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Será uma década difícil para Megan. Ela vai perder o emprego. Levará para o casamento expectativas inalcançáveis, antes de descobrir que, ao contrário do que haviam lhe dito, o “casamento cristão” não é bem um mar de rosas. Romances cristãos não a prepararam para um marido que dos vinte aos vinte e poucos anos foi viciado em pornografia. Uma tia querida será diagnosticada com câncer. Sua prima mais próxima decidirá fazer cirurgia de mudança de sexo e tratamento hormonal. Sua igreja será uma variedade surpreendente de pecadores e santos, uma combinação de ameaça e estímulo à sua fé.

Megan não está preparada para enfrentar esses desafios. Durante a adolescência, ela foi atrás de doses de Disney com grandes tragos do bar do individualismo norte-americano. Aprendeu que a liberdade e a independência são o maior bem que uma pessoa pode ter. Em sua página no Facebook ela é inundada com comentários hostis à fé e às práticas cristãs. Com bastante empenho e uma atitude de pouco caso, seus colegas de trabalho tentam convertê-la a crenças alternativas.

Nesta semana “Megans” de carne e osso estarão frequentando uma igreja perto de você. Como a igreja pode atender às necessidades de Megan? Ela precisa de muitas coisas: uma dieta regular do evangelho; cristãos maduros que são exemplos de vida cristã fiel; um lugar seguro para fazer perguntas desafiadoras; e o cultivo de uma atitude cativante e misericordiosa com gente de fora que se opõe ao cristianismo. Megan também precisa de um teólogo no púlpito que desenvolva uma apologética para o contexto cultural em que ela vive, especialmente desmascarando alternativas populares ao cristianismo, com suas promessas de falso conforto. A apologética não é apenas para os incrédulos; é para crentes como Megan, que são afligidos pela vida, pelo sofrimento e por uma cultura pós-cristã.

Pense em Tim Keller. Muito antes de escrever The reason for God [1], seu best-seller que esteve na lista do New York Times, Keller tinha o hábito de lidar no púlpito com o que ele chama de “crenças destruidoras”. Essas crenças-barreiras são condicionadas culturalmente — compromissos fundacionais que fazem o cristianismo parecer duvidoso ou até mesmo totalmente irracional. No Cairo, todo muçulmano sabe que Jesus não morreu na cruz e que Deus não tem filhos, logo Jesus não é o Filho de Deus. No Ocidente ninguém se incomoda com a morte de Jesus na cruz, mas a noção de que uma única religião ofereça o caminho para Deus é simplesmente inacreditável; por outro lado, essa ideia não é problema algum no Cairo.

Cada passagem da Bíblia dirá respeito a pelo menos uma das seis “crenças-barreiras” que tornam o cristianismo difícil de ser aceito no Ocidente pós-cristão:

1. É impossível uma única religião verdadeira que considere falsas todas as outras visões.

2. O mal e sofrimento tornam impossível o Deus poderoso da Bíblia.

3. Meu direito de escolha é sagrado e não pode ser transgredido por nenhuma religião ou ideologia que exija que eu me submeta a alguma autoridade.

4. O histórico da igreja é muito deplorável.

5. A ira ou indignação de Deus é intragável, talvez até criminosa.

6. A Bíblia não merece confiança e é socialmente retrógrada.

Essas barreiras à crença cristã não são encontradas apenas em Nova York: são encontradas em todo lugar e fazem parte do ambiente cultural. Por outro lado, não são apenas os incrédulos que enfrentam essas barreiras, pois elas são um componente tão importante do ambiente cultural que eu as ouço sendo mencionadas por alunos (surpreendentemente honestos) em sala de aula de escolas cristãs e por membros de igrejas que ainda não desprenderam totalmente sua cosmovisão da cultura ao redor. Essas barreiras são tão respeitadas que seus defensores em geral não as submeteram a um teste cuidadoso; no entanto, tais barreiras são muitas vezes surpreendentemente frágeis.

Como estudo de caso, imagine um sermão sobre a conhecida passagem de Mateus 28.16-20. Tenho ouvido muitos sermões sobre essa passagem, mas não me lembro de ouvir um só que tratasse das objeções dos incrédulos em nosso etos cultural vigente. O senhorio de Jesus apresentado em Mateus 28.16-20 confronta cada uma das três primeiras crenças-barreiras: o alcance de seu senhorio é amplo demais (crença-obstáculo 1) e o grau de sofrimento que vemos ou experimentamos nos leva a questionar se ele está de fato reinando (crença-obstáculo 2). Aqui tratarei apenas da crença-barreira 3: a reivindicação de senhorio de Jesus restringe o desenvolvimento do potencial pessoal e da autoafirmação, valorizados mais do que qualquer outra coisa em nossa cultura.

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Enquanto escrevo, as paradas de sucesso musical oferecem muitas ilustrações da terceira crença-barreira. “Same love” [Mesmo amor], de Macklemore, uma música que, com letra forte e de grande impacto, praticamente virou hino oficial do movimento de defesa do casamento gay, evoca uma resposta mais favorável do que “We can’t stop” [Não conseguimos parar], de Miley Cyrus, uma música sensual de balada. No entanto, ambas as músicas funcionam como narrativas contemporâneas da liberdade irrestrita. Ambas ensinam que meu corpo pertence a mim e não consigo frear meus desejos: preciso ser livre, autônomo e dizer o que penso.

Megan — e a amiga do trabalho que ela trouxe consigo à igreja — precisa ouvir Mateus 28 em seu contexto: o homem que reivindica governar nossa vida e o mundo inteiro só faz isso depois de morrer por nós. O teólogo do púlpito ressalta que, na verdade, “liberdades” alternativas são senhores alternativos. O refrão da música de Macklemore admite: “Não conseguiria mudar, mesmo que tentasse, mesmo que quisesse”. Miley também segue a linha de que a sexualidade é uma fatalidade: “Não conseguimos parar”. Essa liberdade conduz à tirania do eu. Radicais do sexo que proclamam a redefinição de casamento também propõem o fim de todas as restrições sexuais, o que acaba se revelando um tipo diferente de escravidão. Agora sou obrigado a deixar que meu menino de seis anos de idade diga — se assim quiser — que é menina, e nosso conselheiro cristão perderá seu registro profissional caso encoraje meu filho a aceitar a pele e os cromossomos que Deus lhe deu. A abordagem “tradicional” de gênero é censurada como escravidão. Mas então a criança é vendida ao déspota da escolha de gênero. Com muita sutileza, a liberdade sexual radical começa a dominar nossa imaginação, exigir nossa lealdade, forçar nossos hábitos e limitar nossa liberdade. Como Bob Dylan diz em uma de suas músicas: “Você terá de servir a alguém”.

A procura de satisfação pessoal e de autoafirmação nunca acaba; o deus do ego nunca se satisfaz. A busca de autoafirmação vai dominar seus desejos, absorver sua energia e sugar seu dinheiro. Por fim, a cultura achará que você é velho demais ou muito chato. A cultura vai abandoná-lo. Sua vida sexual vai abandoná-lo. O rei Jesus, porém, promete nunca abandoná-lo e assegurou um caminho verdadeiro, distinto dos outros, que você poderia trilhar através do deserto da confusão cultural. A seu serviço descobrimos a verdadeira libertação e nos braços de seu Pai encontramos nossa identidade como filhos amados.

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[1] Edição em português: A fé na era do ceticismo: como a razão explica Deus, tradução de Regina Lyra (São Paulo: Vida Nova, 2015).

Trecho extraído da obra “O pastor como teólogo público: Recuperando uma visão perdida“, de Kevin Vanhoozer e Owen Strachan, publicado por Vida Nova: São Paulo, 2016, pp. 230-233. Traduzido por Marcio Loureiro Redondo. Publicado com permissão.

Jason B. Hood estudou no Reformed Theological Seminary e obteve o doutorado em Novo Testamento em um programa conjunto da Highland Theological College, em Dingwall, Escócia, com a Universidade de Aberdeen. É pastor na igreja St. Margaret’s Anglican Church.
pastor-teologo-publicoHoje em dia, muitos pastores se veem principalmente como conselheiros, líderes e terapeutas motivacionais. Entretanto, o papel mais importante do pastor é ser um teólogo que atua como mediador entre Deus e o povo. Com base na descrição de pastores encontradas nas Escrituras, em personagens centrais da história da igreja e na teologia cristã, esse livro de fácil compreensão apresenta um chamado aos pastores para que sirvam como teólogos públicos em suas congregações e comunidades.

O pastor como teólogo público demanda uma mudança de paradigma na própria concepção do que é e faz um pastor, oferecendo uma alternativa positiva. Ele também inclui reflexões de 12 pastores sobre a tarefa teológica.

Publicado por Edições Vida Nova.

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