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19/fev/2024Imagine-se contemplativo em uma livraria toda empoeirada, quando se depara com uma pilha de livros surrados na seção de “religião e filosofia”. Colocando de lado os livros de Deepak Chopra e “O segredo”, seu coração palpita ao desenterrar o clássico de John Owen, “A morte da morte na morte de Cristo” — ou, como foi originalmente intitulado, Salus Electorum, Sanguis Jesu —, um livro em relação ao qual você se sente inexplicavelmente atraído, mas nunca encontrou tempo para lê-lo.
No entanto, sua mão passa por cima dele enquanto seus olhos se fixam na majestosa capa dourada e carmesim do livro “Do céu Cristo veio buscá-la: a expiação definida na perspectiva histórica, bíblica e pastoral”, dos irmãos Gibson (Fiel, 2018), que está logo abaixo. E de repente, com a lombada rígida do livro dos irmãos Gibson em mãos, você se vira.
Para o desgosto daqueles que escrevem livros sobre Owen, é assim que muitos potenciais relacionamentos com Owen deixam de florescer. E há razões compreensíveis para isso. Confira, porém, alguns motivos pelos quais você não deve deixar Owen na prateleira.
Por que Owen é muito amado, mas pouco lido?
Em primeiro lugar, a leitura das obras de Owen pode ser desafiadora. Como J. I. Packer observou, a prosa de Owen muitas vezes parece uma tradução rudimentar de Cícero. Não é o tipo de leitura que se faz no banheiro; requer caneta e papel para acompanhar o raciocínio.
Em segundo lugar, Owen já foi tema de muitos estudos habilidosos de acadêmicos como Carl Trueman, Lee Gatiss e Crawford Gribben. Por que se torturar explorando Owen se você pode navegar nos ombros de outra pessoa?
Por fim, Owen emerge daquele que é considerado por alguns como o período mais espiritualmente desolado da história da igreja (estou exagerando um pouco): o século XVII. Muitos não leem Owen porque a espiritualidade da Reforma de Lutero e Calvino parece ter secado como um caramujo ao sol nos anos “racionalistas” do século XVII — os mesmos anos em que a influência de Owen foi tão formativa. E quem deseja ler sobre isso?
No entanto, posso lhe assegurar que nenhuma dessas razões é motivo para ignorar John Owen. Na verdade, algumas delas nem são verdadeiras. Vamos dar uma olhada no importante argumento de Owen em “A morte da morte” a favor da doutrina da expiação definida (ou “expiação limitada”) para entender por que, após todos esses anos, vale realmente a pena dedicar tempo a Owen.
Por que a obra “A morte da morte” de Owen é importante?
Owen foi uma figura imponente na teologia inglesa do século XVII. Capelão sob Oliver Cromwell durante os anos do interregno na Inglaterra (do início da Guerra Civil Inglesa em 1642 à restauração da monarquia e da Igreja da Inglaterra em 1660), Owen desempenhou um papel importante no desenvolvimento teológico da ortodoxia reformada na Inglaterra. Ele foi um autor prolífico, um veterano ministro independente e um habilidoso administrador acadêmico, servindo como vice-chanceler e comissário da Universidade de Oxford, impressionando até mesmo John Locke durante seu tempo lá.
Owen escreveu “A morte da morte” em resposta a um livro de um secretário em Lincolnshire chamado Thomas Moore, intitulado The Universality of God’s Free Grace [“A universalidade da livre graça de Deus”] (1646). Para Owen, o livro resumia tudo o que parecia ameaçador sobre a crescente maré do arminianismo. No entanto, enquanto o livro de Moore fazia “malabarismos retóricos”, Owen afirmava que não tinham “lastros algum”. Os companheiros de Moore “sustentam o peso dessa construção com três ou quatro textos das Escrituras, a saber, 1Timóteo 2.5,6; João 3.16,17; Hebreus 2.9; 1João 2.2, e alguns poucos outros. Tal sustentação é feita com base na ambiguidade de duas ou três palavras, as quais, não há como negar, permitem várias acepções”.
Portanto, “A morte da morte” (que Owen descreveu como sendo uma de suas obras mais acessíveis) não serve como leitura de banheiro não porque se trata de uma obra difícil. Pelo contrário, “A morte da morte” exige atenção total porque está repleta de argumentação bíblica. Para Owen, a alternativa ao uso de textos-prova é uma exposição pastoralmente sensível e intelectualmente rigorosa do ensino bíblico sobre o agente, os meios e os fins da morte de Cristo na cruz. Essa abordagem caracteriza os escritos de Owen, mas não há porta de entrada mais gratificante do que “A morte da morte na morte de Cristo”.
Por que devo ler “A morte da morte” de Owen?
“A morte da morte na morte de Cristo” é, sem dúvida, a abordagem mais completa e aprofundada da doutrina da expiação definida disponível que existe.
Para Owen, o cerne dessa doutrina compreende dois pontos: o fim “supremo e último” da morte de Cristo para “a glória de Deus” e o fim “intermediário e subordinado” em “nos conduzir a Deus” (incluindo os dons da graça, fé e glória). Ou, como Owen apresenta em seu comentário sobre Hebreus, “a glória de Deus na salvação da Igreja”.
Como sugeri acima, Owen estava interessado em entender o ensino bíblico sobre o agente, os meios e os fins da morte de Cristo. Estas são maneiras de falar sobre a intenção salvífica de Deus. Evidentemente, Owen acredita que a Bíblia está mais preocupada com a intenção de Deus na redenção do homem do que com a extensão do trabalho em si. Assim, Owen se concentra no Deus salvador, não em uma obra de salvação que é medida quantitativamente à parte da intenção salvífica de Deus.
Isso não significa que Owen nunca tenha usado a palavra ou o conceito de “extensão”. Ao comentar sobre o ensaio de Edward Polhill sobre a extensão da morte de Cristo, Owen diz que discorda de Polhill sobre “o objeto e a extensão de nossa redenção”. No entanto, mesmo nesse contexto, um objeto implica um sujeito, uma pessoa, alguém capaz de intenção.
Mais importante ainda, devemos ler “A morte da morte” porque Owen apresenta alternativas cativantes às questões que talvez estamos acostumados a fazer. Para Owen, as perguntas que devemos fazer são questões de intenção: O que Jesus Cristo veio fazer? E o que Deus Pai o enviou para fazer?
O que devo buscar ao ler “A morte da morte”?
Comece buscando um bloco de papel e uma caneta. É útil esboçar o argumento de Owen de maneira simples e direta enquanto lê. Veja como J. I. Packer fez isso se quiser um ponto de partida. Ao longo do percurso, fique atento a três particularidades:
- Fique atento quando Owen faz a distinção entre impetração (como a morte de Cristo obteve benefícios) e aplicação (como esses benefícios se acumulam para o cristão). Grande parte do debate acalorado — tanto na época quanto nos dias atuais — dizia respeito a como essas duas ideias deveriam se encaixar.
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Lembre-se de onde se encontra na estrutura do livro. Dos quatro livros que constituem “A morte da morte”, dois são argumentos exegéticos extensos a favor da expiação definida. Os dois livros seguintes são argumentos detalhados contra os conceitos de “resgate geral” ou “redenção universal”, que se resumem à ideia de que Cristo morreu para redimir cada ser humano, deixando a escolha final da salvação em nossa vontade. Ao abordar os argumentos de Owen, o velho ditado sobre memorização de referências bíblicas se mantém verdadeiro: “É bom ter um amigo; melhor ainda é saber onde ele mora”.
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Tenha em mente que a escassez de menções à obra do Espírito Santo (totalizando aproximadamente duas páginas) deve ser lida no contexto dos escritos ao longo da vida de Owen, que incluem obras densas sobre o Espírito, tais como Communion with God [“Comunhão com Deus”] (1657) e A Discourse of the Work of the Holy Spirit in Prayer [“Um discurso sobre a obra do Espírito Santo na oração] (1687). Owen é um teólogo profundamente trinitário, embora possa ser uma característica difícil de perceber apenas a partir desta obra. Este último ponto está novamente relacionado à preocupação de Owen em destacar a intenção de Deus em salvar a Igreja. Como ele afirma:
“O que o Pai e o Filho pretendiam realizar em favor de todos aqueles por quem Cristo morreu foi certamente alcançado por sua morte. E o que foi alcançado foi o seguinte: todos eles foram redimidos, purificados, santificados, libertos da morte, de Satanás, da maldição da lei, libertos da culpa do pecado, feitos justiça em Cristo e aproximados de Deus. Portanto, Cristo morreu por todos aqueles, mas apenas aqueles, em quem todas essas coisas são efetivadas. Se todas essas coisas são alcançadas em toda e qualquer pessoa, deixo isso para o julgamento de toda e qualquer pessoa que têm conhecimento dessas coisas.”
Por que não ler Owen antes de se lançar em um livro mais recente? Pelo menos, coloque-o na sua lista de leituras prioritárias. Não se esqueça do aforismo de C. S. Lewis: “Você deveria ler pelo menos um livro antigo para cada três livros novos”.
Texto original: John Owen on Death, the Cross, and the Gospel. The Gospel Coalition.
Ryan Reeves atuou como professor associado de teologia histórica no Seminário Teológico Gordon-Conwell. É casado com Charlotte e, juntos, têm três filhos. |