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Esta é uma série intitulada “Expedição em busca da Verdade”, que tem por objetivo fornecer uma perspectiva racional e filosófica a respeito da existência de Deus e da veracidade do Cristianismo. Clique aqui para conferir todos os textos da série.
Depois de chegar à conclusão de que é importante buscar a verdade, de estabelecer o papel da fé em toda a busca e estabelecer um método para essa busca, eu necessitava estudar um pouco mais os meios que utilizamos para aprender coisas novas, para conhecer. Além disso, era importante analisar os problemas relacionados a cada um para evitar que eu caísse em alguma armadilha mental. É de comum conhecimento que existem quatro formas de se saber algo: sentidos, autoridade/revelação, intuição e lógica. Aqui apresento minha análise de cada uma.
Por meio dos sentidos
Esse meio envolve o uso dos nossos sentidos. Você sabe que está lendo isto porque seus sentidos o informam. Seu olho navega pelas letras formando as palavras e derivando seu sentido. Você sabe que alguém está na sua frente, pois seus sentidos o permitem ver e escutar a pessoa.
Há objeções que afirmam que, como os nossos sentidos são sinais transmitidos para o nosso cérebro, não temos como ter certeza da verdade. A objeção parte do princípio de que o cérebro é uma caixa escura sem acesso direto ao mundo exterior. Nosso cérebro processa somente sinais vindos através dos sentidos. Se esses sinais estão distorcidos, a interpretação cerebral também será distorcida.
Vemos casos de doentes mentais que “veem” coisas. Há casos de drogados que veem aparições. Parecem-me casos de sentidos danificados que causam uma sensação que realmente não existe no mundo exterior. Sem considerar as características objetivas da verdade e realidade (a realidade é absoluta?), no momento podemos concluir que essas pessoas não estão vendo a realidade como ela é, mas sim através de uma sensação distorcida dela.
Muitas filosofias e religiões pregam que nossa visão da realidade é sempre distorcida devido às limitações dos nossos sentidos; que tudo é uma grande ilusão. Desta forma, essas filosofias pregam, não podemos confiar nos nossos sentidos para nada.
Por meio de autoridade/revelação
Também conhecido por “revelação”, esse meio de saber está relacionado com a passagem de conhecimento a partir de uma pessoa com autoridade. Essa autoridade pode conhecer mais, ser uma testemunha ocular ou haver estudado mais que outra pessoa. Seja como for, essa pessoa possui mais acesso ou conhecimento e o transmitiu.
Usamos isso hoje em dia no sistema jurídico. Usamos a informação de testemunhas para determinar a inocência ou culpa de um réu. Essas testemunhas servem de “autoridade”, pois tiveram um acesso maior do que o nosso com respeito ao crime. Note que a testemunha passou a conhecer através dos seus sentidos, enquanto que os jurados passam a conhecer através de revelação. São dois meios de se “saber” dependendo do seu papel.
Por meio de intuição ou emoção
Esse meio é mais controverso, pois parece ser menos confiável e sujeito ao engano. No entanto, é considerado um meio de saber. Intuições morais de certo e errado, de justo e injusto parecem estar enraizadas em nossas intuições. Quando vemos psicopatas cometendo atrocidades, nos questionamos por que essas pessoas não sentem nada quando fazem o que fazem. Esse sentimento, essa forma de discernir o bom do ruim, não vem dos sentidos ou revelação. Parece estar enraizada em nossas intuições e emoções, de forma que, quando nos deparamos com alguém que não as possui, as consideramos psicopatas ou doentes mentais.
Por meio de lógica e da razão
Por último, temos a lógica e razão para se conhecer as coisas. Nós sabemos que 2 + 2 é igual a 4 não pelos nosso sentidos ou intuição. É claro que um dia fomos ensinados isso, de forma que alguns podem alegar que esse conhecimento foi adquirido por revelação. Isso é em parte verdade. No entanto, podemos aplicar esse conhecimento nós mesmos colocando quatro pedrinhas numa mesa e dividindo essas pedrinhas em dois grupos de dois. Com uma simples contagem, podemos concluir pela razão de que 2 + 2 = 4, embora originalmente tenhamos recebido esse conhecimento por revelação.
Se afirmamos “O solteiro é aquele que não possui uma esposa” e nos deparamos com alguém que não possui uma esposa, concluímos que essa pessoa é solteira. Note que a única informação passada foi de que a pessoa não possui uma esposa. Dois conhecimentos foram adquiridos por revelação: 1) Solteiros não possuem esposas, 2) Essa pessoa não possui esposa. O terceiro conhecimento de que essa pessoa é solteira não foi adquirido por revelação, mas sim por conclusão lógica.
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Podemos então usar esses quatro meios de saber para descobrir a verdade? Seriam essas boas ferramentas para se levar na minha expedição em busca da verdade? Embora pareça fazer sentido, nenhum meio me parecia confiável. Cada meio possui problemas sérios para se buscar a verdade. Como ser humanos, somos tendenciosos ao engano. Como escalar acima dessas tendências, reconhecê-las e controlá-las?
O problema dos sentidos
Nossos sentidos podem muitas vezes nos enganar. Vemos isso em shows de mágica e ilusão. Ilusionistas se utilizam de artifícios para confundir nossos sentidos fazendo-os concluir uma realidade que não existe. Essa confusão nos nossos sentidos é o que faz um bom show de ilusão. Note por exemplo a imagem abaixo:
As linhas parecem tortas embora não sejam. Nosso cérebro se confunde e conclui algo errado. É por isso que algumas filosofias afirmam que não podemos confiar em nossos sentidos. Nossos sentidos são 100% falhos e não temos condições de determinar verdades como mostrado na ilusão acima. Será que isso realmente vem a ser o caso?
Eu não creio esse ser o caso. Sim, nossos sentidos podem nos enganar e realmente mostrar uma realidade que não existe. Há afirmações também de que não temos como provar que não estamos numa “Matrix” em que no fundo somos somente cérebros numa tigela conectados a um supercomputador que injeta estímulos que nos fazem pensar que existe uma realidade. Eu gostaria de apresentar duas considerações com respeito a essas objeções.
A primeira consideração é a de que, embora nossos sentidos possam nos enganar, em muitas das vezes podemos insistir um pouco mais para uma conclusão usando os próprios sentidos. Vejamos a ilusão apresentada acima. Embora nossos sentidos a princípio nos engane em pensar que as linhas são tortas, podemos fazer uma referência cruzada com outro experimento que nos ajuda a identificar a realidade. Pegue uma régua ou outro objeto que seja reto e coloque sobre as linhas. Verá que são retas. Essa referência cruzada, esse esforço adicional de análise nos permite corrigir o erro inicial de nossos sentidos.
A segunda consideração se refere ao conceito de cancelador (“defeater”, em inglês). Esta ideia parte da premissa de que é a razoável crer em algo DESDE QUE não existam canceladores, isto é, informações conclusivas para se deixar de crer. No nosso caso prático da ilusão acima, temos um cancelador, pois, com o uso de uma régua, podemos concluir que as linhas não são tortas de forma definitiva.
No caso da afirmação de que podemos estar numa “Matrix”, embora isto seja uma possibilidade, na ausência de um cancelador (“defeater”) é razoável presumir que podemos em geral confiar em nossos sentidos; a não ser que o contrário seja provado. No caso da Matrix, creio que seja razoável pensar que não estamos em uma realidade virtual a não ser que alguém mostre provas conclusivas para isto, de forma a alterar nossa visão original por meio desse cancelador. Como nunca vi um cancelador para essa posição, creio que seja razoável pensar que podemos confiar em nossos sentidos em geral, desde que validemos cuidadosamente e façamos referências cruzadas como fizemos com a ilusão e uma régua.
Note uma coisa interessante: Podemos notar algo através de nossos sentidos, mas é necessário uma objeção através de revelação (ou seja, eu sei que estamos numa Matrix e estou te comunicado) ou lógica para que questionemos e analisemos se essa objeção é um cancelador ou não.
O problema da autoridade/revelação
A questão da revelação também é problemática principalmente pelo que vemos hoje em dia. Pessoas por vários motivos podem mentir, provas podem ser adulteradas, pessoas se enganam, etc. Como podemos confiar neste meio de saber com todas essas possibilidades de erro?
Minha resposta é a mesma com a questão da confiança em nossos sentidos acima: referência cruzada. O sistema judicial faz isso todos os dias. Escuta-se a versão de uma testemunha, cruza-se essa versão com a de outras testemunhas e provas para se chegar a uma conclusão.
A questão não esta em se jogar tudo para o alto e desistir; ela está, sim, no esforço de cruzarmos todas essas informações para chegarmos a uma conclusão razoável. Isso exige esforço e paciência que muitos não têm e, desta forma, são facilmente dissuadidos. Nosso sistema judiciário jamais ignoraria o depoimento de testemunhas devido à possibilidade de mentiras. Ao contrário, o Poder Judiciário analisa a credibilidade, consistência e verdade da testemunha juntamente com outros fatos.
O problema da lógica
A aquisição de conhecimento por meio da lógica e da razão parece a princípio ser mais objetivo e conclusivo. Conto duas pedrinhas, adiciono mais duas e conto novamente para chegar à conclusão de que tenho quatro pedrinhas. No entanto, nem todas as conclusões que parecem lógicas são corretas. Em outros casos, a apresentação de uma informação pode parecer lógica, mas é apresentada de uma forma tendenciosa a levar-nos a uma conclusão errada.
Vejamos o primeiro caso: informações que parecem lógicas a princípio mas que não são. Se eu afirmo:
Premissa 1: Todo ser humano é mamífero.
Premissa 2: A baleia é um mamífero.
Conclusão: A baleia é um ser humano.
Parece ser uma lógica correta à primeira vista, mas não é. O problema é que a Premissa 1 não nos leva logicamente à conclusão, pois enganosamente nos faz pensar que SOMENTE o ser humano é mamífero. Se isso fosse verdade, então a conclusão seria correta, mas não é. Há outros animais que não são seres humanos e que são mamíferos, como no caso da baleia. Podemos facilmente ver a falha na lógica se escrevermos a lógica novamente, mas de uma forma mais específica. Note que é fácil ver a falha na lógica agora:
Premissa 1: Todo ser humano e TÃO SOMENTE O SER HUMANO são mamíferos.
Premissa 2: A baleia é um mamífero.
Conclusão: A baleia é um ser humano.
Note que antes mesmo de chegar à conclusão, a premissa 2 já se torna incoerente com a premissa 1, pois a baleia não pode ser um mamífero se somente o ser humano pode ser mamífero (isso segundo a premissa 1).
O segundo caso refere-se à apresentação da informação. A própria apresentação pode ser tendenciosa e influenciar uma conclusão ilógica. Vejamos um gráfico que mostra isso. O gráfico abaixo mostra o crescimento de receita de uma empresa qualquer. A informação está apresentada de forma acumulada. Isso significa que Janeiro mostra o total de Janeiro, Fevereiro mostra Janeiro e Fevereiro, Março mostra o total de Janeiro, Fevereiro e Março, e assim por diante. A informação não está errada, mas está apresentada de uma forma que pode parecer que a receita da empresa está crescendo.
- No entanto, se pegarmos os mesmo dados e, em vez de fazermos o gráfico acumulado, colocarmos a receita do mês, vamos notar que o volume de receitas está diminuindo e não aumentando. Abaixo o gráfico sem a sua forma acumulada:
Como podemos ver, podemos ser também enganados pela lógica. No entanto, como dito acima, isso não significa que não podemos confiar na lógica. Isso significa que devemos estar atentos e nos esforçarmos um pouco mais.
O problema da intuição e da emoção
Depender de emoções para se adquirir conhecimento é muito perigoso devido a vulnerabilidade de nossas emoções. Estas são extremamente sensíveis a traumas e outras circunstâncias sofridas por uma pessoa. No entanto, sabemos que temos certas intuições que nos levam a sentir o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto. Eu não descartaria a intuição como um meio válido de se adquirir conhecimento, mas agiria com muita cautela e validaria minhas intuições com as outras formas de conhecimento.
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Minha conclusão foi de que os quatro meios de se adquirir conhecimento eram válidos, desde que tomássemos precauções com respeito aos problemas relacionados a cada um. Não podemos jogar a ferramenta fora devido ao seu mal uso. É muito comum hoje em dia confundirmos o objeto com o seu uso. Não faz sentido deixar de usar dinheiro porque vimos um caso de uma pessoa usar dinheiro para pagar o assassinato de outra. Não faz sentido não usarmos facas para cortar vegetais, pois vimos casos de homicídio a facadas. O objeto em si não é o problema, mas sim o seu uso. O mesmo ocorre com nossos meios de se adquirir conhecimento. Não devemos abandonar o meio devido ao seu mal uso em alguns casos. O que devemos fazer é tomar as precauções adequadas para evitar o seu mal uso.
Com isso, concluí minha preparação para a busca da verdade. Cheguei à conclusão de que esta vale a pena ser buscada, determinei alguns parâmetros para essa busca e estava ciente das vantagens e desvantagens de cada meio de se saber algo. Agora era só começar a jornada.
Clique aqui para conferir a Parte 6. Todos os textos aqui.
Fábio Mendes mora na Califórnia, EUA. É bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Bethel, em Minnesota, e MBA em gerenciamento de tecnologia pela University of Phoenix. Atualmente, exerce a função de Arquiteto Sênior de Sistemas para uma seguradora internacional. Membro da igreja Christ Fellowship, em Miami, dedica-se ao pensamento e à filosofia cristã com ênfase para jovens. |
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[…] Comecei esta série estabelecendo ser importante buscar a verdade (veja aqui). Estabeleci o papel da fé em qualquer posicionamento que tomasse (veja aqui), determinei que um método para essa busca era importante (veja aqui) e, finalmente, explorei todas as formas de saber juntamente com suas vantagens e desvantagens (veja aqui). […]