Moisés sem o sobrenatural – “Êxodo: Deuses e Reis”, de Ridley Scott | Albert Mohler Jr.

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Cronometrado para a temporada de lançamentos do Natal, o filme projetado para ser um sucesso, do diretor Ridley Scott, “Êxodo: Deuses e Reis”, foi aos cinemas na semana passada. No final de semana de sua estreia, o filme liderou o topo da lista dos anúncios, ultrapassando “Jogos Vorazes”.  Apesar das elevadas expectativas, o filme deixou a desejar.

A análise mais sucinta do filme sobre a falha em obter boas críticas ou mais expectadores é feita por Eric D. Snider, de “GeekNation”:

“O filme não é mentiroso o suficiente para ser ultrajante, tocante o suficiente para ser inspirador ou interessante o suficiente para ser bom.”

Bom, concordo com os dois primeiros argumentos, porém achei o filme interessante. De fato, confesso que gostei de boa parte do longa, de modo que não diria que cristãos maduros e sensatos não deveriam assisti-lo. Porém, é necessário ter cautela. E, não se engane, muita cautela!

Há alguns meses, o diretor Darren Aronofsky ofendeu os fiéis com sua reprodução distorcida de Noé. O Noé de Aronofsky trouxe um retrato do personagem como um maníaco homicida que teve uma alucinação sobre a vontade de Deus depois de tomar uma poção oferecida por Matusalém.  A humanidade é retratada como uma maldição sobre a terra. O próprio diretor gabou-se, dizendo que o filme foi “o filme menos bíblico já feito.”

O Moisés de Ridley Scott não está na mesma categoria, em grande parte porque há tantos detalhes da narrativa do Êxodo na Bíblia, que o diretor teve que simplesmente trabalhar com elas. Não há criaturas “Transformers” inventadas em Moisés e muitas cenas e detalhes do filme são totalmente fiéis ao texto bíblico. Na verdade, a representação de Scott das dez pragas que Deus enviou ao Egito é fascinante — muito mais tocante que as mesmas cenas ilustradas por Cecil B. De Mille, no filme “Os dez mandamentos”. A última praga, a morte dos primogênitos, é absolutamente fantástica e a cena é profundamente emotiva.

As críticas aumentam. Críticos de cinema têm a tendência de ser excêntricos e, alguns deles, quase impossíveis de agradar.  Geralmente sucesso com a crítica e popularidade não estão diretamente relacionados. Contudo, alguns apontamentos são bastante legítimos . A “Public Radio International” publicou uma importante crítica, indicando que Hollywood tem Problema Racial”. Nas telas, todos os papéis de liderança são protagonizados por atores brancos, mesmo os antigos egípcios certamente não terem sido caucasianos. De acordo coma PRI , “Ramsés, o faraó egípcio que escravizou os judeus no Antigo Testamento, é interpretado por um ator branco. Na verdade, todo o elenco de líderes de “Êxodo: Deuses e Reis” é branco. Moisés e sua mãe são brancos, o Príncipe do Egito é branco, a rainha africana também”.

Como se não bastasse ser todos brancos, os personagens principais falam como se tivessem estudado em Oxford ou Cambridge.  Esse quadro é típico dos filmes de Ridley Scott, com gravitas tendo sotaque britânico. Desnecessário dizer que os tons de pele e sotaques não estão de acordo com a história original.

Mas o fato aponta para uma dimensão ainda mais perturbadora do filme. A narrativa não casa com a história real. Ela falha como um todo mais do que em suas partes.

O que faltou foi o propósito do Êxodo na história bíblica e na teologia. O que faltou foi a verdade. Que Deus agiu ao longo da história com fidelidade de acordo com a promessa que havia feito a Abraão, resgatando Israel do cativeiro do Egito. Na versão de Ridley Scott, Deus está obscuro juntamente com seus propósitos, motivações e personagem. Como substituto, vemos um menino de 11 anos que aparece a Moisés como teofania, ou aparição divina. As supostas palavras de Deus saem da boca de um menino pequeno, que aparece como ser inamovível na narrativa do filme.

Quanto a Moisés, a imagem passada pelo ator Christian Bale atribui o chamado divino de Moisés a uma severa batida na ponta de uma pedra seguida de o que pode ser interpretada como alucinação, envolvendo um menino de 11 anos falando com Moisés atrás de um arbusto que pegava fogo, mas não era consumido. O que ficou de fora da encenação foi qualquer explicação de que Deus havia escolhido usar Moisés como instrumento para tirar Israel do cativeiro e que Ele estava agindo em fidelidade à promessa feita a Abraão. Moisés aparece como chefe de uma tribo, general astuto e máquina de matança, enraizado na ideia que Scott apresenta em relação à experiência de Moisés como um grande general durante sua vida como príncipe do Egito. Moisés parece, ao longo do filme, nunca entender o propósito divino que permeava suas façanhas militares e seu relacionamento com Deus era, no mínimo conturbado.

Vale ressaltar que o relacionamento de Moisés com Deus na Bíblia também é, no mínimo conturbado. Afinal, Moisés não tem a permissão de Deus para guiar os filhos de Israel até Canaã. No entanto, a Bíblia firmemente apresenta Moisés no contexto de seu chamado e seu chamado no contexto da promessa. O filme deixa o público com uma visão de Moisés cavalgando rente ao que aparentemente seria a arca da promessa enquanto Israel segue em frente na divisão do Mar Vermelho. Mas tanto a arca como a aliança, nunca são identificadas.

Os problemas com o filme poderiam ser previstos, dadas as fortes declarações feitas tanto por Ridley Scott como Christian Bale, mesmo anteriormente à estreia do filme. Ridley Scott deixou claro que não acreditava que Moisés realmente havia existido e que Êxodo não deveria ser levado como sendo historicamente correto. Ele disse à “Religion News Service” que enxergava o filme da mesma forma que ficção científica. “Por nunca ter acreditado nisso, tive que me convencer em cada cada passo sobre o que fazia sentido ou não e sobre o que eu podia aceitar ou rejeitar. Portanto, tive que tomar decisões próprias e lutar minhas próprias batalhas internas”.

Segundo esse princípio, Scott apresenta as pragas e milagres como sendo eventos naturais. Diferentemente de Cecile B. DeMille, Scott não forneceu uma versão sobrenatural do milagre no Mar Vermelho. Ele descreveu seu dilema:

“Eu tenho que dividir o Mar Morto, mas não vou fazer isso porque não acredito nisso. Não acredito que possa dividir o Mar Morto e continuar espirrando água de cada um dos lados. Sou uma pessoa extremamente prática. Parti do pressuposto que todos os elementos baseados na ciência vêm de uma ordem ou desordem natural – ou das mãos de Deus, se você quiser mostrar essa ótica”.

Presume-se que Scott quis dizer Mar Vermelho, não Mar Morto.

Bem, Ridley Scott mostrou todos os episódios sob a ótica naturalista, ou ao menos tentou. A esse respeito, o aspecto mais interessante do filme foi o papel interpretado por um nervoso vizir a serviço de Ramsés, que se esforçou ao máximo para transmitir uma imagem rigidamente naturalista como explicação para a sucessão das pragas. O vizir aparece como um antigo desmistificador, oferecendo explicações naturais envolvendo barro vermelho do Nilo e uma complicada série de pragas ambientais como consequência. Tais explicações poderiam parecer familiares para qualquer um versado no sistema bíblico educacional liberal. Na versão de Scott da história, o que ocorreu de fato no Mar Vermelho foi a vazante das águas devido a um tsunami após um terremoto.

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Apesar de suas convicções, entretanto, a reprodução de Scott das pragas parece bastante sobrenatural— especialmente a última praga, a morte dos primogênitos .O antissobrenaturalismo de Scott  o abandona na praga final e não se esquiva de apresentar o horripilante julgamento divino aos egípcios, que se definhavam. As cenas de meninos mortos e morrendo é profundamente tocante.

O retrato de Moisés como um guerreiro tribal foi justificado pelo ator Christian Bale, que falou ao programa “ABC Nightline” que Moisés, na sua perspectiva, foi um dos indivíduos mais bárbaros sobre o qual havia lido em sua vida. Christian Bale talvez não tenha lido muito, mas suas palavras traem o aspecto do Moisés real encontrado na Bíblia. De onde ele tirou essa informação sobre o Moisés “bárbaro”?  Na verdade, nessa entrevista com Nightline e em outras, Bale revelou a real questão.  Assim como Ridley Scott, ele acredita em um ponto de vista não-sobrenatural. Os comentários de Christian Bale indicam que ele aparentemente atribui a autoria das pragas à Moisés e não a Deus. Mesmo assim, no longa, o menino de 11 anos demonstra frustração com o lento progresso de Moisés em face a libertação do povo e diz a ele que “assista” enquanto desencadeia as pragas.

O filme abriu questionamento para o público sobre o Moisés histórico. No jornal Guardian, Andrew Brown declara: “Não há caráter histórico de Moisés, assim como não há embasamento arqueológico para considerar que qualquer relato do Êxodo tenha ocorrido de fato.”

Brown então escreveu:

“Uma vez que a prática central que marca a identidade judaica é o festival da Páscoa, que comemora o momento em que Moisés libertou o povo da escravidão do Egito, a falta de evidência fora da história bíblica é potencialmente embaraçosa, diz Rabbi Laura Janner-Klausner, líder da Reforma Judaica de seu país [Inglaterra]: ‘Quando fiquei sabendo pela primeira vez sobre a possibilidade de o Êxodo não ter acontecido, eu quis chorar… Então pensei: O que importa? É preciso saber distinguir entre a verdade e a historicidade.’”

Esse é o grande anseio da teologia liberal — que saibamos  “distinguir o que é verdade e o que é historicidade.” O artigo de Brown continua citando várias autoridades judaicas com o objetivo de argumentar que realmente não é relevante para o judaísmo se Moisés existiu ou não. Brown citou ainda um rabi ortodoxo que apontou que os mandamentos dados por Deus é que devem ser considerados históricos e não Moisés. Brown também ressaltou que o Judaísmo Ortodoxo requer a crença de que Moisés escreveu os primeiros cinco livros da Bíblia, levando à pergunta óbvia sobre como podemos ter autoria mosaica sem Moisés. Alguns podem concluir que outras autoridades do Judaísmo Ortodoxo discordariam do rabi em questão.

De qualquer forma, o fato que permanece é que mesmo se o Moisés histórico não for o centro do judaísmo contemporâneo (de acordo com alguns), o Moisés histórico é vital e essencial para o Cristianismo. Moisés é uma personagem-chave da narrativa bíblica de Israel e da meta-narrativa do próprio Evangelho. Jesus é o novo Moisés, libertando Seu povo do cativeiro do pecado. Moisés é o advogado divinamente comissionado. Jesus Cristo é o Salvador que segue perfeitamente a lei e redime a humanidade pecaminosa. A Bíblia claramente apresenta o Êxodo como fato e a história do Cristianismo é construída sob esse fundamento histórico.

Como filme, Êxodo: Deuses e Reis é uma salada. Fiquei profundamente emocionado com partes do filme e confuso ou perturbado com outras. Mas, no final das contas, talvez a melhor maneira de entender o Moisés de Ridley Scott é colocá-lo no contexto dos comentários do diretor. Ele disse à “Religion News Service”:

“Quaisquer liberdades que eu tenha tomado em termos de como eu mostrei essas coisas, foram, eu acho, razoavelmente seguras, pois sempre me baseio no plano da realidade, nunca no da fantasia… Então o filme tinha que ser o mais real possível.”

O mais real possível, em outras palavras, da versão de Ridley Scott “dessas coisas” pode ser apresentado como o “plano da realidade” de acordo com a definição que o diretor tem de realidade. O que vemos no filme é Moisés sem o fator sobrenatural. Resumindo, é como ele decidiu “mostrar”.

Acaba que o verdadeiro vizir da história não é nada menos que Ridley Scott.

Traduzido por Isabella Franco e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original aqui.

Albert Mohler Jr. é presidente do Southern Baptist Theological Seminary - instituição do Southern Baptist Convention e um dos maiores seminários no mundo.

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