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Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Não faz muito tempo que os ateus vêm sido assombrados pelo arrependimento. Mesmo negando a existência de Deus, eles reconheceram que um mundo com Deus é melhor do que sem Ele. Mesmo assim, eles pensam que vários argumentos e evidências contra a existência de Deus são convincentes – como o problema do mal ou a habilidade que as ciências naturais possuem, aparentemente, de explicarem o universo. Quando Deus passou a ser visto como sendo irrelevante para o cosmos, muitos tiveram dificuldade de conciliar Sua presença com o mal e o sofrimento. Mas, no que diz respeito à maioria dos ateus, isso foi algo lamentável. Por conta própria, eles chegaram à descrença relutantemente.

Esse não é o caso, entretanto, dos chamados “neoateístas” – homens como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens. Esses corajosos pensadores enxergam a suposta não existência de Deus não como causa de arrependimento, mas como motivo de alegria. Mesmo assim, seu entusiasmo e seus destrutivos ataques às crenças religiosas encontram precedentes no passado, principalmente nas obras de Friedrich Nietzsche, filósofo do século XIX. 

Ponto de partida, não de chegada 

Apesar do apelo bastante difundido do movimento, as características mais interessantes do neoateísmo – seu fervor evangelístico e sua retórica militante – não partiram de Dawkins, Harris ou Hitchens. Na verdade, a única coisa sem precedentes que é encontrada em suas obras é a fragilidade da sua causa. Como leitores cuidadosos podem perceber, os livros Deus, um Delírio, de Dawkins, Deus Não é Grande, de Hitchens e Carta a Uma Nação Cristã, de Harris, não possuem argumentos convincentes ou evidências impressionantes. Pelo contrário, seus argumentos são surpreendentemente fracos. Se você está em busca de motivos para levar as ideias do neoateísmo a sério, você não os encontrará nessas obras. 

Saber alegre

Nietzsche apresenta a expressão “saber alegre” em A Gaia Ciência, cujo título merece atenção especial. Aqui, a palavra “gaia” significa “alegria”, e “ciência” deriva de scientia, um termo no latim que significa “conhecimento”. Portanto Gaia Ciência significa “saber alegre” – um tipo de conhecimento que traz alegria a quem o obtém. Do ponto de vista de Nietzsche, o saber alegre é o conhecimento de que Deus está morto.

Ao proclamar a morte de Deus, Nietzsche não espera ser levado a sério. De acordo com ele, Deus nunca existiu, então falar sobre Sua “morte” tem mais a ver com humanidade do que com divindade. Nietzsche conjectura que nós, humanos, percebemos que a existência de Deus é indefensável e indesejável. Portanto, Nitetzsche afirma, e não prova, a indefensabilidade da crença em Deus, mesmo ao explicar sua indesejabilidade.

E por que a crença em Deus é indesejável? Porque a morte dEle nos deixa livres para nos tornarmos deuses. 

Deus não morre sozinho 

Para mostrar a questão de forma clara, Deus não morre sozinho. Quando Ele morre, morrem também o significado, a moralidade e a razão.

Primeiro, se Deus não existe, a vida não tem significado. Quando não há autor, a história não tem sentido; na verdade, se não há autor, não há história. Além disso, se Deus não existe, a moralidade se torna uma ilusão e o julgamento moral se torna uma mera interpretação, representando nada mais do que o gosto pessoal de quem o faz.

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Em segundo lugar, Nietzsche ilustra a natureza fictícia da moralidade quando nos convida a considerar as aves predatórias e as ovelhas, suas presas. Quando as aves se alimentam das ovelhas, o que elas fazem não é moralmente bom nem mau. Elas simplesmente agem de acordo com seu instinto; a moralidade é irrelevante.

Assim, embora o fato de as ovelhas “condenarem” as aves não surpreenda ninguém – exceto as próprias aves, talvez – seu julgamento não corresponde a qualquer fato moral, e sim à sua compreensível preferência de não se tornarem comida de pássaro. Obviamente, como Nietzche observa, as aves veem a situação de outra forma, mas as categorias morais não se aplicam a nenhum desses casos – e, da mesma forma que isto vale para as aves e as ovelhas, vale para nós também. Julgamentos morais expressam nossas preferências pessoais e não se referem a realidades objetivas.

Finalmente, a morte de Deus revela a impotência da razão. Quando o assunto é a origem dos seres humanos, a única carta na manga dos ateus são os processos evolutivos não assistidos. Já que a seleção natural faz parte da evolução, as faculdades intelectuais emergentes de tais processos estariam bem adaptadas para a sobrevivência. Porém, como Nietzsche argumenta, não há, necessariamente, uma ligação entre sobrevivência e verdade; de acordo com o que sabemos, ele observa, um universo puramente naturalista seria aquele no qual o conhecimento da verdade iria dificultar a sobrevivência em vez de auxiliá-la. Portanto o ateu, por suas próprias convicções, não possui razão para crer em sua própria razão. 

Livres para ser escravos 

Para Nietzsche, a morte de Deus implica o fim do significado, da moralidade e da razão – o que significa que ele vê as implicações da sua descrença com mais clareza do que outros ateus da sua época, como Karl Marx e Sigmund Freud. Nitezsche, porém, enxerga, notavelmente, tais implicações como sendo libertadoras e não debilitantes. Ele se alegra ao dizer que nada nos restringe, nem Deus, nem sentido, nem moralidade e nem a razão. Somos livres para vivermos como desejarmos e para fazer de nossas vidas aquilo que quisermos.

Nietzsche vê razão na vida apenas nesta visão radicalmente antropocêntrica – e, ao fazê-lo, ele alivia a coceira de ouvidos que outrora incomodava. Mas, obviamente, os pensamentos de Nietzsche não trazem consolo, vida e bênçãos, mas sim dor, aflição e morte. Que Deus dê olhos a nossos amigos e vizinhos para que possam enxergar esta verdade.

Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: What Nietzsche Meant When He Said ‘God is Dead’. The Gospel Coalition.

Douglas Blount é professor de Filosofia e Ética Cristã no Southern Baptist Theological Seminary, em Louisville, Kentucky.

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