Stan Lee (1922-2018) | Silas Chosen

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A cultura pop está infestada de super-heróis. Até mesmo em lugares onde você não espera ver um, o impacto da não tão recente febre por personagens de histórias em quadrinhos atinge a todos. Quer seja na linguagem, quer seja nas referências. Embora muita gente (incluindo alguns de seus criadores) ainda considere tudo isso um grito do adolescente interior de todas as pessoas, uma espécie de crise de Peter Pan em escala global, essa crise de Peter Pan virou a grande influência pop dos anos 2010. E a mais rentável.

E é bem possível que o maior responsável por essa onda, que já está há décadas sendo ensaiada, seja o roteirista de quadrinhos e personalidade excêntrica mais requisitada e mais amada do universo, Stan Lee, que foi para o Valhalla em novembro de 2018.

Veterano da Segunda Guerra Mundial, assim que entrou no negócio de escrever para os quadrinhos, Lee olhou para o escopo do que todos os concorrentes estavam fazendo. E o que enxergou eram seres mitológicos inalcançáveis, cheios de grandiloquência e de escopos cósmicos. Decidiu que queria fazer o oposto: colocar os pés no chão. Inventou o Quarteto Fantástico, uma família de super-heróis que ia ter nas fraquezas e nas humanidades de seus personagens o maior motivo para o sucesso tremendo. Não parou mais de inventar heróis que, enquanto eram coloridos, animados, engraçados, eram também trágicos, errôneos, falhos e terrivelmente humanos.

Não é só o fato de que Peter Parker é o protagonista de suas histórias, e não o Homem-Aranha. Mas que seus fãs se identificaram muito com seu lado mundano: além de enfrentar vilões superpoderosos, combater o crime, enfrentar ameaças inimagináveis, ele tinha que achar uma maneira de pagar o aluguel, de dar atenção para a namorada, de ajudar sua tia idosa. E o drama criado virou a marca registrada de seus heróis: conflitos reais misturados com as loucuras mais viajadas possíveis.

Foi de sua esposa Joan a ideia de que talvez heróis pudessem simplesmente “nascer com seus poderes”. Então, bem na época onde os direitos civis estavam em ampla discussão, Lee e a lenda Jack Kirby criaram os X-Men, parafraseando as trajetórias dos líderes Martin Luther King Jr. e Malcolm X, nas personalidades do Professor Xavier e de Magneto. Sem falar de Hulk, Thor, Homem de Ferro, Demolidor e Dr. Estranho. Além disso, ajudou a revitalizar o Capitão América, o Namor, e criou a ideia de que todos esses personagens viviam no mesmo universo e poderiam até se encontrar.

Ele procurava proximidade com seu público de outras formas também. Estabeleceu um sistema de cartas de fãs, onde sempre escrevia falando sobre todo tipo de assunto, sempre com a personalidade que o tornou conhecido e tão querido pelos fãs. Ele também trabalhou para que os artistas de suas revistas fossem reconhecidos, dando destaque para nomes como Kirby, Steve Dikto, John Romita Sr.

Medir o impacto do conjunto da obra de Stan Lee é um tanto impossível. Se para muitos os super-heróis são coisas de criança, que deveriam ficar com as crianças, Lee transformou-os em mitologias novas. Histórias que usamos para traduzir sentimentos e valores, tanto os mais épicos quanto os mais primordiais.

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Foram das histórias dele que os quadrinhos em massa começaram a discutir abuso de drogas, confrontando o finado Código Moral de Conduta que o mercado todo precisava seguir. Gerações de crianças aprenderam coisas como coragem, esforço, sacrifício e honestidade nas páginas coloridas de seus personagens. Além de começarem a entender sobre racismo, xenofobia e outros vilões da vida real. Às vezes eram temas centrais às histórias. Às vezes, nas próprias seções de cartas, onde Lee poderia soltar o verbo sem nenhuma máscara, como nesta mensagem que escreveu em 1968:

“Vamos deixar claro logo de início. Preconceito e racismo estão entre as doenças sociais mais fatais das que estão infectando o mundo de hoje. Mas, ao invés de um grupo de super-vilões fantasiados, eles não podem ser impedidos com um soco na fuça, ou um ‘zap’ de uma arma laser. A única maneira de destruí-los é expô-los – revelá-los pelos males insidiosos que eles realmente são. O racista é um odiador irracional – alguém que odeia cegamente, fanaticamente, indiscriminadamente. Se o que incomoda ele são homens negros, ele odeia TODOS os homens negros. Se um ruivo ofendeu ele, ele odeia TODOS os ruivos. Se algum estrangeiro consegue o trabalho que ele queria, TODOS os estrangeiros são inimigos. Ele odeia pessoas que nunca viu antes e pessoas que ele nunca conheceu com um veneno igual. Agora, não estamos tentando dizer que não é razoável que um ser humano incomode outro. Mas, mesmo que qualquer um tenha o direito de não gostar de outra pessoa, é completamente irracional e patentemente insano condenar uma raça inteira – desprezar uma nação inteira – vilificar uma religião inteira. Cedo ou tarde precisamos aprender a julgar uns aos outros por nossos próprios méritos. Cedo ou tarde, se a humanidade é para ser digna de seu destino, nós precisamos encher nossos corações com tolerância. Então, e só então, nós seremos verdadeiramente dignos do conceito de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus – um Deus que chama a TODOS NÓS – de seus filhos. Pax Et Justitia.

Foi-se o bom velhinho que cumpriu as responsabilidades que seus poderes trouxeram. Que criou um exército de pessoas que eram que nem a gente. Mas que, podendo ser mais, nos mostraram caminhos novos. Maneiras diferentes de salvar o mundo, um dia de cada vez.

Excelsior.

Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente.

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