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Imagem: The Alp Studio

Invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás.
Salmos 50.15

Acontecimentos trágicos revelam nossas dúvidas mais profundas e pessoais acerca de Deus. Muitos observaram, por exemplo, que a assiduidade das pessoas a igrejas nos Estados Unidos aumentou depois dos ataques terroristas de 11 de Setembro. As pessoas estavam buscando por respostas. Se a dificuldade é grande ou pequena, se nos atinge pessoalmente ou se apenas assistimos a ela pela TV, temos a tendência, em tempos de adversidade, de procurar respostas para nossos questionamentos mais profundos.

É claro, algumas pessoas menosprezam a Deus e chegam até a expressar raiva dele. Logo depois do tsunami no sul da Ásia, em 26 de dezembro de 2004, um colunista do The Herald, de Glasgow, na Escócia, escreveu:

Deus, se é que existe um, deveria ter vergonha de si próprio. A absoluta monstruosidade do desastre do tsunami asiático, a morte, a destruição e o caos que provocou e a escala da miséria que causou com certeza devem testar a fé até do crente mais convicto. […] Espero ter razão quando afirmo que não existe Deus algum. Porque, se existisse, então ele teria de assumir a culpa. Na minha conta, ele seria tão culpado quanto o pecado, e eu não iria querer saber dele.[1]

Uma pesquisa online disponível por vários meses depois do tsunami no website Beliefnet perguntava: “Deus tem algo a ver com desastres naturais como o tsunami?”. Os resultados demonstraram, de forma consistente, que quase metade de quem se manifestou concordava com a seguinte afirmação: “Embora eu acredite em Deus, o sobrenatural não teve nada a ver com essa tragédia”.[2]

Mas, assim como manchetes suscitam dúvidas sobre o envolvimento de Deus, o mesmo vale para a tragédia pessoal; talvez até mais, pois muitas vezes sofremos sozinhos com nossas dúvidas e ansiedades. Enquanto escrevia este livro, sete amigos meus lutavam contra o câncer. Um dia, durante o almoço, um empresário, e também amigo, confidenciou-me que sua empresa se aproximava da falência. Outro amigo estava angustiado por causa de um adolescente rebelde em relação às coisas espirituais. A verdade é que todos nós enfrentamos a adversidade de várias formas e em diferentes momentos. Um dos livros mais vendidos nos últimos anos, escrito por um psiquiatra, apresenta muito bem o problema com uma simples declaração de abertura: “A vida é difícil”. Na verdade, às vezes a vida é mesmo bem dolorosa.

A adversidade, com a dor emocional que a acompanha, apresenta-se de diversas formas. Pode ser a angústia de um casamento infeliz, a decepção de uma gravidez interrompida ou a dor por causa de um filho espiritualmente indiferente ou rebelde. Existe a ansiedade de quem responde pelo ganha-pão da família e acaba de perder o emprego, e o desespero da mãe jovem que se descobriu portadora de uma doença terminal.

Outros vivenciam a frustração de esperanças desfeitas e dos sonhos não realizados: um negócio que deu errado ou uma carreira profissional que nunca decolou. Outros ainda experimentam o ferrão da injustiça, a angústia monótona da solidão e a dor penetrante do luto inesperado. Existe a humilhação da rejeição por parte de outros, a ferida que arde com o preconceito racial, a dor e confusão do rebaixamento de cargo no trabalho e, às vezes, o pior de tudo: a angústia do fracasso por culpa própria. Enfim, há o desespero de constatar que algumas circunstâncias difíceis — uma enfermidade física nossa ou talvez um filho com uma séria deficiência — jamais mudarão.

Todas essas circunstâncias e fatos contribuem ainda mais para a ansiedade e a dor emocional que todos nós experimentamos em diversos momentos e em níveis variados. Algumas dores são repentinas, traumáticas e devastadoras. Outras adversidades são crônicas, persistentes e parecem ter sido projetadas para desgastar nosso espírito ao longo do tempo.

Somando-se às nossas próprias dores emocionais, costumamos ser chamados para ajudar a suportar a dor alheia, seja de amigos ou de familiares. Nenhum dos exemplos que usei nos parágrafos anteriores é só imaginário. Eu poderia pôr nomes de pessoas ao lado de cada exemplo. A maioria está na minha lista de oração pessoal. Quando amigos e entes queridos sofrem, nós sofremos.

Nos dias em que somos atingidos pela adversidade pessoal — ou quando crises enormes surgem na tela da nossa televisão —, até o cristão se sente tentado a perguntar: “Onde Deus está? Ele não se importa com os milhares que passam fome no leste da África, ou com os civis inocentes sendo brutalmente assassinados em muitos países pelo mundo que estão devastados pela guerra? Ele não se importa comigo?”.

Em uma escala bem menor, quem está livre de grande dor ainda assim experimenta os frequentes acontecimentos da vida cotidiana que frustram ou causam ansiedade, os quais se apoderam da nossa atenção a qualquer momento e nos roubam a paz de espírito. Férias planejadas há muito tempo têm de ser canceladas por causa de uma doença, a máquina de lavar quebra no dia em que chegam visitas, suas anotações de aula se perdem ou são roubadas um dia antes de uma prova importante, seu vestido favorito rasga a caminho da igreja e assim por diante. Exemplos dessa magnitude são numerosos. A vida está repleta deles.

É verdade que ocorrências assim banais são apenas temporárias e são rebaixadas a nível de insignificância ao lado dos eventos de fato trágicos da vida. Contudo, para a maioria de nós, a vida é cheia desses pequenos acontecimentos, pequenas frustrações, pequenas ansiedades e pequenos desapontamentos que nos provocam — tentando nos afligir, enfurecer e preocupar. Mas mesmo em meio a essas pequenas adversidades, somos tentados a perguntar: “Posso confiar em Deus?”.

Mesmo quando a vida parece acontecer do jeito que desejamos, e nosso caminho diário se mostra tranquilo e agradável, não sabemos o que o futuro reserva. Como disse o rei Salomão: “… não sabes o que ele [o dia de amanhã] trará” (Pv 27.1). Alguém descreveu a vida como ter uma cortina grossa pendurada de um lado ao outro do caminho que trilhamos, uma cortina que recua enquanto avançamos, mas só passo a passo. Nenhum de nós pode dizer o que há para além da cortina; nenhum de nós sabe que acontecimentos um único dia ou hora pode trazer para nossa vida. De vez em quando a cortina, ao recuar, revela eventos muito parecidos com o que esperávamos, mas com frequência revela eventos bastante inesperados, e muitas vezes os mais indesejados. Tais eventos, desenrolando-se na direção contrária de nossos desejos e expectativas, costumam encher nosso coração de ansiedade, frustração, angústia e dor.

Quem segue a Cristo não está imune a essas dores. Na verdade, muitas vezes parece que sua dor é mais severa, mais frequente, mais inexplicável e sentida com mais profundidade do que a do descrente. O problema da dor é tão antigo quanto a história do homem, e igualmente universal. A própria criação, revela Paulo, geme e sofre como em trabalho de parto (veja Rm 8.20-22).

Portanto, a pergunta surge com naturalidade: “Onde está Deus em tudo isso?”. Você pode mesmo confiar em Deus quando a adversidade o atinge e enche sua vida de dor? Ele de fato vem em resgate daqueles que o buscam? Ele livra quem o invoca no dia da angústia, como o texto no início afirma? O amor infalível do Senhor cerca a pessoa que nele confia? (veja Sl 32.10).

Deus está mesmo no controle? É digno de confiança? Ele vai ajudar? Até o apóstolo Paulo implorou a Deus três vezes para retirar o espinho de sua carne antes de, afinal, descobrir que a graça divina era suficiente (2Co 12.7-10). José implorou ao copeiro do faraó: “… tira-me deste cárcere” (Gn 40.14). E o escritor de Hebreus declara com grande sinceridade: “Nenhuma disciplina parece no momento motivo de alegria, mas de tristeza…” (Hb 12.11). No tempo em que trabalhei neste livro, vivenciei um desses períodos de adversidade em que achei difícil confiar em Deus. O meu período de adversidade aconteceu na forma de uma enfermidade física que potencializou uma debilidade que tive a vida inteira. Ela surgiu em um momento muito inconveniente, e por várias semanas não reagi a nenhum tratamento médico.

Durante essas semanas, orando continuamente a Deus por alívio, fui lembrado das palavras de Salomão: “Considera as obras de Deus: Quem poderá endireitar o que ele fez torto?” (Ec 7.13). Deus trouxera um incidente “torto” a minha vida, e me tornei perfeitamente ciente de que só ele seria capaz de endireitá-lo. Eu poderia confiar em Deus quer ele “endireitasse” minha situação e aliviasse minha aflição, quer não? Acreditava de fato que um Deus que me amava e que conhecia o que era melhor para mim estava no controle da situação? Poderia confiar nele, mesmo sem o compreender?

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Mais ainda, eu poderia encorajar outros a confiar nele em meio a dores do sofrimento emocional? Toda ideia de confiar em Deus na adversidade não passa de um lugar-comum cristão que não se sustenta face às dificuldades da vida? Você pode realmente confiar em Deus? Pode reconhecer que ele está no controle da sua situação particular? Ele se importa?

Passei boa parte da minha vida adulta incentivando pessoas a buscar a santidade e a obedecer a Deus. No entanto, reconheço que muitas vezes parece mais difícil confiar do que obedecer a ele. A vontade moral de Deus transmitida para nós na Bíblia é racional e razoável. As circunstâncias em que devemos confiar em Deus costumam parecer irracionais e inexplicáveis. Reconhecemos de pronto que a lei de Deus é boa para nós, mesmo quando não desejamos obedecer a ela. Contudo, as circunstâncias da nossa vida muitas vezes parecem terríveis e implacáveis, ou talvez até calamitosas e trágicas. A obediência a Deus se desenvolve dentro dos limites bem definidos da vontade revelada dele. Mas a confiança nele se exercita em uma arena que não tem fronteiras. Desconhecemos o alcance, a duração ou a frequência das circunstâncias dolorosas e adversas em que a todo instante precisamos confiar em Deus. Estamos sempre lidando com o desconhecido.

Todavia, é tão importante confiar em Deus quanto obedecer-lhe. Quando desobedecemos a Deus, desafiamos sua autoridade e desprezamos sua santidade. Mas quando deixamos de confiar em Deus, duvidamos de sua soberania e questionamos sua bondade. Em ambos os casos denegrimos sua majestade e caráter. Deus vê nossa falta de confiança nele com a mesma seriedade com que vê nossa desobediência. Quando o povo de Israel tinha fome, criticava o Senhor dizendo: “pode Deus preparar uma mesa no deserto? […] dará carne ao seu povo?” (Sl 78.19). Os próximos dois versículos nos dizem: “Quando o Senhor os ouviu, indignou-se […] porque não creram em Deus nem confiaram na sua salvação” (Sl 78.21,22).

Eis um ponto importante: para confiarmos em Deus, devemos sempre ver nossas circunstâncias adversas com os olhos da fé, e não com os dos sentidos. E como a fé para a salvação vem pelo ouvir a mensagem do evangelho (veja Rm 10.17), assim também a fé para confiar em Deus na adversidade vem apenas pela Palavra de Deus. Só nas Escrituras encontramos uma visão adequada do relacionamento e do envolvimento de Deus com nossas circunstâncias dolorosas. É apenas das Escrituras, aplicadas a nosso coração pelo Espírito Santo, que recebemos a graça de confiar em Deus na adversidade.

Na arena da adversidade, as Escrituras nos ensinam três verdades essenciais acerca de Deus — verdades em que devemos crer, se pretendermos confiar nele na tribulação. São elas:

  • Deus é absolutamente soberano;
  • Deus é infinito em sabedoria;
  • Deus é perfeito em amor.

Alguém expressou do seguinte modo essas três verdades em relação a nós: “Deus, em seu amor, sempre deseja o que é melhor para nós. Em sua sabedoria, sempre sabe o que é melhor, e em sua soberania, tem o poder de concretizá-lo”.

A soberania de Deus é assegurada, explícita ou implicitamente, em quase todas as páginas da Bíblia. Na minha pesquisa bíblica, nunca senti que concluí de verdade a compilação da lista de versículos sobre a soberania de Deus. Novas referências continuavam a aparecer quase toda vez que eu abria minha Bíblia. Considere apenas uma:

Quem poderia mandar e fazer acontecer as coisas,

Sem que o Senhor não o tenha ordenado?

Não é o Altíssimo que envia tanto o mal como o bem?

(Lm 3.37,38)

Essa passagem das Escrituras escandaliza muita gente. As pessoas têm dificuldade para aceitar que tanto as desgraças quanto as bênçãos provêm de Deus. Muitas vezes indagam: “Se ele é um Deus de amor, como pôde permitir uma desgraça como essa?”. Mas o próprio Jesus confirmou a soberania de Deus na desgraça quando Pilatos lhe disse: “Não sabes que tenho autoridade tanto para te soltar como para te crucificar?”. Jesus respondeu: “…Nenhuma autoridade terias sobre mim, se do alto não te fosse dada…” ( Jo 19.10,11). Jesus reconheceu o controle soberano de Deus sobre sua vida.

Como Deus sacrificou o próprio Filho por nossos pecados, e isso é um ato tão maravilhoso de amor para conosco, temos a tendência de ignorar que essa foi para Jesus uma experiência dolorosa, muito além de tudo que podemos imaginar. Para ele, em sua humanidade, foi uma desgraça suficiente para levá-lo a orar “Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice” (Mt 26.39), mas ele não vacilou em sua confirmação do controle soberano de Deus.

Em vez de se escandalizar com a declaração bíblica da soberania de Deus tanto na bênção quanto na desgraça, os crentes deveriam ser confortados por ela. Qualquer que seja nossa desgraça ou adversidade particular, podemos estar certos que nosso Pai tem um propósito de amor nessa situação. Como disse o rei Ezequias: “Passei por grande sofrimento para o meu próprio bem” (Is 38.17). Deus não exerce sua soberania por capricho, mas apenas do modo que seu amor infinito considera melhor para nós. Jeremias escreveu: “Embora entristeça a alguém, terá compaixão segundo a grandeza da sua misericórdia. Porque não lhe agrada afligir nem entristecer os filhos dos homens” (Lm 3.32,33).

A soberania de Deus também é exercida em sabedoria infinita, muito além de nossa capacidade de compreensão. Após examinar as tratativas soberanas, mas inescrutáveis de Deus com seu próprio povo, os judeus, o apóstolo Paulo se curva diante do mistério dos atos divinos com estas palavras:

Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! (Rm 11.33)

Paulo reconheceu o que também precisamos reconhecer se pretendemos confiar em Deus. O plano de Deus e seu modo de implementá-lo costumam estar além da nossa capacidade de decifrá-los e compreendê-los. Precisamos aprender a confiar quando não entendemos.

Não importa se nossa dor é banal ou traumática, temporária ou interminável. A despeito da natureza das circunstâncias, temos de aprender a confiar em Deus se quisermos glorificá-lo em meio a elas.

__________________

[1] Allan Laing, “Wave that beggared my belief ”, The Herald, January 4, 2005, p. 14.

[2] Beliefnet.com, extraído de uma pesquisa disponível durante o ano de 2005.

Trecho extraído e adaptado da obra “Deus está mesmo no controle? Confiando em Deus nas adversidades da vida“, de Jerry Bridges, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2018, pp. 14-23. Traduzido por Jurandy Bravo. Publicado no site Tuporém com permissão.

Jerry Bridges (1929-2016) foi um renomado escritor cristão e autor de diversas obras como Pecados intocáveis e Quem sou eu? (publicados por Vida Nova). Bridges também trabalhou muitos anos com a organização The Navigators, entidade dedicada ao treinamento e ao discipulado cristão.
Todos os dias podemos enfrentar problemas, provações, tragédias: uma catástrofe natural do outro lado do mundo, um trágico acidente envolvendo um amado membro da família, ataques terroristas, tempestades que deixam milhares de desabrigados e até mesmo relacionamentos desfeitos. Ao deparar com esses acontecimentos, todos buscamos as mesmas respostas: “Por quê? Onde está Deus em tudo isso? Deus está realmente no controle?”.

Jerry Bridges, um dos principais autores cristãos ​​do nosso tempo, ajuda seus leitores a refletir sobre essas questões à luz das Escrituras. Desse modo, você pode aprender a entender e a confiar na sabedoria, no amor e na soberania de Deus no meio de pequenas decepções e de grandes tragédias.

Publicado por Vida Nova.

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