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De acordo com Agostinho, o erro de Lúcifer foi não desejar nenhuma outra fonte de bondade além de si mesmo. “Tentou ser sua própria fonte e por isso caiu. É essa negação fundamental de dependência que nos leva à ruína”.[1] O problema de tentar construir nossa identidade de forma independente é que Aquele que nos criou, que nos ama e tem autoridade para nos dar nome, já nos disse quem somos, do que precisamos e para onde estamos indo. Ele determinou nossa individualidade, o lugar a que pertencemos, nosso propósito e nossa permanência. Deus nos deu uma resposta para o problema de nossa falibilidade.

Deus definiu nossa individualidade ao nos chamar pelo nome. “Mas agora, assim diz o Senhor, que o criou […] e que o formou […]: ‘Não tema, porque eu o redimi; chamei-o pelo nome, você é meu’” (Is 43.1). Ele gravou nosso nome na palma de suas mãos (Is 49.16). Conhece nosso coração e nossos pensamentos (Sl 139). Você não é apenas um entre milhões, um rosto perdido na multidão. No coração de Deus você é singular, inconfundível, com seu próprio nome, escolhido antes da fundação do mundo (Ef 1.4).

Ele definiu nossas relações quando disse: “Eu vos tomarei para ser meu povo, e serei vosso Deus” (Êx 6.7). Declarou: “Eis que a morada de Deus está entre os homens. Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles como o seu Deus” (Ap 21.3). Assim como um homem apaixonado se casa e dá seu nome a sua esposa, Deus nos deu o nome dele. Não precisamos imaginar o que ele pensa a nosso respeito: somos chamados por seu nome (At 15.17).

O propósito de nossa vida é revelar a outros que Deus é maravilhoso e glorificar e desfrutá-lo eternamente. Como os teólogos de Westminster perguntaram e responderam: “Qual é o fim [propósito] principal do homem? Glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre”. Esses homens piedosos estavam simplesmente repetindo a ideia de Paulo em Romanos 11.36: “Porque todas as coisas são dele, por ele e para ele. A ele seja a glória para sempre”. Por que você está aqui? Por que nasceu? Para o glorificar e desfrutar! A bem-aventurança dessa verdade é que ele nos amou e está nos transformando para o glorificarmos já no presente. Os anjos olham para nós — quando pecamos, quando nos esquecemos dele, quando obedecemos a ele por amor, quando obedecemos a ele por orgulho e esforço próprio — e adoram a Deus por seu grande amor e misericórdia. Ele está colhendo adoração para si. O evangelho o faz glorioso!

A permanência de nossa pessoa e de nosso trabalho também foi definida por Deus. Vamos viver na presença dele para sempre (Jo 3.16), e nosso empenho em grata e constante obediência tem efeito eterno (Jo 15.16; 1Co 3.14,15; 15.46). Uma vez que fomos amados por ele, nossa vida não é em vão.

A resposta ao problema de nossa contínua falibilidade e incapacidade foi dada no evangelho. Somos, cada um de nós, mais pecadores e falhos do que jamais ousamos supor, mas somos mais amados e acolhidos do que jamais ousamos esperar.[2] O amor de Deus por nós no evangelho tranquiliza nosso coração e nos dá paz, sobretudo quando percebemos nossos pecados e fracassos.

Podemos nos regozijar porque as perguntas fundamentais acerca de nossa identidade já foram todas respondidas nele. As questões sobre quem somos como indivíduos, o lugar a que pertencemos, o propósito de nossa vida, a permanência de nossa existência e de nosso trabalho já foram respondidas para sempre. Somos amados, acolhidos, adotados, unidos a ele e perdoados. Nada, nem mesmo nosso pecado, jamais mudará o que ele fez.

O evangelho diz que nossa nova identidade está em Cristo somente. Esquecemos, porém, que somos pecadores e falhos e não merecemos respeito. Também esquecemos que fomos amados e acolhidos pela única Pessoa cuja opinião importa de fato. Esquecemos o amor de Deus por nós no evangelho. Nosso problema fundamental não é nosso histórico, nosso ambiente, nossos neurotransmissores nem mesmo nossas escolhas infelizes. Nosso problema é que temos uma identidade funcional que foge à verdade do evangelho. Não levamos em consideração que Cristo nos deu sua identidade: ele é a nossa vida.

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As perguntas que ocupam nosso coração não devem ser: “Por que meus filhos não me respeitam?”; “Por que preciso esperar esse prestador de serviço irresponsável?”; “Por que não consigo um emprego melhor?”; “Por que meu cônjuge, ou meus filhos, ou meus pais, ou meu patrão, ou meu amigo não me dão valor?”. Devemos perguntar: “Por que Deus enviou seu Filho para morrer por mim, um desprezível inimigo dele?” (Rm 5.8,10); “Por que ele fez pecado aquele que não conheceu pecado a fim de que eu pudesse desfrutar todos os benefícios de sua justiça?” (2Co 5.21); “Por que eu, que estava morto em transgressões e degradação, satisfazia todo desejo perverso de meu corpo e de minha mente e era, por natureza, filho da ira, recebi vida juntamente com Jesus?”; “O que me dá o direito de ser participante de sua vida eterna?”; “Por que não estou pendurado em uma cruz?”. A única resposta a essas perguntas é que Deus, sendo rico em misericórdia, nos amou com seu grande amor e nos cobriu com sua graça (Ef 2.2-6)! Essa é nossa identidade!

Diante dessas verdades do evangelho, a profundidade do amor de Deus é tremendamente admirável! A verdade que muitos de nós perdemos e precisamos encontrar a todo custo é que o cristianismo não se resume essencialmente a um programa para ajudar pessoas morais a se aprimorarem. Não! O cristianismo é uma relação baseada na premissa de que não somos bons agora e jamais seremos bons o suficiente nesta vida. Precisamos de alguém que seja bom em nosso lugar, sofra o que merecemos sofrer e viva a vida justa que deveríamos ter vivido. Nosso Redentor assumiu nossa identidade pecadora para recebermos sua identidade justa! Entende que somente Cristo pode definir tudo o que éramos, somos e seremos? Ele é nossa vida! Ele é nossa identidade!


[1] Gerrit Scott Dawson, Jesus ascended: the meaning of Christ’s continuing incarnation (Phillipsburg: P&R, 2004), p. 59.

[2] Creio que essa definição de evangelho veio do pastor Tim Keller.

Trecho extraído da obra “Porque ele me ama: como Cristo transforma nossa vida diária”, de Elyse Fitzpatrick, publicado por Vida Nova: São Paulo, 2019, p. 68-72. Traduzido por Susana Klassen. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Elyse Fitzpatrick (MA em aconselhamento bíblico, Trinity Theological Seminary) trabalha como conselheira no Instituto de Aconselhamento Bíblico e Discipulado (anteriormente CCEF West) e frequentemente dá palestras em retiros e conferências. É autora de Ídolos do coração, Aconselhamento a partir da cruz, Encontrados nele e Por que ele me ama (Vida Nova), além de vários artigos em periódicos sobre o tema dos distúrbios alimentares. Elyse e o marido, Philip, têm três filhos e dois netos.
O amor de Deus tem o poder de mudar vidas.

Por isso, os cristãos devem exibir a maior transformação de todas, pois, se entendido corretamente e nutrido, esse amor os tornará cada vez mais parecidos com Aquele que derramou seu amor por eles.

Mas por que tantas vezes falhamos em exibir esse amor de Deus? A conselheira bíblica Elyse M. Fitzpatrick responde a essa pergunta com outra questão: “Em sua busca pela santidade, você se esqueceu de Jesus?”. Precisamos ser resgatados de nossa amnésia de identidade e ser redirecionados para quem verdadeiramente somos: filhos amados de Deus, adotados pelo Pai, unidos ao Filho e capacitados pelo Espírito Santo.

Em Porque Ele me ama, Fitzpatrick mostra como uma genuína transformação de identidade leva a uma transformação de nossa vida diária. Tanto os que lutam contra o legalismo quanto os que desistiram de tentar levar uma vida piedosa encontrarão neste livro um novo incentivo para voltar ao amor de Deus, o qual é a fonte de mudanças autênticas e duradouras.

Publicado por Vida Nova.

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