O que é a mansidão para Jesus? | Jerry Bridges

Spoilers Vida Nova 2023 | Jonathan Silveira
13/dez/2022
Você é um pacificador ou um encrenqueiro? | Tim Challies
17/jan/2023

Uma das maiores provas de nossa mansidão está na forma como lidamos com as ofensas que nos são lançadas por outras pessoas. Assim, em vez de nutrir rancor por elas, confiemos no Deus que faz com que todas essas ofensas cooperem para o nosso bem.

A segunda expressão da mansidão é perdoar as ofensas ou pecados dos outros. A passagem clássica das Escrituras sobre perdoar os outros é a parábola do servo que se recusava a perdoar, em Mateus 18.23-35. Analisemos as seguintes passagens das Escrituras:

  • “Sede bondosos uns para com os outros, misericordiosos, perdoando uns aos outros, assim como Deus vos perdoou em Cristo” (Ef 4.32).
  • “… se alguém tiver queixa contra o outro, perdoando-vos uns aos outros; como o Senhor vos perdoou, assim vós também deveis perdoar” (Cl 3.13).

Efésios e Colossenses foram escritas aproximadamente na mesma época, portanto não surpreende que Paulo escreva essencialmente a mesma coisa acerca do perdão em ambas as cartas. No entanto, em Colossenses ele acrescenta as palavras: “… assim vós também deveis perdoar”. A verdade que espero deixar clara para você é que em ambas as passagens nosso perdão uns aos outros está ligado ao perdão por parte de Deus.

A ideia nos leva de volta ao primeiro traço de caráter das Bem-Aventuranças, a “pobreza de espírito”. Nossa disposição a perdoar os outros é proporcional à nossa compreensão, no fundo do coração, do quanto fomos perdoados por Deus. Se nos sentimos confortáveis em nosso estilo de vida decente porque não cometemos os pecados gritantes da sociedade e se não vemos muita necessidade de perdão contínuo, provavelmente não estamos dispostos a perdoar os outros com prontidão quando eles pecam contra nós.

Os “pobres de espírito”, todavia, reconhecem mais e mais quanto pecado e corrupção ainda vicejam em seu íntimo. Eles reconhecem que, embora lhes tenha sido concedido um novo coração (Ez 36.26), seu coração continua enganoso (Jr 17.9), e a carne, ou a natureza pecaminosa que ainda habita nele, milita contra o Espírito em nós todos os dias (Gl 5.17).

Agora precisamos retornar às palavras de Paulo em Colossenses 3.13: “… assim vós também deveis perdoar”. Paulo, com efeito, está dizendo que não temos escolha: porque tanto nos foi perdoado, nós também temos a obrigação de perdoar aqueles que pecam contra nós. Contudo, nossa motivação para perdoar não deve ser essa obrigação, mas a consciência de quanto nos foi perdoado.

Penso na carta de Paulo a seu querido amigo Filemom, escrita por volta da mesma época em que ele escreveu Efésios e Colossenses. Filemom, sem dúvida, era um homem abastado, pois sua casa era grande o bastante para acomodar uma igreja. Filemom também tinha um escravo, Onésimo, o qual ao que tudo indica havia fugido, mas acabou encontrando Paulo em Roma. Paulo o conduziu a Cristo; e ele, em Filemom 1.10, se refere a Onésimo como “meu filho […] de quem me tornei pai na prisão”.

Paulo tinha um problema complicado em mãos. Ele sabia que Onésimo precisava voltar a Filemom, mas desejava que Filemom não só perdoasse Onésimo, mas o recebesse “como irmão amado” (v. 16).

A carta de Paulo figura em nossas Bíblias como “a carta de Paulo a Filemom”. Perceba o modo com que o apóstolo faz seu pedido nos versículos 8,9:

Embora eu tenha confiança em Cristo para te ordenar o que deves fazer, prefiro pedir-te confiado no teu amor — eu, Paulo, homem velho e agora também prisioneiro de Cristo Jesus.

Paulo, de fato, diz: “Eu poderia ordenar que você fizesse o que é certo, Filemom. Você realmente não tem escolha a não ser perdoar Onésimo”. O que Paulo está dizendo é: “Você tem o dever de perdoar. Não perdoar seria pecado contra Deus”. Mas então Paulo acrescenta: “Por causa do amor, contudo, prefiro rogar a você”. Paulo quer que Filemom queira fazer aquilo que deve fazer.

Lendo nas entrelinhas, parece que Onésimo não só havia fugido, mas também havia furtado. Paulo, portanto, acrescenta nos versículos 18-19:

Se ele te causou algum prejuízo, ou te deve coisa alguma, lança-o na minha conta. Eu, Paulo, escrevo isto de próprio punho: Eu o pagarei, para não mencionar que tu me deves a ti mesmo.

São palavras tocantes. Paulo, na prisão, diz: “… lança-o na minha conta”. É isso que Jesus diz ao Pai: “Lance o pecado de Jerry na minha conta” — e ele pagou o preço de tudo com sua morte na cruz. Paulo diz: “Eu o pagarei”, mas então lembra a Filemom que ele deve sua própria vida a Paulo (um reconhecimento de que o apóstolo o conduziu a Cristo). Assim, devemos nossa salvação inteiramente a Cristo, que nos diz: “Perdoai como eu vos perdoei” (veja Ef 4.32).

Essa carta privada e muito pessoal de Paulo a Filemom é mais do que mera carta. É parte das Escrituras divinamente inspiradas. Trata-se da própria Palavra de Deus, e Deus em sua providência dirigiu os concílios da igreja a incluí-la no cânon das Escrituras por um motivo. Ela serve como pequena ilustração daquilo que Deus fez por nós através de Cristo.

Pense no que éramos. Paulo diz em Efésios 2.1-3 que estávamos mortos em nossos pecados, que efetivamente éramos escravos do mundo, do diabo e dos desejos de nossas paixões. Além disso, éramos por natureza objetos da ira de Deus. Era uma enrascada muito pior que a de Onésimo. Mas Deus, que é rico em misericórdia, não se limitou a perdoar nossa enorme dívida moral (Cl 2.13-14). Ele também “nos ressuscitou juntamente com ele e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais” (Ef 2.6).

Leia também  Você é um pacificador ou um encrenqueiro? | Tim Challies

Devemos, portanto, perdoar como Deus nos perdoou. É o mandamento de Deus. Novamente, Deus deseja que perdoemos por causa do amor, e não porque recebemos a ordem de fazê-lo. E a única coisa que nos motivará a perdoar em razão do amor é ser “pobres de espírito” e reconhecer o quanto Deus nos perdoou.

A terceira área da mansidão para com os outros consiste em pagar o mal com o bem. A passagem clássica acerca disso é Romanos 12.14-21:

  • “Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não os amaldiçoeis” (v. 14).
  • “Não pagueis mal por mal, mas procurai fazer o que é honroso” (v. 17).
  • “Amados, nunca vingueis a vós mesmos, mas entregai isso à ira de Deus, pois está escrito: A vingança é minha; eu retribuirei, diz o Senhor” (v. 19).

São muito poucos entre nós, ocidentais, os que enfrentam perseguição hoje. Para aplicar essas instruções à cultural atual, precisamos redefinir a palavra perseguição de modo que ela signifique tudo o que se faça para nos ferir, nos caluniar, nos defraudar, obstruir nosso caminho a uma promoção — tudo o que nos seja danoso. E a instrução de Paulo é que abençoemos e não amaldiçoemos os que fazem essas coisas.

Uma das melhores formas de abençoar as pessoas é orar por elas. Muitas vezes os autores desses atos dolorosos ou ofensivos são outros cristãos; podemos orar, portanto, para que Deus os abençoe assim como desejaríamos que ele nos abençoasse. Se não são cristãos, podemos orar para que Deus os atraia à fé no evangelho e à confiança em Cristo para a salvação.

Certamente não queremos pagar o mal com o mal. Não queremos caluniar alguém que nos tenha caluniado. É triste dizer, mas isso às vezes acontece em algumas de nossas igrejas, quando acusações sem fundamento são trocadas.

Acima de tudo, jamais devemos buscar nos vingar de um agravo fazendo o mal. Enquanto pensava sobre as admoestações de Paulo em Romanos 12, concluí que a maior parte do mal que fazemos uns aos outros se dá por nossa fala, e não por nossos atos. Sendo assim, levemos a sério a instrução de Paulo em Efésios 4.29:

Que nenhuma palavra torpe saia da vossa boca, mas só a que seja boa para a edificação, conforme a ocasião, a fim de que transmita graça aos que a ouvem.

Note os dois absolutos nas palavras de Paulo:

  • Nenhuma palavra torpe.
  • a que seja boa para a edificação.

Paulo também diz, em Tito 3.2: “Não falem mal de ninguém”. Isso se aplica mesmo àqueles que com suas palavras nos feriram de alguma forma.

Vê-se que a mansidão de fato é a humildade na prática. É preciso ter humildade para nos submetermos à Palavra de Deus e permitir que ela nos convença do pecado. É preciso ter humildade para não murmurar nem se queixar dos acontecimentos difíceis e dolorosos da vida, mas vê-los como obra de Deus que está nos conformando mais e mais à semelhança de Cristo. É preciso ter humildade para suportar e perdoar aqueles que nos feriram de alguma forma. E certamente é preciso ter humildade para pagar o mal com o bem. Em suma, cito John Blanchard mais uma vez:

A mansidão é graça definidora, gerada pelo Espírito Santo na vida do cristão, que caracteriza a resposta da pessoa a Deus e ao homem. A mansidão para com Deus é um espírito de submissão a tudo o que Deus faz conosco, sobretudo aquilo que nos causa tristeza ou dor, com a firme convicção de que em tudo isso ele está atuando graciosa, sábia e soberanamente “para o bem daqueles que o amam” (Rm 8.28). A mansidão para com o homem significa suportar pacientemente os atos injuriosos dos outros e lidar gentilmente com seus erros, não só na certeza de que todos eles estão sob o controle providencial de Deus, mas na certeza de que, entregues a nós mesmos, não podemos alegar ser mais fortes que o mais fraco de nossos amigos ou melhores que o pior de nossos inimigos.[1]


[1] Blanchard, Right with God, p. 133.

Trecho extraído da obra “As Bem-aventuranças: uma descrição da humildade em ação”, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2022, p. 48-53. Traduzido por Thomas de Lima. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Jerry Bridges (1929-2016) foi vice-presidente de assuntos corporativos do The Navigators Collegiate Ministries, no qual esteve envolvido com o treinamento da equipe e foi consultor daqueles que ministravam nos campi universitários. Além do trabalho com ministérios nas universidades, Bridges também participou como conferencista e palestrante em diversos seminários, conferências e retiros nos EUA e em outros países. Ele e a esposa, Jane, tiveram dois filhos e cinco netos.
Todos admiramos a humildade quando a vemos. Mas como a praticamos? Como a humildade se torna algo natural na vida cotidiana?

Jerry Bridges vê nas bem-aventuranças, uma série de bênçãos de Jesus, um padrão de humildade em ação. Jesus começa com a pobreza de espírito – um reconhecimento de que somos incapazes de viver uma vida santa que agrada a Deus – e prossegue por meio do lamento pelo pecado, nossa fome e sede de justiça, grandes e pequenas experiências de perseguições e, mais do que isso, a descoberta de que a humildade é uma bênção. Deus está presente conosco a cada momento, dando graça aos humildes e elevando-nos à bênção.

Publicado por Vida Nova.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: