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25/abr/2022A palavra latina justus, de acordo com o Webster’s Dictionary of the American Language,[1] de 1828, significa “reto ou próximo”. Como um fio de prumo, justus remete a um padrão ou a uma base para a moralidade. A justiça se alinha a um padrão de bondade. Na verdade, bondade, ou retidão, é sinônimo de justiça. Os antônimos são injustiça ou mal. Pode-se dizer que uma ação é injusta quando ela não está alinhada com um padrão moral.[2]
O padrão moral é comumente associado a uma lei, razão pela qual a justiça é equiparada à guarda da lei ou à legalidade, e a injustiça à quebra da lei ou à ilegalidade. Para muitos de nós, “lei” traz à mente códigos legais promulgados por políticos e confirmados por autoridades civis. A justiça, porém, não consiste apenas em obedecer a leis feitas por homens. Na verdade, às vezes a justiça exige que desobedeçamos às leis criadas pelos homens. Os nazistas tinham uma lei que proibia ajudar ou dar abrigo a judeus que estavam sendo capturados e exterminados. Se obedecêssemos a essa lei, seríamos cúmplices de uma injustiça terrível.
Isso suscita uma indagação importante: como determinamos quais leis humanas são justas e quais não são? Existe um padrão moral ou legal que transcende as leis humanas? Martin Luther King Jr. acreditava que sim. O mais famoso líder dos direitos civis dos Estados Unidos foi detido e encarcerado em 1963 por violar uma ordem do tribunal que o proibia de protestar contra a injustiça racial em Birmingham, no Alabama. Em sua célebre Carta de uma prisão em Birmingham, King escreveu a outros clérigos que haviam criticado sua “disposição de quebrar leis”.
Alguém poderia muito bem perguntar: “Como você pode defender a desobediência a algumas leis e a obediência a outras?”. A resposta está no fato de que há dois tipos de leis: há leis justas e leis injustas. Concordo com Santo Agostinho quando ele diz que “uma lei injusta não é lei de jeito nenhum”.
Bem, qual a diferença entre as duas? Como é que alguém determina quando uma lei é justa ou injusta? Uma lei justa é um código criado pelo homem que está de acordo com a lei moral, ou a lei de Deus. Uma lei injusta é um código em descompasso com a lei moral. Parafraseando Santo Tomás de Aquino, uma lei injusta é uma lei humana que não está enraizada na lei eterna e natural (grifo do autor).[3]
Martin Luther King acreditava que havia uma lei superior, “a lei de Deus”. O apologista cristão Greg Koukl chama essa lei de “Lei sobre tudo e todos”.[4] Portanto, justiça é conformidade com essa lei superior. Nesse sentido, justiça é o mesmo que verdade. Ela requer um ponto fixo de referência cuja existência se dá à parte das leis humanas e das nossas crenças sobre o que é bom e certo, um padrão diante do qual até os mais poderosos têm de prestar contas. Sem essa lei superior, a justiça se torna arbitrária e muda conforme quem esteja no poder.
De que maneira seres humanos finitos e falíveis descobrem esse padrão moral transcendente? Nós o encontramos em Deus, o Criador do universo, cujo caráter é bondade, retidão e santidade (ou perfeição moral). Como disse João Calvino, a lei revela o caráter de Deus.[5] Ele é o fio de prumo moral que determina o que é bom e certo para todos os povos de todas as eras. E, como Deus não muda, o padrão não muda. Deus é a “Rocha” imóvel cuja “obra é perfeita, porque todos os seus caminhos são de justiça. Um Deus de fidelidade e sem iniquidade, ele é justo e reto” (Dt 32.4, ESV).
Isso exclui o Alá do islã que, em última análise, é incognoscível. “Alá é um ser distante e remoto que revela sua vontade, mas não a si mesmo”, diz Daniel Janosik, da Columbia International University. “É impossível conhecê-lo de modo pessoal. Em sua unicidade absoluta há unidade, mas não trindade, e, em razão dessa falta de relacionamento, não há ênfase no amor.”[6] Alá não é o Deus pessoal, amoroso e santo da Bíblia. Como o Deus pessoal e triúno de Gênesis 1.1 existe, e como seu caráter é bom, o universo é pessoal e moral. Existe um “bem” verdadeiro, eterno e transcendente que permeia o cosmo. E, apesar disso, há tanta injustiça! Como trazer à tona a verdadeira justiça num mundo injusto? Vamos à Palavra de Deus, o fio de prumo inerrante.
Na Bíblia, traduzimos os termos hebraicos tsedek e mishpat por “retidão” ou “justiça”, dependendo do contexto. A Bíblia tem mais de trinta exemplos em que “retidão” e “justiça” são usados de modo intercambiável. Por exemplo: “Ando pelo caminho da retidão, em meio às veredas da justiça” (Pv 8.20), ou: “O Senhor age com retidão, faz justiça a todos os oprimidos” (Sl 103.6, NIV).[7] Notamos a semelhança dessas palavras e sua centralidade para a natureza de Deus na imagem vívida do nosso grande Deus que está “entronizado” como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Ele é o único Juiz verdadeiro e justo. Sua justiça, portanto, enraizada em seu caráter, não é estranha.
O Senhor reina, regozije-se a terra; alegrem-se as numerosas ilhas. Nuvens e escuridão o rodeiam, justiça e retidão são a base do seu trono (Sl 97.1,2).
Deus é a um só tempo reto e justo. Se não fosse reto, não seria justo. Se não fosse justo, não seria reto. Mas ele é as duas coisas! E ele, e não o consenso mutável da opinião da elite, é o fio de prumo pela qual medimos todas as demandas de justiça.
O que não podemos não saber
Eu disse que Deus e sua lei nos dão o fio de prumo pelo qual podemos decidir o mérito de quaisquer demandas de justiça. Mas será que podemos realmente conhecê-lo e à sua lei? Trata-se de uma questão urgente, que nos permitirá responder corretamente ao caos moral à nossa volta (e em nosso coração).
É preciso reconhecer que tal padrão moral transcendente existe, mas não haveria consequência alguma se não soubéssemos de sua existência. Deus, porém, o revelou a nós. Como?
Em primeiro lugar, ele o comunica a nós interiormente. Como portadores que somos de sua imagem, todos têm um sentido interior dessa lei “impressa em seu coração”, por assim dizer. C. S. Lewis, em sua obra clássica de apologética Cristianismo puro e simples, chama a esse código natural inato de “uma pista do sentido do universo”. Ele diz que “os seres humanos, no mundo todo, têm essa curiosa ideia de que devem se comportar de certa maneira, e não podemos nos livrar disso”.[8]
O apóstolo Paulo escreveu a esse respeito em sua epístola aos Romanos: “Porque, quando os gentios, que não têm lei, praticam as coisas da lei por natureza, […] demonstrando que o que a lei exige está escrito no coração deles, tendo ainda o testemunho de sua consciência e dos seus pensamentos, que ora os acusam, ora os defendem” (Rm 2.14,15). A teoria da lei natural diz que os seres humanos podem apreender a lei moral de Deus por meio da razão que Deus lhes deu.[9]
Paulo declara ousadamente que todos, não apenas os judeus, sabem tacitamente qual é o padrão moral de Deus, porque “praticam as coisas da lei por natureza”. Eles mostram que Deus escreveu a lei “no coração deles” porque sua consciência os convence de suas transgressões.
Pense um pouco como isso é importante. Como seriam as relações humanas se não tivéssemos um sentido interior de certo e errado, uma consciência que nos guiasse? E se nenhum de nós sentisse culpa ou vergonha pelo que fazemos de errado? Chamamos de sociopata o indivíduo que não sente remorso algum por seu comportamento injustificado. John Wayne Gacy, Ted Bundy e Jeffrey Dahmer eram sociopatas. Num mundo repleto desse tipo de gente, o mal corre descontroladamente. Contudo, em sua graça, Deus providenciou uma forte barreira a tudo isso ao escrever seu código moral eterno em nosso coração. É isso o que a justiça faz — ela inibe a disseminação da perversidade ao determinar, afirmar e sustentar o que é bom.
Em segundo lugar, quando Paulo diz que os gentios (os não judeus) “não têm lei”, ele está se referindo à outra maneira pela qual Deus nos dá a conhecer sua lei transcendente, isto é, por meio dos Dez Mandamentos, o código legal comunicado por Deus à humanidade há 3.500 anos. Os Dez Mandamentos foram “[escritos] pelo dedo de Deus” (Êx 31.18), entregues a Moisés e ao povo judeu e, por meio deles, a nós todos. Esse resumo da lei moral de Deus é uma de suas grandes dádivas à humanidade porque proporciona o único fundamento verdadeiro e imutável para a justiça na história humana.
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[1] http://webstersdictionary1828.com/.
[2] Dicionário Webster de 1828: “Justiça: virtude que consiste em dar a alguém o que lhe é devido; conformidade prática com as leis e os princípios de retidão nas tratativas dos homens uns com os outros; honestidade; integridade no comércio ou na relação mútua. A justiça é distributiva ou comutativa. A justiça distributiva cabe aos magistrados ou soberanos e consiste na distribuição a todo homem daquele direito ou equidade que as leis e os princípios da equidade requerem; ou na decisão de controvérsias segundo as leis e os princípios da equidade. A justiça comutativa consiste na negociação limpa no comércio e na mútua relação entre um homem e outro”.
[3] http://web.cn.edu/kwheeler/documents/letter_birmingham_jail.pdf.
[4] Gregory Koukl, The story of reality (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 2017), p. 76.
[5] Cf. discussão em “Which laws apply?”, de R. C. Sproul, Ligonier Ministries, https://www.ligonier.org/learn/articles/which-lawsapply/.
[6] Daniel Janosik, “Is Allah of Islam the same as Yahweh of Christianity?”, Columbia International University, http://www.ciu.edu/content/allah-islam-same-yahweh-christianity.
[7] Ken Wytsma, Pursuing justice (Nashville: Thomas Nelson, 2013), p. 89.
[8] C. S. Lewis, Mere Christianity (New York: Macmillan, 1952), p. 21 [Publicado por Martins Fontes sob o título Cristianismo puro e simples].
[9] “Natural law”, New Advent, http://www.newadvent.org/cathen/09076a.htm.
Trecho extraído e adaptado da obra “Por que a justiça social não é a justiça bíblica“, de Scott David Allen, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2022, pp. 37-42. Traduzido por A. G. Mendes. Publicado no site Tuporém com permissão.
Scott David Allen tem dedicado toda a sua carreira à área do desenvolvimento da comunidade cristã, do alívio da pobreza e do ministério da justiça. Sua paixão consiste em ajudar os cristãos a compreenderem a cosmovisão bíblica como único fundamento sólido para pessoas, comunidades e culturas sadias e prósperas. Depois de servir na organização de desenvolvimento internacional Food for the Hungry durante 19 anos nos Estados Unidos e no Japão, Scott juntou-se a seus amigos e mentores, Darrow Miller e Bob Moffitt, para lançar a Disciple Nations Alliance em 2008. A DNA se propõe a “preparar a igreja para que atinja seu potencial pleno como principal agente divino de restauração, de cura e de bênçãos para nações arruinadas”. Ela opera em mais de cem países do mundo todo. |
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