Eu culpo a Sra. Hill. Ela foi minha professora de Escola Dominical em minha infância e foi ela que começou. Com seu sorriso caloroso, ela me ensinou as histórias de Jesus em seu painel de E.V.A. surrado. Ela colocava figuras de papel de Jesus e dos discípulos no quadro coberto de flanela e as movia para ilustrar a lição específica do dia. Eu aprendi sobre um homenzinho e seu sicômoro, um menino que deu a Jesus seu lanche e Lázaro que ressuscitou como uma múmia egípcia dos mortos. Mas principalmente aprendi sobre Jesus. Jesus, malvado e indomado.
Eu culpo a Sra. Hill e seu painel de E.V.A. pela minha contrariedade. Foi aquela história sobre Jesus virando a mesa contra os religiosos poderosos de sua época que fez meu sangue ferver. Para mim, essa foi a história mais emocionante de todas. Alguns dos santos mais piedosos me contaram mais tarde que Jesus agiu “fora do caráter” quando se incomodou com os mercadores que vendiam seus produtos no templo, mas de alguma forma eu sabia que era mais do que isso. Jesus virou as mesas porque estava mais irado do que um gato molhado. Se a imagem de Jesus como um “rabino furioso” o perturba, então o objetivo aqui é compreender.
Ele estava irado. Ele jogou para o alto pombos e bolsas cheias de moedas. Espalhou as ovelhas com cordas e ameaçou os bodes que as vendiam por preços exorbitantes. O zelo do Senhor o consumiu. E quando eu ouvi a história, ela começou a me atormentar muito também.
Ela não retratou um Jesus que podia fazer comerciais de xampu maravilhosos, com seu cabelo sedoso e rosto perfeitamente repartido. Ela nos ensinou que Cristo tinha fogo em seus olhos e luz em seus punhos. Ele não era uma divindade-capacho. Ele era tudo menos respeitável. Isso o tornava digno de respeito.
Ele viu Pedro, Tiago, João, Mateus e os demais servindo como massa de manobra e disse-lhes para se afastarem de tudo. “Sigam-me”, disse ele. E eles seguiram. Eles não foram feitos para serem iguais a todos os outros.
Jesus Cristo foi a encarnação do paradoxo. Ele abençoou os desafortunados e amaldiçoou os grandes e poderosos. Ele se rebaixou às prostitutas e enfrentou os fariseus. Ele não era dado a discursos banais fofinhos como a maioria dos ministros modernos. Ele se dirigiu a seus congregados combativos como víboras, túmulos caiados, filhos bastardos de Abraão e outros títulos bastante elogiosos. E o fez sem apagar um só pavio fumegante.
De vez em quando precisamos nos lembrar de que Jesus tinha um testemunho detestável. Ou seja, ele muitas vezes se comportou e falou de maneiras que alguns de nossos irmãos mais piedosos considerariam “anticristãs”. Embora ninguém pudesse condená-lo por qualquer pecado (Jo 8.46), isso não impediu que seus inimigos falassem como se pudessem condená-lo. Ele era, ao que parece, um glutão (Lc 7.33), um beberrão (Mt 11.19), um blasfemador (Mc 14.64) e um companheiro de má reputação (Mc 2.15). Dizer que ele era um homem de reputação questionável seria dizer o mínimo.
Às vezes me distraio com pensamentos de grandes homens do passado ao entrar em uma máquina do tempo para fazer uma visita clandestina às instituições que receberam seus nomes. A maioria desses experimentos mentais termina com móveis espalhados pelas salas de espera, mesas derrubadas, vidros quebrados e sirenes girando ao fundo. E se você duvida que nossos “veneráveis mortos” possam se comportar de maneira tão desagradável, apenas reflita sobre o que aconteceu quando Jesus, a própria imagem de Deus (Hb 1.3), apareceu no lugar onde o todo-poderoso fez habitar o seu nome (Dt 12.11). Primeiro ele fez um chicote. Em seguida, causou um tumulto.
Por pensarmos que estamos servindo apenas àquele Jesus gentil, manso e suave, tendemos a perder um aspecto peculiar das reformas que pode ser visto repetidamente ao longo da história da igreja. As reformas gloriosas só são vistas como tais por nós quando as olhamos através das lentes de três séculos e meio. Os herdeiros da reforma geralmente gostam dos reformadores principalmente porque estão todos mortos e não estão mais causando problemas. Todo mundo adora uma boa reforma até que alguma alma imprudente tenha a ideia de realmente reformar algo. Os filhos dos profetas preferem muito mais quando seus profetas são falecidos. Talvez quando estiverem mortos por uma geração ou mais eles deixem de ser objetos de críticas e ataques. Depois de duas gerações já é possível comprar uma enceradeira para a rotunda de mármore. É assim que as gerações posteriores constroem túmulos e memoriais para os profetas — profetas que eles não tolerariam nem por um minuto andando por aí em sua temperatura normal.
Como isso acontece? Há um padrão. Quando Deus levanta homens que efetivamente desafiam os ídolos de seus dias, a primeira coisa que eles encontram é uma forte oposição. Essa oposição é frequentemente caracterizada por hostilidade e perseguição por parte daqueles que são abertamente leais aos ídolos. Mas esses homens de Deus são fiéis em face da oposição, e logo muitos outros estão se unindo à sua causa.
Agora, as pessoas que se juntam a eles geralmente se dividem em dois grandes grupos: aqueles que entendem o que está acontecendo e aqueles que não entendem. Mas, quer entendam ou não o que está acontecendo neste movimento, eles, no entanto, se comprometem como discípulos zelosos. O primeiro grupo é atraído pelo que está de fato acontecendo. O segundo grupo é atraído por aspectos disso, ou pelo fato de que algo emocionante está acontecendo, mas sua compreensão do quadro geral é, na melhor das hipóteses, obscura.
Mas seus líderes continuam a fazer o que Deus os chamou para fazer, que é derrubar ídolos. O palco já está montado. Na hora certa, a oposição começa sua campanha de calúnias. Embora os líderes recebam o peso da calúnia, a calúnia não é dirigida a eles. O alvo é o grupo de pessoas atrás deles que imediatamente se preocupam com o pobre testemunho. Eles conhecem e amam seus líderes e sabem que as acusações são falsas. Mas sua resposta instintiva e natural é tentar fazer com que seus líderes modifiquem seu comportamento para que o inimigo pare de interpretá-los mal. Com essas pessoas, a preocupação com a reputação é muito importante. É um ídolo do coração, um ídolo que eles ignoraram e esqueceram de derrubar.
Essas pessoas acreditam que é sempre ruim fazer insultos que não cairiam bem no boletim da igreja. Assim, é importante fazer uma distinção que é feita por São Pedro. Ele diz o seguinte: “Se sois insultados por causa do nome de Cristo, sois abençoados, porque sobre vós repousa o Espírito da glória, o Espírito de Deus. Mas nenhum de vós sofra como homicida, ladrão, praticante do mal, ou como quem se intromete em negócios alheios. Mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; pelo contrário, glorifique a Deus com esse nome” (1Pe 4.14-16). Em linguagem simples, se você sofre como ladrão porque roubou algo, então você deveria se envergonhar. Mas se você é acusado de roubo por causa de sua fidelidade a Cristo, então Deus deve ser glorificado. Quando isso acontece conosco, diz Pedro, é porque o Espírito da glória está repousando sobre nós. Quando conquistada na busca da verdade, uma reputação manchada é muito mais desejável do que uma envernizada.
Esta é a razão pela qual Jesus diz que quando todos os homens falam bem de nós, devemos ficar preocupados (Lc 6.26). Ele diz que as mentiras públicas sobre nós são uma guirlanda para ser usada na cabeça. “Bem-aventurados sois, quando vos insultarem, perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, pois a vossa recompensa no céu é grande; porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.11-12). Uma vez que é uma honra ser desonrado, uma graça ser desgraçado, devemos agradecer a Deus por esse privilégio sempre que nos for dado por Deus. Mentirosos e covardes podem nos trazer tais provações, mas foi nosso Deus quem os enviou.
Mas este próximo ponto é a chave, e é o que separa na igreja aqueles que “entendem” daqueles que não “entendem”. Aqueles que “obtêm” respondem às calúnias com vários salmos de imprecação, defesas, contra-ataques polêmicos, argumentos, apelações e assim por diante (Sl 56.5-7; 2Co 11.1-33; Mt 23; At 20.26-35; 25.11). Mas aqueles que não entendem querem responder às calúnias prometendo não cutucar mais a onça com vara curta. É a diferença entre extinguir os dardos do maligno com um escudo de fé e tentar infielmente arranjar um cessar-fogo. Esses irmãos acham mais virtuoso manter suas bandeiras brancas imaculadas para a inevitável rendição.
Se os profetas da Bíblia aparecessem em cena em nossos dias, eles receberiam palestras sobre cativação e seriam enviados para um curso de reeducação de Dale Carnegie. Os profetas da corte do evangelicalismo escreveriam artigos de pensamentos prolixos contra esses “problemas de Israel”, nos quais opinam: “Se ao menos esses tesbitas parassem de destruir seu potencial evangelístico, fazendo piadas de que Baal não sai de seu banheiro…”
Traduzido e publicado com permissão.
Texto original: Turning the Tables on Christian Respectability. American Reformer.
J. Brandon Meeks (PhD., University of Aberdeen) é escritor, músico de estúdio e às vezes poeta. Serve como teólogo residente em sua paróquia anglicana no Arkansas. É autor de "The Foolishness of God: Reclaiming Preaching in the Anglican Tradition" e é um colaborador regular do The American Conservative. |