Lutando pela luz: depressão cristã e o uso de medicamentos | Kathryn Butler

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RESUMO: O mundo da depressão clínica é sombrio e complexo, um emaranhado de problemas biológicos, emocionais e espirituais que faz com que nos sintamos presos nas sombras. Nos casos mais graves, a recuperação total requer uma abordagem holística que envolve aconselhamento, exercícios espirituais e o uso correto de medicamentos antidepressivos. Os cristãos que sofrem com a depressão clínica podem receber a medicação, como qualquer outra dádiva da bondade de Deus, como uma forma, entre outras, de obterem ajuda para colocar sua esperança nEle.

Uma conhecida minha, Becky, é uma avó que diz ter sua maior alegria em “agradar ao Senhor e andar em fé com Ele”. Ela medita na Palavra diariamente, e há décadas vem guiando outras pessoas através de estudos bíblicos. Seu coração pertence a Cristo, e Ele aviva sua mente todos os dias. Mesmo assim, períodos de culpa e incertezas têm interrompido a caminhada de Becky com o Senhor, pois, mesmo se mantendo totalmente devota a Cristo, ela também luta com a depressão clínica. Para manter a clareza e o foco na Palavra de Deus, ela depende da ajuda de medicamentos antidepressivos.

Assim como acontece com frequência, a depressão é algo comum na família de Becky. Quando tinha vinte e poucos anos e o desespero a atacou pela primeira vez, Becky já havia visto sua mãe sucumbir à escuridão profunda e sofrer surtos mentais. Ela havia testemunhado, de primeira mão, como a depressão pode destruir uma vida, além de perceber o papel importante que a medicação e o aconselhamento podem desempenhar ao trazer de volta aqueles que sofrem.

Mas mesmo essas experiências não foram capazes de diminuir a preocupação de Becky em tomar os antidepressivos sozinha. Ela se perguntava se estaria fazendo o certo ao tomar remédios para ajudar com algo parecia ser de origem espiritual. Sua culpa só aumentou quando alguém de autoridade, na igreja, disse: “É raro alguém realmente precisar de antidepressivos, porque normalmente as coisas podem ser resolvidas biblicamente”.

“Ouvir aquilo do púlpito me fez cair nas profundezas da culpa”, ela disse. “Eu me sinto tão culpada que preciso tomar esse medicamento que tem me feito sentir melhor há anos”.

Um assunto preocupante

As dúvidas que assolam Becky incomodam muitos de nós que sofremos de depressão. Alguns de nós pensam que, se dependemos de medicamentos, é porque nossa fé é fraca. Outros confundem antidepressivos com opioides e temem ficar viciados. Por outro lado, nossa cultura avessa à dor, que prioriza o conforto e a gratificação instantânea, pode nos induzir a procurar prescrições químicas para a aflição comum. Surgem perguntas por todos os lados: antidepressivos são lícitos? São suficientes? O fato de precisarmos deles reflete uma fé débil? Qual o lugar deles no meio de outras formas da graça com a qual Deus nos abençoou, como a oração, o estudo da Palavra e o aconselhamento?

Após um exame minucioso da depressão, seu tratamento, e como a Bíblia nos guia em meio ao sofrimento, essas perguntas deveriam dar lugar ao discernimento e à gratidão. Nenhum medicamento tem o poder de apagar a sujeira dos nossos corações. Mas, em Seu amor longânimo e em Sua misericórdia para conosco, Deus nos presenteou com a ciência médica como sendo um meio de bondade comum. Dentro das circunstâncias corretas, quando cuidadosamente somados ao aconselhamento e a disciplinas espirituais, os antidepressivos podem nos levar vagarosamente em direção à luz do dia. Nunca devemos confiar exclusivamente em medicamentos, como também não devemos condenar aqueles que os usam como parte de uma abordagem abrangente.

Mais do que tristeza

A essa altura da discussão, precisamos definir alguns termos. No mar agitado que é nossa vida, todos podemos passar por períodos de luto, choro e tristeza. Na maioria dos casos, esses vales têm limites. Podemos até nos deixar afundar, mas continuamos capazes de escalar, e depois de um tempo conseguimos respirar ar puro novamente.

Depressão clínica, também chamada de transtorno depressivo maior, se encontra fora dessas variações normais de humor. O fato de que a depressão aumenta a taxa de suicídio em 27 vezes comparada com a do resto da população deveria nos alertar sobre algo terrivelmente errado.1 Na depressão maior, a falta de esperança, o desespero e a falta de motivação persistem muito tempo após as feridas terem se curado, por motivos que nem mesmo a vítima consegue identificar. Ela não consegue controlar sua descida à escuridão, nem se livrar de suas muletas por pura e espontânea vontade, porque os fatores sociais, espirituais e práticos que podemos ver com facilidade interagem com partes do cérebro que são profundas e difíceis de se ver. As consequências disso são não apenas espirituais, mas também físicas (veja a tabela abaixo)2, impedindo a vítima de conseguir fazer as coisas mais básicas do cotidiano. Ela passa a sentir que é impossível rir, conversar e interagir, mesmo com aqueles a quem ama.3 Os cuidados pessoais rotineiros oprimem a vítima, e alguns de nós nos vemos entrevados a nossas camas, privados de alegria a ponto de não conseguirmos encarar o mundo. De várias formas, viver com depressão lembra muito a morte.

É muito importante diferenciar essa doença da aflição e tristeza comuns, porque Deus trabalha através do nosso sofrimento para nos refinar (Gênesis 50:20; Jonas 2; Romanos 5:2-5). Nunca devemos usar de meios químicos para nos ajudar a lidar com os picos e vales típicos de nossas emoções. A melancolia e a angústia podem, não apenas, ser reações dignas às labutas de um mundo caído, como também Deus nos disciplina, nos molda e nos traz mais perto de Si através de nossas tribulações. Até Jesus chorou à face da perda (João 11:34-36).

Entretanto, a depressão não é uma aflição típica. Ela pode persistir mesmo quando não passamos por uma catástrofe em nossos dias. É uma fera complexa, cujas vítimas precisam desesperadamente de oração, amor cristão e ajuda profissional.

Um problema complicado

Pouquíssimas vítimas da depressão maior recebem, realmente, a ajuda que necessitam. A culpa, que é um traço do transtorno (vide tabela), e a vergonha impedem muitas vítimas da depressão de procurarem ajuda.4 Em uma pesquisa feita com 5,4 milhões de adultos nos EUA, que mostra uma carência por serviços de saúde mental não suprida, 8,2% não procuram tratamento porque não querem que os outros saibam, 9,5% porque “pode ser que os vizinhos ou a comunidade tenham uma opinião negativa sobre isso”, e 9,6% devido à preocupação com confidencialidade. 28% acreditam poder lidar com o problema sem tratamento, e 22,8% não sabem onde devem ir para receber tratamento.5 Essas estatísticas revelam que a estrada que leva à cura é uma ladeira íngreme. Muitos a trilham sozinhos.

E mesmo os que procuram ajuda precisam enfrentar um caminho tortuoso, sem soluções fáceis. Não temos uma cura instantânea para a depressão, porque os fundamentos neurobiológicos que causam nosso desânimo são muito mais elaborados do que um simples desequilíbrio químico. Na depressão, as regiões do cérebro responsáveis pela memória e pela execução de funções encolhem, assim como os caminhos que conectam essas áreas às que controlam humor, medo e motivações.6 A perda de células cerebrais é acelerada entre os deprimidos.7 As ações dos sinais químicos entre neurônios são interrompidas, principalmente a serotonina, um neurotransmissor que ajuda a regular humor, sono, apetite e dor.8 Embora não saibamos, em todos os casos, se essas mudanças causam a depressão ou se são resultado do transtorno, elas sugerem o motivo pelo qual as vítimas têm dificuldade de se recuperar. Na depressão, a arquitetura dos nossos próprios cérebros nos aprisiona na escuridão.

E mesmo que a depressão contenha muitas mudanças neurológicas, a biologia, por si só, não conta a história toda. Embora algumas pessoas tenham predisposição genética para desenvolver depressão maior,9 um primeiro episódio requer uma combinação desse risco com gatilhos sociais, psicológicos e espirituais. Doenças médicas contribuem em até 15% dos casos, e a depressão aumenta o risco de um futuro ataque cardíaco em duas ou três vezes entre as pessoas com doenças cardíacas.10 Pessoas com transtorno afetivo sazonal, que lutam com a depressão durante os meses de inverno, reagem bem à fototerapia com luz brilhante, ao passo que outros que não possuem esse padrão temporal não reagem da mesma forma. Algumas vítimas lutam contra a ansiedade na depressão, outras contra a melancolia, e outros ainda contra catatonia ou psicose. Essa variedade sugere que o diagnóstico a que atualmente chamamos de depressão maior talvez seja um termo genérico, que abrange múltiplas síndromes relacionadas, possuindo efeitos parecidos, mas com mecanismos causativos distintos.

Essa diversidade na depressão cria desafios no tratamento, já que a luta de uma pessoa pode não se assemelhar à de outra. Pesquisas promissoras sugerem que ressonâncias magnéticas do cérebro podem apresentar resultados diferentes entre subtipos depressivos e permitir tratamentos mais precisos.11 Mas essa pesquisa é preliminar. Enquanto isso, a depressão continua a destruir suas vítimas, ganhando o décimo primeiro lugar na lista da Organização Mundial de Saúde de enfermidades que mais causam deficiência e morte.12 O tratamento para um transtorno tão complicado, variado e debilitante não progride de maneira simples.

Opções imperfeitas

Os dois pilares do tratamento para depressão clínica são medicamentos antidepressivos e psicoterapia ou aconselhamento. Embora essas duas frentes possam prover apoio estimulante, nenhum oferece um alívio imediato. E embora ambos desempenhem papéis vitais na recuperação, nenhum deles diminui a importância de disciplinas espirituais enquanto lutamos para recuperar nossa alegria.

A maioria dos antidepressivos funciona aumentando a concentração de serotonina no cérebro. Dada a forte evidência de baixa transmissão de serotonina em vítimas da depressão, esperamos, por décadas, que restaurar a serotonina pudesse reverter o transtorno. Com o que sabemos atualmente sobre a estrutura cerebral e de sua rede neural em vítimas da depressão, não é de se surpreender que antidepressivos produzam pouco efeito. Embora esses medicamentos possam prometer melhoras críticas nos sintomas, eles facilitam a remissão total em somente cerca de 50% dos casos se usados sozinhos.13 Embora esse efeito possa ser estimulante para metade das vítimas, é uma decepção para uma classe de medicamentos que esperávamos poder tratar definitivamente a doença. (Imagine que nosso predicamento de insulina reduzisse o açúcar no sangue em apenas metade dos diabéticos, ou que os antibióticos erradicassem as infecções bacteriais mais comuns em apenas metade dos casos). Uma pesquisa também revela apenas um pequeno benefício da terapia antidepressiva contra pílulas de placebo. Só o fato de encontrar com um prestador de saúde para receber um placebo constitui cuidado e conexão pessoais, e alivia os sintomas em até 35% dos casos.14

Essa pesquisa, acompanhada pelas críticas que estudos que favorecem antidepressivos normalmente sofrem do viés de publicação, fomentou uma discussão se antidepressivos realmente funcionam. No ano passado, um grupo de pesquisa tentou acabar com essa discussão conduzindo uma meta-análise grande dos dados da FDA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária dos Estados Unidos) sobre antidepressivos, e descobriu que todos os vinte e um agentes estudados tinham melhor efeito do que o placebo. O estudo chamou a atenção da mídia, com manchetes exuberantes que diziam “A Discussão Acabou!”. Mas os dados garantem uma resposta mais contida. A partir desses resultados, podemos dizer, com confiança, que os antidepressivos podem reduzir os sintomas da depressão após oito semanas de terapia. Isso é uma boa notícia para quem luta para tentar sair das trevas, para os quais mesmo uma pequena melhora pode dar estabilidade para encarar o mundo. Mas ainda não significa que os antidepressivos tenham ganhado uma reputação de proporcionarem curas milagrosas.15

No total, as pesquisas sobre antidepressivos favorecem o seu uso como um dos componentes de uma abordagem abrangente. Antidepressivos normalmente são necessários para nos prepararmos para o árduo trabalho que é a recuperação, mas geralmente não são suficientes. Embora os antidepressivos possam melhorar nosso humor sombrio, a recuperação total também requer atenção a elementos que a farmacologia não consegue penetrar: nosso apoio social, nossos padrões de pensamento, nossos hábitos e histórias, e principalmente nossa caminhada com Cristo. Embora os antidepressivos melhorem a transmissão de serotonina, a psicoterapia e o aconselhamento podem nos ajudar a passar pelas barreiras cognitivas que atrapalham a recuperação. E uma vida rica em oração e leitura da Bíblia, com o apoio do corpo de Cristo, é essencial para nos guiarmos através da tempestade.

Apoio não farmacológico

Geralmente, o termo psicoterapia assusta os cristãos, que automaticamente o associam a Sigmund Freud, um ateu. Entretanto, o termo se refere a várias abordagens na psicologia clínica, muitas das quais são bem diferentes da psicodinâmica Freudiana. De acordo com a literatura médica, as terapias cognitiva-comportamental e interpessoal são as que causam maior efeito contra a depressão, mas outros métodos também ganham favor.16

A psicoterapia e o aconselhamento podem ser cruciais em manter a depressão sob controle. Estudos mostram que os antidepressivos e a psicoterapia possuem eficácia parecida no tratamento da depressão aguda, mas, depois que o tratamento termina, os pacientes que param de tomar antidepressivos geralmente sofrem uma recaída.17 Em contrapartida, os benefícios da psicoterapia persistem por um longo tempo depois do fim do tratamento. A Dra. Karen Mason, professora associada de aconselhamento e psicologia no Seminário Teológico Gordon-Conwell, testemunhou esse fenômeno em primeira mão. “Existe uma vulnerabilidade biológica da qual os antidepressivos tratam, mas a pessoas também lidam com problemas sociais e comportamentais que reforçam sua depressão”, relatou ela por meio de correspondência pessoal. “Você pode fazer o uso somente de antidepressivos por seis meses, e eles ajudam, mas, assim que você para de usá-los, você fica deprimido novamente, porque os padrões de pensamento continuam presentes”.

Na experiência da Dra. Mason, o apoio espiritual também pode ser crucial para se chegar à recuperação. “As pessoas lutam através das lentes da fé que possuem”, ela observou. “Na depressão, normalmente a pessoa tem muito pouco valor próprio, e a fé pode influenciar isso”. Para o crente, criado à imagem e semelhança de Deus, nosso valor em Cristo nos ajuda a nos desvencilhar das sombras e nos agarrar à vida. Quer façamos psicoterapia ou usemos antidepressivos, a nossa identidade em Cristo, e o que Deus fez por nós na cruz, se mantêm fundamental.

Uma abordagem multifacetada

Para aqueles entre nós com casos leves de depressão maior (diagnosticado por um profissional usando instrumentos validados), faz sentido começar com terapia ou aconselhamento somente, e considerar o uso de antidepressivos após vários meses, se não houver melhora. Mas aqueles com casos graves correm um alto risco de suicídio. Nessas circunstâncias perturbadoras, a precaução de um antidepressivo unida ao aconselhamento pode salvar vidas. Realmente, dados os benefícios de se fazer psicoterapia junto com antidepressivos, a APA (Associação de Psiquiatria Americana) recomenda politerapia em casos moderados ou graves de depressão maior.18

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A APA também recomenda que os pacientes que melhoram com antidepressivos continuem tomando-os de quatro a nove meses depois do primeiro episódio, porque o risco de recorrência é maior antes desse período. Para aqueles que tiveram três ou mais episódios mais graves, a APA recomenda continuar tomando algum antidepressivo pelo resto da vida. Essas recomendações podem nos desanimar. Podemos nos preocupar em ficar viciados, e também questionar a força da nossa fé. Lemos manchetes dizendo que clínicos gerais têm prescrito 40% de antidepressivos ultimamente, quase sempre sem documentar um diagnóstico psiquiátrico, e nos perguntamos se estamos nos juntando à epidemia de automedicação para entorpecer os problemas comuns da vida.19

Antes de punirmos uns aos outros, considere que, embora metade das pessoas se recupere do primeiro episódio de depressão sem maiores problemas, depois de três episódios a chance de recorrência se aproxima dos 100%.20 Nas depressões crônica e recorrente, os antidepressivos de manutenção não implicam em vício, mas sim em uma precaução vital contra futuros episódios. Drogas viciantes produzem euforia, entorpecimento ou outros estados que causam um distanciamento da realidade e desonram a Deus (1Coríntios 6:19-20). Nosso desejo por essas substâncias nunca diminui contanto que as continuemos ingerindo. Poucas pessoas, por outro lado, cobiçam antidepressivos. Aproximadamente 60% das pessoas que tomam antidepressivos se queixam de efeitos colaterais desconfortáveis, incluindo diarreia, náusea, vômitos, insônia, sonolência, aumento de peso, disfunção sexual e ansiedade.21 Dados esses efeitos desagradáveis, a taxa de abandono de terapias antidepressivas é alta, pois vários pacientes param de tomar os medicamentos antes que seus sintomas depressivos sejam curados.22 O vício nem é uma consideração apropriada.

Quando usados com sabedoria para combater a depressão severa, os antidepressivos não oferecem um escape para o sofrimento, mas sim nos preparam para lidar com ele. Quando usados com discernimento, esses medicamentos podem nos enraizar na realidade, e nos ajudar a nos concentrar com clareza em nosso Senhor ressurreto. Becky, que compartilhou suas experiências no começo desse artigo, enfatiza o papel deles dizendo: “Esse problema criou amarras entre o Senhor e eu, enquanto eu O busco e medito em Sua Palavra – eu sei que preciso fazer isso!”.

A depressão e o sofrimento cristão

Mesmo quando compreendemos que a depressão maior não é a mesma coisa que a tristeza corriqueira, ainda assim podemos lutar contra equívocos que afirmam que a depressão é, de alguma forma, algo “não cristão”. “Como pode um crente como eu lutar com a depressão se eu tenho o evangelho?”, uma vítima me perguntou. Outra admitiu: “Eu sinto que existe algo errado comigo e com a minha suposta ‘fé’. Eu acabo me punindo por não ter o tipo de fé que me tiraria dessa depressão”. Esses comentários ressoam com os da Dra. Beverly Yahnke, diretora executiva do Centro Luterano de Cuidados e Conselhos Espirituais:

Inúmeros cristãos bem-intencionados são convictos de que pessoas fortes na fé simplesmente não ficam deprimidas. Alguns passaram a crer que, se alguém possui a virtude do batismo, ela é protegida dos perigos da mente e do humor. Outros sussurram, de forma rude, que aqueles que colocam suas preocupações nas mãos do Senhor simplesmente não se tornam alvo de uma doença que deixa suas vítimas emocionalmente desoladas, desesperadas e que consideram o suicídio como um refúgio e conforto – um meio mais do que certeiro de acabar com uma dor implacável.23

Uma suposição comum dentre essas dúvidas é de que a esperança do evangelho deveria nos proteger contra os males da mente. Mas essas afirmações carecem de empatia e de fundamentos bíblicos. Cristo triunfou sobre a morte (1Coríntios 15:55; 2Timóteo 1:10) e, quando Ele voltar, todas as manifestações infelizes da morte serão lavadas (Isaías 25:7-8; Apocalipse 21:4). Mas, por enquanto, ainda vivemos no despertar da Queda. Não devemos nunca pensar que a vida cristã é um mar de rosas. Jesus nos alerta de que sofreremos perseguição no mundo que o rejeitou (Mateus 16:24-25; João 1:10-11; 15:20). Toda a criação geme (Romanos 8:22-28). O pecado ainda fervilha nos quatro cantos do mundo, incitando calamidades, infiltrando-se nas sinapses do nosso cérebro para confundir nossos pensamentos e sentimentos. Até nosso Salvador era homem de dores, experimentado nos sofrimentos (Isaías 53:3), mesmo tendo perfeita comunhão com o Pai. Embora o pecado cause sujeira no mundo, até os mais devotos a Cristo podem afundar no desespero.

O evangelho não nos promete uma libertação do sofrimento, mas sim um dom mais precioso e abundante: a certeza do amor de Deus, que prevalece sobre o pecado e nos carrega em meio às tempestades. Cristo nos oferece a esperança que transcende a devassidão desse mundo caído. O sofrimento pode nos abater. A depressão pode destruir até mesmo os mais fiéis dentre nós. Mas, em Cristo, nada pode nos separar do amor de Deus (Romanos 8:38-39).

A fonte da nossa esperança

Os cristãos deveriam se sentir autorizados a considerar tratamentos médicos – sejam antidepressivos ou não – como bênçãos, dadas por Deus como uma demonstração de Sua misericórdia. Vemos claramente, no ministério de Jesus, que a cura mostra o amor de Deus por nós (Marcos 1:40-41; 3:1-5; Mateus 8:1-3; João 9:1-7). Talvez o melhor exemplo seja a parábola do bom samaritano, quando ele interrompe sua jornada para cuidar de um homem ferido com curativos, óleo e vinho (Lucas 10:25-37). Essas passagens devem afugentar nossa culpa se precisamos fazer uso de medicamentos antidepressivos como parte de uma abordagem contra a depressão que seja multifacetada e repleta de oração.

E, mesmo que participemos dessas formas comuns de graça, elas não podem nos oferecer o renovo que encontramos em Cristo. Somente podemos matar a sede de nossas almas com a água viva que nasce do evangelho. Fazemos certo ao aceitar avanços medicinais pelo que são: bênçãos de Deus, dádivas que nos ajudam a nos curar e prosperar. Ao buscarmos tratamento, entretanto, devemos continuar a fixar nossos olhos em Deus (2Crônicas 16:12). A necessidade de olhar para Deus não se limita apenas à depressão, mas a qualquer enfermidade da mente, do corpo ou da alma. Como cristãos, nos agarramos a uma esperança que excede, de longe, todo e qualquer protocolo ou prescrição.

Quer usemos medicamentos ou não, uma resposta vital para quando nos afundamos no desespero é orar e meditar (o máximo que nossas mentes confusas nos permitirem) nessa Palavra viva e eficaz (Filipenses 4:6; Tiago 1:5; Hebreus 4:12). Quando nos ajoelhamos perante Deus em humildade e súplica e levamos nossos fardos a Ele com as mãos abertas, Ele se achega a nós (Salmo 34:18), mesmo quando fazemos uso de medicamentos ou buscamos aconselhamento. Na era vindoura, nosso Salvador irá afugentar os espectros que pairam sobre a criação (Apocalipse 21:4). Enquanto isso, podemos nos consolar no fato de que Ele também andou na escuridão. Ele também suportou duro sofrimento, não por causa de um cérebro com problemas, mas voluntariamente, por nossa causa, com um abundante amor por nós (João 3:16). E nos agarramos a essa verdade, mesmo quando as trevas descem, mesmo quando fazemos uso de medicamentos ou terapias, e, sem fôlego, lutamos pela luz.

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  1. Angst et al., “Mortality of Patients with Mood Disorders: Follow-Up Over 34–38 Years,” Journal of Affective Disorders 68, nos 2–3 (Abril de 2002): 167–81.
  2. Associação Americana de Psiquiatria, “Depressive Disorders,” em Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5a edição (Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2013).
  3. Ronald C. Kessler et al., “The Epidemiology of Major Depressive Disorder: Results from the National Comorbidity Survey Replication (NCS-R),” Journal of the American Medical Association 289, no 23 (Junho de 2003): 3095–105.
  4. Graham Thornicroft et al., “Undertreatment of People with Major Depressive Disorder in 21 Countries,” The British Journal of Psychiatry 210, no 2 (Fevereiro de 2017), 119–24.
  5. Substance Abuse and Mental Health Services Administration, Results from the 2012 National Survey on Drug Use and Health: Mental Health Findings, Dezembro de 2013.
  6. Cédric M.P. Koolschijn et al., “Brain Volume Abnormalities in Major Depressive Disorder: A Meta-Analysis of Magnetic Resonance Imaging Studies,” Human Brain Mapping 30, no 11 (Novembro de 2009): 3719–35; Uma Rao et al., “Hippocampal Changes Associated with Early-Life Adversity and Vulnerability to Depression,” Biological Psychiatry 67, no 4 (Fevereiro de 2010): 357–64; M.C. Chen, J.P. Hamilton, e I.H. Gotlib, “Decreased Hippocampal Volume in Healthy Girls at Risk of Depression,” Archives of General Psychiatry 67, no 3 (Março de 2010): 216–311; Madeleine Goodkind et al., “Identification of a Common Neurobiological Substrate for Mental Illness,” Journal of the American Medical Association: Psychiatry 72, no 4 (Abril de 2015): 305–15; Joseph L. Price and Wayne C. Drevets, “Neurocircuitry of Mood Disorders,” Neuropsychopharmacology 35, no 1 (Agosto de 2009): 192–216; Roselinde H. Kaiser et al., “Large-Scale Network Dysfunction in Major Depressive Disorder: A Meta-Analysis of Resting-State Functional Connectivity,” Journal of the American Medical Association: Psychiatry 72, no 6 (Junho de 2015): 603–11.
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  9. Patrick F. Sullivan; Michael C. Neale, e Kenneth S. Kendler, “Genetic Epidemiology of Major Depression: Review and Meta-Analysis,” American Journal of Psychiatry 157, no 10 (Outubro de 2000): 1552–62; Kenneth S. Kendler et al., “A Swedish National Twin Study of Lifetime Major Depression,” American Journal of Psychiatry 163, no 1 (Janeiro de 2006): 109–14.
  10. Bruce Rudisch e Charles B. Nemeroff, “Epidemiology of Comorbid Coronary Artery Disease and Depression,” Biological Psychiatry 54, no 3 (Agosto de 2003): 227–40.
  11. Boadie W. Dunlop et al., “Functional Connectivity of the Subcallosal Cingulate Cortex and Differential Outcomes to Treatment with Cognitive-Behavioral Therapy or Antidepressant Medication for Major Depressive Disorder,” American Journal of Psychiatry 174, no 6 (Junho de 2017): 533–45; Mary L. Phillips et al., “Identifying Predictors, Moderators, and Mediators of Antidepressant Response in Major Depressive Disorder: Neuroimaging Approaches,” American Journal of Psychiatry 172, no 2 (Fevereiro de 2015): 124–38; Andrew T. Drysdale et al., “Resting-State Connectivity Biomarkers Define Neurophysiological Subtypes of Depression,” Nature Medicine 23, no 1 (Janeiro de 2017): 28–38.
  12. J. Murray et al., “Disability-Adjusted Life Years (DALYs) for 291 Diseases and Injuries in 21 Regions, 1990–2010: A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2010,” The Lancet 380, no 9859 (Dezembro de 2012): 2197–223.
  13. George I. Papakostas e Fava Maurizio, “Does the Probability of Receiving Placebo Influence Clinical Trial Outcome? A Meta-Regression of Double-Blind, Randomized Clinical Trials in MDD,” European Neuropsychopharmacology 19, no 1 (Janeiro de 2009): 34–40; Robert D. Gibbons et al., “Benefits from Antidepressants: Synthesis of 6-Week Patient-Level Outcomes from Double-Blind Placebo-Controlled Randomized Trials of Fluoxetine and Venlafaxine,” Archives of General Psychiatry 60, no 6 (Junho de 2012): 572–79; Gerald Gartlehner et al., “Comparative Benefits and Harms of Second-Generation Antidepressants for Treating Major Depressive Disorder: An Updated Meta-Analysis,” Annals of Internal Medicine 155, no 11 (Dezembro de 2011): 772–85.
  14. Gibbons, “Benefits from Antidepressants.”
  15. Andrea Cipriani et al., “Comparative Efficacy and Acceptability of 21 Antidepressant Drugs for the Acute Treatment of Adults with Major Depressive Disorder: A Systematic Review and Network Meta-Analysis,” The Lancet 391, no 10128 (Abril de 2018): 1357–66.
  16. Alan J. Gelenberg et al., Practice Guideline for the Treatment of Patients with Major Depressive Disorder, 3a edição (Washington, DC: American Psychiatric Association, 2010), 47–49.
  17. Gelenberg, Practice Guideline, 19; Zac E. Imel et al., “A Meta-Analysis of Psychotherapy and Medication in Unipolar Depression and Dysthymia,” Journal of Affective Disorders 110, no 3 (Outubro de 2008): 197–206.
  18. Gelenberg, Practice Guideline, 18.
  19. Ryan A. Crowley et al., “The Integration of Care for Mental Health, Substance Abuse, and Other Behavioral Health Conditions into Primary Care: Executive Summary of an American College of Physicians Position Paper,” Annals of Internal Medicine 163, no 4 (Agosto de 2015).
  20. Gelenberg, Practice Guideline, 57.
  21. Gartlehner, “Comparative Benefits and Harms.”
  22. Gartlehner, “Comparative Benefits and Harms.”
  23. Beverly K. Yahnke, introdução a I Trust When Dark My Road: A Lutheran View of Depression por Todd. A. Peperkorn (St. Louis: Lutheran Church, Missouri Synod, 2009), 5.

Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Scrambling for Light: Christian Depression and the Use of Medication. Desiring God.

Kathryn Butler é cirurgiã de traumas e cuidados intensivos que se tornou escritora e mãe. É autora do livro "Between Life and Death: A Gospel-Centered Guide to End-of-Life Medical Care". Mora ao norte de Boston e escreve na Oceans Rise.

3 Comments

  1. Antonio Jose Ferro Junior disse:

    DEUS SEJA LOUVADO – SOU UM LEIGO NO ASSUNTO, TENHO LIDO VÁRIAS OUTAS MATÉRIAS DE FONTES CONSIDERÁVEIS, CONSIDERO ESTA BASTANTE ESCLARECEDORA E CREIO QUE A “IGREJA DO SENHOR” DEVERIA PARTICIPAR MAIS DESTE ASSUNTO. FICO GRATO A DEUS PODER TER LIDO ESTA MATÉRIA TÃO OBJETIVA NO QUE DESEJOU TRANSMITIR.

  2. Marcus Wambaster disse:

    É de grande importância esse excelente material e de fácil acesso, muito obrigado!

  3. EZEQUIAS disse:

    Eu amei essa postagem. Mais que um postagem, é riqueza do Céu. Procurei por algo esclarecedor para esse momento obscuro de minha vida, e achei as mais belas belas gotas de consolo. Obrigado.

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