O argumento do trilema de C. S. Lewis (Mentiroso, Lunático, ou Senhor) é falacioso? | Justin Taylor

Oração: Encontrando um Deus pessoal | Timothy Keller
01/set/2016
Revelação Geral e Revelação Especial – Uma abordagem reformada sobre a relação entre Ciência e Escrituras | Keith Mathison
23/set/2016

C. S. Lewis (1898-1963)

C. S. Lewis popularizou o argumento de que Jesus ou era um mentiroso, um lunático ou o Senhor. Contudo, como Kyle Barton demonstrou, não foi Lewis quem o inventou.

Em meados do século XIX, o pregador cristão escocês, “Rabbi” John Duncan (1796-1870) elaborou o que ele chamou de “trilema”. Em Colloquia Peripatetica (p. 109) vemos esse argumento de Duncan a partir de 1859-1860. A numeração a seguir é minha.

Cristo (1) enganou a humanidade com uma fraude de forma intencional, (2) Ele próprio era iludido e enganado sobre si mesmo ou (3) Ele era Divino. Não há como livrar-se desse trilema. Ele é inevitável.

Em 1936, Watchman Nee formulou um argumento semelhante em seu livro, Normal Christian Faith. Uma pessoa que alega ser Deus deve pertencer a uma dessas três categorias:

Primeiro, se ele alega ser Deus e de fato não é, ele deve ser louco ou lunático.

Segundo, se ele não é Deus e nem um lunático, deve ser um mentiroso, enganando os outros com sua mentira.

E terceiro, se ele não é nenhum desses três, ele deve ser Deus.

Você só pode escolher uma dessas três possibilidades.

Se você não acredita que ele seja Deus, você deve considerá-lo louco.

Se você não consegue vê-lo como nenhum desses dois, você tem de vê-lo como um mentiroso.

Não há necessidade de provarmos se Jesus é Deus ou não. Tudo que temos de fazer é descobrir se Ele é um lunático ou um mentiroso. Se Ele não for nem um nem outro, ele deve ser o Filho de Deus.

C. S. Lewis, falando em 1942 (e depois publicado na obra “Cristianismo Puro e Simples” em 1952), deu ao argumento a sua formulação mais memorável:

“Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: “Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.” Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la. […] Agora, parece-me óbvio que Ele não era nem um lunático nem um demônio, consequentemente, por mais estranho, assustador e inacreditável que possa parecer, tenho que aceitar a ideia de que Ele era e é Deus.” (Cristianismo Puro e Simples)

Este é um bom argumento?

Podemos colocá-lo da seguinte forma:

  1. Se Jesus não fosse Senhor, ele seria um mentiroso ou um lunático.
  2. Jesus não era um mentiroso nem um lunático.
  3. Portanto, Jesus é Senhor.

Para determinar se este argumento é consistente, temos que fazer três perguntas:

  1. Os termos são claros?
  2. É logicamente válido?
  3. As premissas são verdadeiras?

Eu daria as seguintes respostas:

  1. Sim, os termos são claros.
  2. Sim, é logicamente válido; a premissa 3 se segue das premissas 1 e 2 conforme as regras da lógica (Modus Tollens: a negação do antecedente da premissa 1 pode ser inferida pela negação de seu consequente).
  3. Mas não, o argumento não é consistente, pois nem todas as premissas dele são necessariamente verdadeiras. Como William Lane Craig observa em seu livro “A veracidade da fé cristã”, a primeira premissa deixa de fora/omite outras opções possíveis e, portanto, é falsa[1]. Há outra alternativa: talvez o Jesus apresentado na Bíblia não seja o verdadeiro Jesus da história. É possível que o Jesus da Bíblia não seja um mentiroso, um lunático ou o Senhor, mas sim uma lenda. Em outras palavras, o Jesus da Bíblia não é o Jesus da história e, assim sendo, suas afirmações acerca do que deve ser creditado ao Jesus da Bíblia não conduzem a conclusões a respeito do real senhorio do Jesus da história.

Entretanto, C. S. Lewis pode ajudar com a refutação nesse ponto.

Em um ensaio de 1950, intitulado “What are we to make of Jesus?” (O que devemos fazer com Jesus?), Lewis lida com algumas alegações surpreendentes de Jesus sobre si mesmo nas Escrituras, insistindo que não se pode chegar à conclusão de que ele foi simplesmente um “grande professor da moral”. Se o que Ele disse é verdade, afirma Lewis, então, tais dizeres são os de um “megalomaníaco”.

“Em minha opinião, a única pessoa que pode dizer esse tipo de coisa ou é Deus ou um louco completo sofrendo de algum delírio, o qual compromete toda a mente do homem. Se você acha que é um ovo cozido, quando não está à procura de uma torrada para se satisfazer, você pode estar são, mas se você pensa ser Deus, você é um caso perdido. Podemos observar por alto que Ele nunca foi visto como um mero mestre da moral. Ele não produziu esse efeito em nenhuma das pessoas que realmente o conheceu.  Ele causou, em especial, três efeitos: Ódio – Terror – Adoração. Não há indícios de pessoas manifestando aprovação moderada.”

É aqui que Lewis responde à refutação de que Jesus na verdade não disse aquelas coisas; seus seguidores exageraram no relato e a lenda se desenvolveu de modo que ele (Jesus) disse mesmo aquelas coisas. Lewis mostra como seria impensável para os judeus criarem um Deus que se torna homem:

“Isso é difícil, pois todos os Seus seguidores eram judeus, ou seja, pertenciam à nação que, de todas as outras, era a que mais detinha a convicção de que havia um único Deus – que não podia haver outro de forma alguma. É muito estranho que essa terrível invenção a respeito de um líder religioso se desenvolvesse entre o único povo em toda a terra menos passível de cometer tal equívoco. Pelo contrário, ficamos com a impressão de que nenhum de Seus seguidores mais próximos ou até mesmo os escritores do Novo Testamento aceitaram facilmente a doutrina.”

A outra opção é a de que os relatos sobre Jesus foram escritos como sendo lendas. Aqui Lewis se vale de sua habilidade acadêmica:

“Agora, como historiador de literatura, estou plenamente convencido de o que quer que sejam os Evangelhos, lendas eles não são. Tenho lido uma grande quantidade de lendas e é perfeitamente claro para mim que não se trata do mesmo tipo de material. Eles não são artísticos o bastante para serem considerados como lendas. A partir de um ponto de vista imaginativo, eles são desajeitados. Não trabalham os elementos corretamente. A maior parte da vida de Jesus nos é totalmente desconhecida, como o é a vida de qualquer outra pessoa que viveu naquela época, e ninguém que estivesse construindo uma lenda permitiria que assim fosse. Com exceção dos fragmentos dos diálogos platônicos, não há nenhum diálogo que eu conheça, dentro da literatura antiga, como os que estão no quarto evangelho. Não há nada parecido, mesmo na literatura moderna, até há uns cem anos quando surgiu o romance realista.”

Assim, Lewis acha implausível que judeus monoteístas inventariam um Messias encarnado. Ele acredita que os evangelhos, sendo do gênero literário que são, não possuem nenhum vestígio das marcas textuais das lendas, conclusão esta baseada em sua própria experiência de vida acadêmica e de leituras de lendas antigas. Portanto, o Jesus da Bíblia é o Jesus da História. E se este Jesus não fosse o Senhor, seria um mentiroso ou um lunático. Mas ele é verdadeiro (não um mentiroso) e são (não um lunático). Portanto, Ele é Senhor.

Leia também  Razões bíblicas para duvidar que os dias da criação eram períodos de 24 horas | Justin Taylor

________________

[1] Nota do editor: Esse ponto suscitado por Taylor sobre a obra de Craig foi corrigido na segunda edição pelo próprio autor. A segunda edição recebeu o título “Apologética contemporânea: A veracidade da fé cristã” e foi publicada pela editora Vida Nova.

Traduzido por Reginaldo Castro e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: “Is C. S. Lewis’s Liar-Lord-Or-Lunatic Argument Unsound?” The Gospel Coalition.

Justin TaylorJustin Taylor (PhD, The Southern Baptist Theological Seminary) é vice-presidente executivo da editora Crossway. Já editou e contribuiu com diversas obras, incluindo A God-Entranced Vision of All Things e Reclaiming the Center. Escreve no blog Between Two Worlds, no The Gospel Coalition.

7 Comments

  1. Jhonatan Dantas disse:

    Excelente artigo! Deus abençoe cada vez mais o trabalho de vocês! Glória a Deus.

  2. Hugo disse:

    Escrever sobre os livros de Lewis, é de uma riqueza incomparável e capacidade eminente. Parabéns pelo artigo. Tuporém desenvolvi trabalhos com uma envergadura de nível elevadíssimo, é um prestígio para nós leitores.

  3. Marcos Silva disse:

    Parabéns pelo artigo! Muito esclarecedor e edificante!

  4. Meus parabéns, belo, mui belo esse artigo

  5. Roberto Carlos disse:

    É maravilhoso a centralidade de Jesus Cristo nas obras de C S Lewis. Parabéns pelo belo artigo irmão. Deus abençoe. 2Timóteo 3.14-15: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”.

  6. Jonatas Giacomelli Borges disse:

    Artigo fantástico, parabéns.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: