, ou ficasse entediado um com o outro. Mas ele não apontou isso, embora isso seja, é claro, o que acontece com quase todos. Este término do amor, esta saída da atração gravitacional do romance e do eros acontece, em algum momento, a todos os amantes.

O Evangelho segundo Hollywood (as coisas são do jeito que são) te direciona a abrir mão de seu amor original, uma vez que eles não lhes dão o que você precisa e o substituem com outro. Cupido é um deus exigente, feliz em sacrificar seres humanos aos sentimentos de paixão narcisista erotizada que ele causa.

Como a condição não é e nem pode ser mantida, Curry enganou as pessoas.

Enganar as pessoas em nome de Deus não é o dever de um bispo cristão, mesmo que, como twittou Ed Milliband: “Este bispo quase me fez acreditar em Deus”. Sim, quase. Mas ele não fez Milliband acreditar em Deus, e se tivesse, este não teria sido de forma alguma o Santo Deus de Israel e dos profetas e de Seu Filho Jesus Cristo. Este teria sido o deus do romantizado e erotizado eu, um deus menor, um deus falsificado.

E, mesmo assim, se a mensagem do cristianismo light só atinge o “quase” de Milliband, esta não é uma razão encorajadora, este é um julgamento sobre a sua ineficácia, a despeito do centro de seu conteúdo original ter sido esvaziado.

Essa foi uma pièce de résistance[2], exemplo do tipo de fé vazia que Richard Niebuhr descreve, de modo tão forense, como consistindo de “um Deus sem ira que trouxe homens sem pecado para um Reino sem julgamento através dos auxílios de um Cristo sem cruz”.

Curry prometeu:

“Quando o amor é o caminho – abnegado, sacrificial, redentor; Quando o amor é o caminho, então nenhuma criança vai para a cama com fome neste mundo novamente. Quando o amor é o caminho, deixamos a justiça correr como as águas e a retidão como um ribeiro perene. Quando o amor é o caminho, a pobreza se torna história. Quando o amor é o caminho, a terra se tornará um santuário.”

Esta é, majoritariamente, a visão daqueles que creem no progresso humano. Tiram-no da Bíblia e começam a implementá-lo como um programa político, despojado do restante da visão do Evangelho. Mas a visão utópica que forma a esquerda é apenas metade da história e a aliança que o cristianismo light faz com a esquerda é condenada ao fracasso.

A atração do cristianismo light pela política progressista forja um vínculo entre a fé e o socialismo. Este é um vínculo semelhante à admiração que um pato pode ter por um urso. O olhar de admiração é o que resulta no urso comer o pato. O olhar de admiração entre o cristianismo light e a esquerda termina em Stalin ou Mao ou nos norte-coreanos atacando a igreja e devorando-a.

Apesar dos melhores esforços da retórica de Martin Luther King ou da teologia da libertação na América do Sul ou dos padres operários nas fábricas francesas, o reino dos céus foi engolido e digerido pelos regimes esquerdistas.

Não havia fim para a escravidão, ela permanece conosco hoje metamorfoseada, debaixo de nossos narizes, em gigantescas redes de prostituição e de mulheres traficadas como escravas sexuais… seres humanos não melhoram. Eles não se transformam automaticamente. Não, Bispo Curry, o fim da pobreza não está mais próximo depois das núpcias de Meghan e Harry. Mas, então, se você tivesse lido todo o Evangelho, teria encontrado Jesus lhe dizendo isso.

Teria sido mais cristão alertar o mundo e lamentar que “os pobres sempre estarão conosco”. Mas isso não tem a mesma atração que uma frase de efeito. Isso nos leva a considerar que o cristianismo light difere do cristianismo integral.

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Jesus ensinou que os pobres sempre estarão conosco. Ele ensinou que a política deste mundo não mudará. Algumas vezes ela ficará muito pior e outras vezes apenas um pouco pior. Ele ensinou que seus discípulos precisavam falar e convidar pessoas para o Reino dos Céus, não uma utopia política inexistente.

Mas o lugar onde o “integral” difere do light de Curry era na encruzilhada do arrependimento. O deus que Curry pregou foi um deus que oferece amor romântico e erótico com generosidade amistosa e sem qualquer precondição.

Mas Jesus disse que havia precondições e elas eram a rendição do ego, o arrancar dos olhos que ofendiam, o cortar das mãos que agarravam na direção errada; aquelas coisas estavam condicionadas ao arrependimento.

Na encruzilhada, Jesus nos ordena a voltar atrás, a fim de encontrar o caminho estreito que é o caminho de Deus para o reino que nós perdemos porque era estreito ou evitamos porque ele era muito íngreme.

“Volte, Ó homem”, como o musical Godspell compreendeu com mais precisão. “Esquece teus modos insensatos.”

Mas não havia encruzilhada no cristianismo light, apenas a promessa da utopia política, econômica e ecológica além do horizonte, se apenas mais pessoas se apaixonassem como Meghan e Harry.

Não é verdade, mas de fato é uma “inverdade”, Bispo Curry, e a mais séria distorção do ensinamento de Jesus, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. A mentira não serve a ele.

Apenas quando o ego está rendido, somente quanto o romance e o eros são destronados, somente quando uma pessoa chega ao fim de seu limite natural, o Senhor pode ser convidado e o processo de transformação pessoal começa.

Sim, sem dúvida, se pessoas suficientes se converterem em arrependimento a Jesus, poderemos ver sociedades melhores. Nós seguimos o reavivamento Wesleyano. Nós seguimos o reavivamento Tractariano[3]. Mas Bispo Curry não escolheu acrescentar a condição “se pessoas suficientes se converterem a Jesus”.

É claro, como o Daily Mail e outros meios de comunicação divulgaram, o Bispo Curry é um famoso defensor da homossexualidade e do transgenerismo. É claro que ele é, pois se não há exigência de arrependimento, então na preferência neomarxista por aqueles que estão na base das estruturas de poder significa que, independentemente da ética sexual do Novo Testamento, o amor homossexual e a disforia de gênero precisam de promoção e proteção especiais.

Eles de fato precisam se você implementar a visão de um mundo reeducado de acordo com as dinâmicas de inversão de poder, o que está no coração do projeto neomarxista.

Mas a ética do poder Marxista que favorece as minorias não é encontrada na boca de Jesus.

Na boca de Jesus encontramos um chamado ao arrependimento e um incentivo à mais alta ética da moralidade sexual.

Antes de Jesus, na Lei e nos Profetas, e depois dele em São Paulo e na Igreja Apostólica, nós encontramos esses ensinamentos articulados em detalhes. O sexo homossexual, biologicamente estéril como ele é, juntamente com o sexo fora do casamento, deve ser evitado para sermos puros aos olhos de Deus, e há o aviso de que somente aqueles que são puros podem ver e compreender Deus, uma circularidade que não deve ser perdida por aqueles que promovem desordem biológica e espiritual.

Política de identidade é o oposto do cristianismo integral. Pois em Jesus não há adjetivos atributivos. Não há grupo em Jesus, apenas uma humanidade reconciliada e despojada de suas tribos, ou seja, cor, gênero ou poder, como São Paulo tão poderosamente evoca em Gálatas 3, um texto que é intencionalmente torcido pelos promotores das políticas de identidade.

E para aqueles que não conseguem atingir o mais alto nível de moralidade? Há perdão e ajuda – mas somente condicionada ao arrependimento.

Ao privar a audiência mundial da promessa que repousa no centro do convite de Deus ao arrependimento, Bispo Curry priva-os da própria transformação que ele estava lhes oferecendo.

Por que se recusar a concordar com o zeitgeist[4] da corte de impopularidade e a má compreensão a respeito da ética pessoal e de identidade? Porque é isso que Jesus ensinou.

E frente ao grande discurso persuasivo do Bispo Curry, apenas alguns ouvirão e consentirão em ser transformados. Apenas alguns seguirão e encontrarão a pérola de grande valor. Os outros exigirão a utopia em seus próprios termos e tragicamente cairão em uma distopia de aflição, um mundo onde seus fortes desejos tornam-se em apetites vorazes e convertem-se em anseios que nunca são e nunca poderão ser satisfeitos.

Sim, Bispo Curry, como São João escreveu: Deus é amor. Mas diferente de você, São João define o amor e mostra-nos que ele é um anseio e concordância de desejos que percorre o caminho da cruz, o caminho da renúncia.

Mas se você quer ser popular, não convide as pessoas à renúncia. Bispo Curry não fez isso, mas Jesus fez.

Existem dois tipos de Anglicanismo praticados nos dias de hoje. Um que contém a cruz e arrependimento, que toca e transforma o desejo sexual e outro que não.

Pessoas que não pretendem mudar seu jeito preferem o último.

Foi isto que o Bispo Curry ofereceu-lhes e foi muito bem sucedido, pois Bispo Curry é um grande pregador. Mas isto não mudará nada, porque não era Cristianismo, era cristianismo light.

__________________

[1] The Inklings foi um grupo de discussão informal sobre literatura e seus integrantes eram ligados à Universidade de Oxford, na Inglaterra. Este grupo contava com a presença de homens como J. R. R. Tokien, C. S. Lewis, Charles Williams, dentre outros.

[2] Pièce de résistance é uma expressão francesa que se refere, dentre outros sentidos, a um ato de resistência contra a mudança dos valores tradicionais.

[3] Tractarianismo ou Oxford Movement foi um movimento litúrgico e teológico por parte de alguns clérigos da Igreja Anglicana que desenvolveu-se no chamado Anglo-catolicismo.

[4] Zeitgeist é uma palavra alemã que significa espírito da época ou espírito do tempo e se refere ao clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

Traduzido por Tiago Silva e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Michael Curry & the Royal Wedding. A star-turn offers the world ‘Christianity-lite’.

Gavin R. P. Ashenden é britânico, clérigo Anglicano e Bispo missionário da Christian Episcopal Church e blogueiro (em ashenden.org). Ele faz parte da Anglican Continuum, uma jurisdição à parte da comunhão Anglicana e serviu na Honorary Chaplain to the Queen entre 2008 e 2017.

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