Como está a sua saúde espiritual? | Carolyn Nystrom & J. I. Packer

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Por que precisamos fazer checkups regulares de nossa saúde espiritual? Fora da temporada de jogos, o atleta nem sempre percebe quando seu condicionamento físico começa a se tornar bem inferior ao de seus companheiros — ganho de peso, um pouco de flacidez na coxa, perda de fôlego em uma corrida mais intensa — esses detalhes passam despercebidos. Tudo ainda parece bem — e este é justamente o problema. Da mesma forma, pessoas perfeitamente normais, quando enfraquecidas por uma gripe ou outra enfermidade, começam a esquecer como é se sentir realmente bem. “Não tive sempre de me apoiar na cadeira toda vez que ando até o sofá? Não fico sempre sem ar quando caminho em direção à cozinha? Sim, acho que sim. Fui eu mesmo que atravessei correndo e rindo todo esse corredor e, depois, ainda rolei pelo chão com as crianças? Claro que não!” Ficar doente ou não se sentir muito bem começa a parecer “normal”. A mesma coisa acontece em relação à saúde espiritual. Do mesmo modo que podemos começar a perder nosso condicionamento físico (se é que alguma vez o tivemos), podemos começar a perder nosso preparo espiritual, aquele condicionamento que nos traz alegria e confiança, paz, amor e produtividade, e dificilmente percebemos o que aconteceu. Nossa fraqueza espiritual começa a nos parecer normal. Nessas horas, precisamos passar pela “sacudida” de um checkup. 

Diversas são as razões que nos levam a uma condição espiritual precária, estado em que simplesmente nos falta energia para Deus e para sua glória; a consequência, no entanto, é sempre a mesma. Aquela paz, aquela boa disposição cheia de vida, aquela alegria que um dia sentimos já não faz parte de nossa condição de vida normal. William Cowper, que viveu boa parte de seus dias em profunda depressão, escreveu certa vez: “Onde está a felicidade que eu senti quando pela primeira vez vi o Senhor?”. Muitas vezes, pessoas que estão à deriva no mar do cansaço espiritual se fazem essa mesma pergunta. 

Essas pessoas podem sentir-se física e mentalmente exaustas. Às vezes, caem em uma atitude de permanente irritação para com as outras pessoas, com a igreja, com o marido, a esposa ou os filhos, ou até mesmo com seu empregador. É claro que esses sintomas podem representar algum problema de ordem médica ou até um esgotamento crônico por causa do excesso de trabalho. Mas, seja o que for que esteja acontecendo, essas pessoas começam a não se sentir bem espiritualmente e pode ser que precisem de direção espiritual para se recuperar, talvez muito mais do que de outras formas de ajuda que elas também possam precisar. 

Temos forte convicção de que a direção de Deus só será recebida de forma segura por aqueles cujo coração estiver bem com Deus e cuja motivação for a glória de Deus — aspectos que são sinais de boa saúde espiritual. Se pessoas que não estão com boa saúde espiritual buscarem a direção de Deus, como muitas fazem, elas se sentirão frustradas, decepcionadas, talvez até desiludidas e certamente angustiadas, porque as coisas simplesmente não darão certo. Muitos livros abordam o tema da direção de Deus, e alguns deles oferecem uma série de excelentes lições, mas poucos falam do pré-requisito para a boa saúde espiritual: a direção de Deus somente deve ser esperada quando a pessoa estiver em boa forma espiritual. Essa nos parece uma questão de importância crucial, e por isso a enfatizamos aqui. 

Uma das primeiras coisas que ocorre quando estamos sem direção espiritual é que caímos sob o poder do orgulho, que é a expressão básica do pecado original que normalmente assume o controle nesses casos. O orgulho de alguma forma nos diz: “Primeiro eu; quero que minhas escolhas, assim como tudo mais, me coloquem no topo”. Depois, nosso orgulho se manifesta sob todos os tipos de atitudes e manobras forjadas para colocar outras pessoas para baixo, de modo que realmente possamos ficar no topo, por cima. Traçar todos os meandros das atitudes que as pessoas adotam a serviço de orgulho é como mapear o delta do rio Mississippi — o complexo de canais e remansos e a quantidade de lama encontrados ali são sempre muito grandes. Entretanto, o cristão rebelde mal sabe que se encontra em situação espiritualmente precária. Essa falta de consciência espiritual é o começo de um problema que não pode ser resolvido até que a pessoa encare francamente o fato de que o orgulho a dominou e que é isso que está causando a desordem — que ela sente, ainda que de forma um tanto vaga — em que a vida delas se transformou. 

As biografias bíblicas oferecem muitas lições práticas sobre isso, das quais duas das mais completas e claras são sobre a vida do homem que escreveu o salmo 23, o próprio Davi. Olhe para Davi por um momento. Ele foi um jovem pastor piedoso que se tornou um rei piedoso. O profeta Samuel desde o início o reconheceu como um homem segundo o coração de Deus, e o apóstolo Paulo confirma que esta foi a avaliação final que Deus fez dele (veja 1Sm 13.14 e At 13.22). Líder carismático e homem de ação, músico talentoso e poeta profundamente devocional, amigo carinhoso e inimigo generoso, servo sincero e adorador ardente de Deus, constantemente preocupado em honrá-lo e em trazer benefícios para o povo de Deus, Davi merece lugar na galeria dos heróis de Hebreus 11 entre aqueles que “por meio da fé, venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas […] tornaram-se poderosos na guerra, puseram em fuga exércitos estrangeiros” (Hb 11.32-34). E o salmo 23 mostra que, por todos os seus dias, ele se viu como uma ovelha que Deus estava guiando pelas “veredas da justiça” — veredas de santidade, integridade, sabedoria e virtude (v. 3), como vimos. Contudo, sua vida de serviço a Deus foi manchada por dois grandes lapsos, semelhantes a doenças quase fatais que se intercalam em uma vida normalmente saudável. Parece que, em ambos os episódios, o orgulho incitou em Davi uma insensatez realmente desastrosa. O primeiro episódio está relacionado a Bate-Seba e Urias; o segundo, ao recenseamento da nação. 

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A fim de entender a lamentável história de Davi e Bate-Seba, devemos constatar que a poligamia entre os reis daquela época era um símbolo de status. Era tido como natural que os reis tivessem várias esposas e concubinas, e Deus não fez questão disso nem com Davi nem com Salomão. O que foi tão terrível nesse episódio, entretanto, até mais do que satisfazer a luxúria de Davi — algo que em si já era ruim o bastante —, foi que o rei engravidou uma mulher que ele sabia ser esposa de outro homem, violando assim os sétimo e décimo mandamentos. Não tendo conseguido enganar o marido de Bate-Seba, quando tentou fazê-lo acreditar que o bebê fosse dele, Davi o enviou para a morte certa, a fim de poder se casar com sua mulher, violando assim também os sexto, oitavo e nono mandamentos. Poderíamos muito bem perguntar: “O que estava acontecendo com Davi?”. A resposta evidente é que o ócio físico (ele não liderou suas tropas na guerra, mas ficou em casa descansando) o tinha induzido à indiferença e ao vazio espiritual; ele não estava pensando no que poderia e deveria fazer para Deus, e sim no que poderia fazer para agradar a si mesmo, como fazia qualquer outro rei da época. Sua mente fora amortecida por seu orgulho egoísta. Como sabemos, Deus julgou Davi por isso: o primeiro filho que teve com Bate-Seba morreu, e a vida de Davi, tanto familiar quanto pública, foi devastada pela rebelião de Absalão. (Veja 2Sm 11—12 e compare 12.11 com 16.20-22. Para o arrependimento futuro de Davi, veja salmo 51.) 

O recenseamento ordenado por Davi, do qual Joabe tentou sem sucesso dissuadi-lo, também manifestou um lapso de orgulho de alguém que estava com sua consciência adormecida. Não havia outra razão para o recenseamento a não ser a arrogância de um monarca que queria ser capaz de dizer ao mundo quantas pessoas ele governava e quão grande seria o exército que poderia reunir, caso precisasse. Na tentação para que Davi agisse assim, incitada por Satanás (1Cr 21.1-8), estava sendo expressa a ira de Deus contra Israel por pecados não especificados (2Sm 24.1); e o juízo de Deus sobre Davi, por seu próprio pecado ao realizar o recenseamento, foi fazê-lo escolher qual das três formas de depreciação pública o povo, juntamente com seu rei, deveria agora sofrer (veja 2Sm 24 e 1Cr 21 para conhecer por completo essa triste história). 

Nos dois episódios, a graça redentora se manifestou para Davi quando, alertado sobre seu pecado e repreendido por isso, ele reconheceu seu erro, humilhou-se, não fez segredo de sua culpa, arrependeu-se, lançou-se à misericórdia de Deus e pediu perdão, recuperando assim sua sanidade espiritual. Esta é a única maneira que os servos de Deus podem ser restaurados quando caem em pecado, seja por terem pecado plenamente conscientes do erro que eles estavam cometendo, seja por não perceberem que era pecado senão depois de tê-lo cometido, como aparentemente aconteceu no caso de Davi. Todos nós, cristãos, precisamos aprender essa lição, pois todos haveremos de cometer erros e cair em pecado de um tipo ou de outro, e todos, de tempos em tempos, necessitamos trilhar o mesmo caminho de volta que Davi trilhou antes de nós, para o qual a regra é: quanto maior a insensatez cometida mais radical precisa ser o arrependimento. A sabedoria, no entanto, nos diz para buscar evitar tais lapsos, conhecendo bem nossas próprias vulnerabilidades e nunca as perdendo de vista. Contudo, para isso, precisamos de amigos fiéis e checkups periódicos, que nos trazem de volta ao tema que temos diante de nós. 


 

Trecho extraído e adaptado da obra: O Deus que nos guia e guarda, dos autores Carolyn Nystrom & J. I. Packer publicado por Edições Vida Nova: São Paulo, 2014, p. 74-80 . Publicado no site Cruciforme com permissão.


Carolyn Nystrom é autora e coautora de muitos livros, entre eles Is the Reformation over? [A Reforma acabou?]. Formada na Wheaton College, escreveu mais de 80 livros, metade deles para crianças. Além deste livro, escreveu outro em coautoria com J. I. Packer: Oração: do dever ao prazer (Cultura Cristã). Ela também escreveu vários artigos e estudos bíblicos indutivos para adolescentes e adultos.
J. I. Packer (1926-2020) foi doutor em filosofia pela Universidade de Oxford e durante muitos anos lecionou Teologia na Regent College, em Vancouver, no Canadá. Escreveu vários livros, entre eles Caminhando no poder do Espírito, O Deus que nos guia e guarda, Fé ativa e Força na fraqueza, publicados por Vida Nova.

Como posso saber qual é a vontade de Deus para a minha vida?

Ou a vontade de Deus para minha carreira? Ou para a pessoa com quem devo me casar? A direção de Deus talvez seja o assunto que mais desperta o interesse dos cristãos, mas é também o menos compreendido.
Neste estudo prático e bíblico sobre a direção divina, você encontrará sólidos fundamentos para entender como e por que Deus guia seu povo. Aprenda qual é o papel das Escrituras, do discernimento, da sabedoria, do conselho e do Espírito Santo em nos ajudar a descobrir a vontade de Deus.

Ao final de cada capítulo, foi incluído um guia de estudo que pode ser usado individualmente ou em grupo.

 

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