iGen: os desafios da geração superconectada | Luiz Adriano Borges

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Por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a idade adulta.

Esta é uma resenha do livro “iGen” de Jean Twenge (Editora nVersos, 2018).

iGen, geração i ou centennial, se refere à geração que nasceu a partir de 1995, tendo marcos como o nascimento da internet neste ano, a abertura do Facebook para maiores de treze anos em 2006 e o lançamento do iPhone em 2007. Se você trabalha com crianças e adolescentes, se você é um pai recente ou pretende ser, ou se quer saber mais sobre os nascidos nessa faixa, esse livro é quase que obrigatório.

Jean Twenge é professora de psicologia na Universidade Estadual de San Diego. Para este livro, ela coletou e analisou dados de cerca de 11 milhões de crianças e adolescentes, graças a uma série de levantamentos encaminhados pelo governo norte-americano, além de entrevistas pessoais que a própria autora conduziu.

O resultado é um diagnóstico, com certeza não definitivo porque muitas causas são complexas, de como os jovens, por um lado estão mais individualistas, focando mais em questões de identidade, com saúde mental debilitada, sem participar de comunidades presenciais, demorando mais para sair de casa, mas, por outro lado, mais tolerantes com tudo (o que eu percebo como uma era profundamente relativística e em busca de autenticidade) e mais focada em segurança.

Claro que a tecnologia tem um papel fundamental nessa geração, como a própria letra “i” de internet na caracterização desses jovens.

Um dos dados que mais me alarmou foi a relação que a autora estabelece com o tempo de internet. Os adolescentes (e algumas crianças também) gastam até 7 horas por dia com telas, predominantemente na internet. Isso está causando o fim da leitura e, consequentemente, queda nos índices de testes de avaliações escolares. Prefere-se ver vídeo de animais engraçados do que assistir a documentários, séries e ler livros.

Há um lado sombrio das telas: problemas de saúde mental e infelicidade. Podíamos pensar que os adolescentes que se comunicam incessantemente via redes sociais deveriam ser tão felizes e não sentir solidão e depressão quanto aqueles que se encontram pessoalmente com os amigos e fazem atividades que não envolvem telas. Mas isso não é verdade. Julia Twenge percebeu que quanto mais se passa tempo em atividades com telas (TV, videoconferência, jogando on-line, mensagem de texto, mídia social, internet), mais infeliz se é.

(P. 98)

Pode-se afirmar que a conclusão não se segue necessariamente; que adolescentes infelizes passem mais tempo on-line. O paradoxo Tostines: os adolescentes são primeiramente infelizes e então usam mais internet, ou usam mais internet e então se tornam mais infelizes? Várias pesquisas sugerem que o tempo gasto diante de telas de fato causa infelicidade. Lembrando que a fonte dos dados para isso vem de resposta de milhares de crianças.

A base de dados para essa relação especificamente é o “Monitoring The Future”, uma instituição dos Estados Unidos, que faz mais de mil perguntas a alunos do 3º ano do ensino médio anual desde 1976 e entrevista alunos da 8ª série do ensino secundário e da 1ª série do ensino médio. Uma das perguntas era o quanto eles estão felizes em geral (muito feliz, razoavelmente feliz ou não muito feliz) e quanto tempo passam em diversas atividades durante o tempo livre. A resposta sobre felicidade é dos próprios alunos, não há definição do que seria felicidade nesses dados. Imagino que esta é uma questão individual e subjetiva.

De qualquer forma, o que os dados mostram é que, quanto mais se gasta em atividades com telas, mais as crianças e adolescentes são tristes, solitárias e depressivas. Nesse sentido, e os dados também mostram, as atividades longe das telas, como interação social, esportes e exercícios físicos, serviços religiosos, trabalho fora ou dentro de casa tornam as pessoas mais felizes, menos solitárias e com menos riscos de se tornarem depressivas. É uma tendência e não uma verdade final. O bom senso já nos leva a essa conclusão, mas tendemos a ignorar os fatos, porque é mais fácil dar uma “telinha” para uma criança do que levá-la ao parque.

Sempre é bom enfatizar que a autora não é contra a tecnologia – nem nós deveríamos ser –, mas que deve ser focada a questão de moderação. Segundo os dados analisados pela autora, os problemas começam a aparecer quando se gasta mais de duas horas na internet.

O distanciamento de relações pessoais e ênfase nos relacionamentos virtuais também têm trazido aumento em cyberbullying, (um tema pouco ou nada debatido em nossas comunidades). Bullying sempre existiu, mas o anonimato e a despersonalização das redes facilitam o ataque. Um a cada três adolescentes norte-americanos sofrem ou sofreram de cyberbullying – o que pode ter uma relação direta com o aumento de suicídio dessa geração. A taxa de suicídios entre adolescentes norte-americanos aumentou após 2008, coincidindo com a época em que a utilização de smartphones se tornou mais comum.

Outro fator negativo na onipresença das redes sociais entre crianças e adolescentes são os sentimentos de inadequação: as redes enfatizam os pontos positivos; ninguém faz postagens desfavoráveis a seu favor, logo se cria uma realidade distorcida, que influencia muitos a se sentirem “perdedores”. Segundo Jean Twenge, “Essa é a história de vida dos centennials nas redes sociais, e cada vez mais a história da geração deles. Como os patos cujos bicos eles imitam nas selfies, os centennials são calmos e bem-compostos na superfície, mas no fundo se debatem loucamente”. (p. 122).

Estamos criando uma das gerações mais inseguras que já existiu, com aumento de transtornos mentais, como menos horas de sono trocadas por checagem das redes… mas, segundo Twenge, há uma maneira simples e grátis de melhorar a saúde mental de nossas crianças e adolescentes: ajudar eles a largarem o celular e fazerem outra coisa.

Outras consequências que também advém do uso de internet e redes sociais são uma constante onda de abandono da fé, de sentimentos de insegurança e mudanças de opinião e atitudes em relação a sexo, casamento, filhos e questões LGBT. A marca da geração iGen é uma individualidade exacerbada e um grande relativismo moral. Então, cada um pode e deve decidir como viver. A era da autenticidade. Como têm acesso a muita informação, e por não estarem inseridos em uma comunidade real, acabam construindo e costurando uma visão própria desses assuntos.

Essa busca por segurança tem produzido coisas bizarras que têm aparecido nos Estados Unidos, mas que não deve demorar a chegar por aqui: são os espaços seguros. Como os estudantes podem se sentir “vitimados” por falas de alguns palestrantes em universidades, se concebem espaços onde eles podem ir e se sentir seguros emocionalmente.

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Algo também que qualquer professor percebe é que os adolescentes e jovens parecem que estão nas salas de aula como obrigação somente. Há um grande desinteresse por estudos e qualquer fala de professor de mais de 15 minutos é uma “palestra” entediante. A faculdade para os jovens deixou de ser um lugar para aprendizado e descobertas, passando a ser somente um passo para conseguir um emprego. Como eles podem obter facilmente conhecimento online e, muitas vezes, de forma “divertida”, com vídeos e tudo mastigado, as aulas ficam chatas. E sabemos da queda brusca em índices de leitura de livros nas gerações mais novas.

No capítulo sobre “sexo, casamento e filhos”, podemos perceber uma acentuação de fenômenos que já víamos notando: sexo cada vez mais cedo, casamento mais tarde e filhos mais tarde ainda ou nunca. Mas, um fato preocupante, e que, inclusive, achei que a autora trabalhou pouco, é o problema da pornografia. Com acesso à internet liberado desde cedo, crianças estão tendo facilidade em acessar pornografia.

Isso gera uma noção de sexo desajustada, levando até muitos jovens a terem problemas nessa área. E em nossas igrejas há um silêncio sobre isso. Será algo que explodirá em problemas de aconselhamentos de casais.

Eu tinha para mim que os problemas de depressão e suicídio entre jovens universitários, por exemplo, se resumia na falta de uma comunidade (religiosa, fraternal, familiar etc.); muitos estudantes estudam distante de onde seus pais e amigos moram e têm dificuldades de estabelecer novos vínculos. Como muitos estudos comunitaristas apontam (Charles Taylor, Alasdair MacIntyre, James K. A. Smith, entre outros), a falta de comunidade é um dos grandes problemas da pós-modernidade.

Mas isso parece ambíguo face à ênfase virtual em comunidades. Os adolescentes anseiam estar conectados com dezenas, centenas e até milhares de “amigos”; seja enviando mensagens, gifs, memes ou vídeos engraçados, o relacionamento é constante. Entretanto, o que podemos perceber neste livro é que estas comunidades são fakes. Elas não promovem um encontro real. Quem é professor ou convive com adolescentes percebe uma grande dificuldade deles em se relacionar pessoalmente. Eles preferem a “segurança” de ficar por detrás de uma tela.

Isso tem implicações sérias para todo educador e também as igrejas devem buscar compreender esses fatores. Há uma grande ausência e distância de discussões sobre tecnologia em nossas comunidades. Mas devemos ser sábios e amadurecer em como utilizamos nossas tecnologias. Como cristãos, muitas vezes assumimos que a tecnologia é má. Puramente. Então, demonizamos redes sociais e celulares. Mas também tem o outro lado: aceitarmos livremente a tecnologia sem criticidade, utilizar eletrônicos como babás de nossas crianças e adolescentes, enfim, liberar geral.

Devemos ter um posicionamento crítico em relação à tecnologia. Ter consciência que as tecnologias não são puramente más ou boas, que podemos fazer bons usos da tecnologia, mas também ter noção de que nenhuma tecnologia é neutra. Isso é importante. Como qualquer artefato humano, uma tecnologia é criada com uma intenção. Muitas vezes temos dificuldades em perceber a real intenção por trás das tecnologias que usamos, mas é essencial saber disso. Uma rede social, apesar da gratuidade de utilização, pressupõe lucro. Portanto, serão utilizados todos os meios para manter as pessoas cada vez mais fissuradas em ficar online. (No aplicativo do Facebook para celular tem um ícone especial para os vídeos engraçados). E as crianças e adolescentes são os mais propensos a cair no canto da sereia das redes. Como é relatado no livro, o vício em internet é um mal real hoje em dia; além disso, percebermos os efeitos negativos causados pelo abuso de celulares e internet. Alguém está lucrando com isso, mas os beneficiários não são nossas crianças.

Não devemos pregar uma posição fundamentalista de fuga do mundo, de não utilização de tecnologia; devemos procurar maneiras sábias de utilização. Lutero utilizou as mídias mais atuais em seu contexto: escreveu suas teses na porta de uma igreja e traduziu a Bíblia para a linguagem do povo. Como cristãos, temos utilizado as redes sociais e a internet de maneira sábia? Como nossos filhos têm utilizado? São ferramentas de edificação ou de perdição?

Mesmo não se tratando de um livro cristão, percebe-se pela temática a necessidade de educadores cristãos estudarem e aplicarem as conclusões do livro em suas comunidades. Talvez começar com grupos de estudos e formação. Sejamos criativos. O que não dá é continuar a negar o problema.

Jean Twenge conclui seu livro com o sugestivo título “Entendendo – e salvando – a iGen”. O primeiro conselho é largar o celular. O melhor é adiar o máximo possível o momento de dar um celular às crianças e adolescentes. Ou ao menos limitar o uso. Isso parece algo antiquado, mas muitos diretores e executivos do ramo de tecnologia regulam como seus filhos usam dispositivos tecnológicos. Steve Jobs, por exemplo, disse em 2010 que seus filhos pequenos não usavam iPad, dizendo que limita o tempo de uso de tecnologia. Como diz Adam Alter, citado por Twenge, no livro “Irresistível”: “ao que parece, as pessoas que criam produtos tecnológicos estão seguindo a regra de ouro dos traficantes de drogas: nunca consuma demais aquilo que você vende”.

Mais uma vez: não se trata de abolir o uso de smartphones mas sim de combater o uso excessivo. Revendo a maneira como estamos sendo fisgados pela tecnologia e como essa nova geração tem utilizado as novas tecnologias fará somente bem. Desligue o celular e vá viver realmente.

Agradeço a conversa online sobre o livro com meus amigos Fernando Pasquini e Bruno Porreca.

Luiz Adriano Borges é professor de história na UTFPR-Toledo, lecionando sobre história da técnica, tecnologia e sociedade, filosofia, sociedade e política. Sua área de pesquisa centra-se na História e Filosofia da Tecnologia e da Ciência. Seus projetos mais recentes são: “A visão cristã da tecnologia” e “Esperança em Tempos de guerra. Ciência, tecnologia e sociedade em Tolkien, Huxley, Lewis e Orwell (1892-1973)".

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