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A maioria dos evangélicos na atualidade afirma querer diversidade étnica em sua igreja. Glória a Deus! É um desejo louvável, porque a multietnicidade nas igrejas de hoje é um prenúncio e ao mesmo tempo aponta para o último dia, em que toda tribo, língua e nação se reunirá ao redor do trono de Deus, em adoração conjunta (Ap 7.9,10).

O problema é que as programações das nossas igrejas não só trabalham contra a multietnicidade, como até reforçam as barreiras étnicas do mundo.

Desde pelo menos a metade do século 20, líderes da igreja têm procurado edificar suas igrejas visando alcançar grupos de pessoas que têm semelhanças étnicas, linguísticas, educacionais e sociais — como “moradores de bairros de classe média, brancos, com curso superior” ou “millenials[1] estilosos, viciados em café”. Os livros para pastores chamam isso de “princípio da unidade homogênea”. Você tenta descobrir qual é a sua unidade homogênea e depois personaliza tudo em sua igreja para atrair esse grupo demográfico.

Os sociólogos explicam exatamente por que isso “funciona”. Estudos mostram que os seres humanos tendem a preferir seus próprios grupos. O poder do viés de grupo influencia tudo, desde opções de consumo e rivalidades entre equipes esportivas até racismo, comportamento sexista e nacionalismo. Todos temos a tendência a avaliar os membros de nossos próprios grupos de forma positiva, e os que não fazem parte deles ou são membros de outros grupos, de modo negativo. Além disso, com o passar do tempo somos mais propensos a lembrar os aspectos positivos e esquecer os pontos negativos dos membros do nosso grupo e a fazer exatamente o oposto com os que estão fora do nosso grupo. É por isso que, no ensino médio, por exemplo, você provavelmente se vestia do mesmo jeito que seus amigos. É por isso também que ouvimos as pessoas repetirem diversas vezes as mesmas histórias sobre uma experiência negativa que tiveram com aquele “estrangeiro” ou “aquela mulher branca” ou “aquele homem negro”. E o objetivo da história é caracterizar todo o grupo. É claro que jamais alguém usa fatos isolados como esses para caracterizar seu próprio grupo. Em termos positivos, podemos dizer que semelhante atrai semelhante. Confiamos naturalmente naqueles que são como nós e damos preferência a eles.

O princípio da unidade homogênea põe em ação o poder da tendenciosidade e da lealdade ao grupo, incentivando os pastores a edificarem suas igrejas sobre o alicerce da demografia e da lealdade ao grupo. Podemos ver esse princípio operando no movimento de igrejas sensíveis àqueles em busca de espiritualidade, surgido na década de 1980, ou no movimento missional do início dos anos 2000. Por exemplo, um pastor bem conhecido argumenta: “De modo geral, um pastor pode definir seu público-alvo pensando no tipo de pessoa com quem ele gostaria de passar férias ou uma tarde de lazer”.[2]

Não estou afirmando que o ministério de atração é, por definição, racista ou sexista. Essas são formas perversas de lealdade e parcialidade grupal. Não estou nem mesmo dizendo que todas as formas de lealdade e tendenciosidade grupal são ruins. Demonstrar um amor especial por seus filhos, seu time ou até mesmo sua nação pode ser uma coisa boa. O que estou tentando dizer aqui é simplesmente que a perspectiva de atrair pessoas desse modo trabalha para edificar igrejas sobre um alicerce natural, e não sobrenatural; sobre um elemento humano, e não divino; algo suscetível a manipulação, perversão e racismo, e não completamente imaculado.

A curto prazo, essa estratégia fará as igrejas crescerem. A lealdade demográfica e cultural é genuína e empiricamente poderosa, e isso está demonstrado. É como a argamassa para os tijolos.

O problema é que ela produz principalmente igrejas brancas, principalmente igrejas cujos membros têm curso superior e principalmente igrejas de millennials. (Obviamente, nem todas as igrejas monoétnicas surgiram dessa maneira, haja vista as igrejas de negros, que foram criadas quando os brancos os expulsaram.) Os evangélicos podem não ligar para essas divisões demográficas: “Bem, pelo menos, estamos trazendo as pessoas para dentro da igreja”. Mas no fim das contas acabamos reforçando a divisão étnica. Ratificamos as discriminações da nossa cultura e edificamos algo que é tanto um produto da cultura decaída quanto um produto do céu.

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Além disso, os membros da igreja avaliarão a unidade de suas igrejas como o poder do evangelho em ação, quando na verdade estão desfrutando do poder do favoritismo demográfico. Eles pensam que sua unidade vem do Pentecostes, quando é igualmente provável que seja a maldição de Babel e o resultado de nossas preferências pelo “nosso” grupo. Além disso, nossos vizinhos e filhos descartarão mais facilmente nossas igrejas, pois as considerarão um grupo com interesses comuns dentre tantos outros — e terão certa razão de pensar assim.

Uma igreja que vive pelo poder da sociologia, da atração e da cultura morrerá pelo poder da sociologia, da atração e da cultura.

Entretanto, igrejas que de modo intencional buscam a edificação sobre o poder da Palavra e do Espírito têm melhor chance de derrubar as muralhas que nos dividem. Tenho visto isso acontecer lentamente na minha própria igreja e em outras. E uma igreja caracterizada pela demografia mista do evangelho (brancos e negros, pessoas cultas e incultas, ricos e pobres) é muito mais difícil de ser descartada pelos céticos.

______________

[1] Geração nascida entre o começo da década de 1980 e o final da de 1990. (N. do T.)

[2] Bill Hybels, citado em Gregory A. Pritchard, Willow Creek seeker services: evaluating a new way of doing church (Grand Rapids: Baker, 1996), p. 62.

Trecho extraído e adaptado da obra “A igreja centrada na Palavra: como as Escrituras dão vida e crescimento ao povo de Deus“, de Jonathan Leeman, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2019, pp. 86-90. Traduzido por Lucília Marques. Publicado no site Tuporém com permissão.

Jonathan Leeman (MDiv, Southern Baptist Theological Seminary) é o diretor editorial da série 9Marcas e autor de Membresia na igreja e Disciplina na igreja, publicados por Vida Nova. Leeman é professor, presbítero na igreja Cheverly Baptist Church, e vive em Washington, D.C., com a esposa e as quatro filhas.
Hoje podemos constatar, sem nenhuma surpresa, que muitas igrejas têm procurado crescer e se estabelecer com base em atributos visíveis e mensuráveis. Boa música, espetáculos de áudio e vídeo, templos suntuosos, liturgia dinâmica, eventos para jovens... Uma lista quase interminável que relega a pregação a segundo plano e suscita algumas perguntas: “O ministério da Palavra é mesmo primordial para a vida dos cristãos? Será mesmo que não existe algo melhor para potencializar a vida e o crescimento das nossas igrejas do que uma pessoa falando no púlpito?”.

Para Jonathan Leeman, a resposta é simples: “Não!”. Em A igreja centrada na Palavra, o autor defende que a única ferramenta que precisamos para criar e fazer uma igreja crescer é a Palavra de Deus. Em vez de apresentar novos conceitos e abordagens, Leeman nos convida a olhar para trás, em direção às igrejas do Novo Testamento, cujos membros se tornaram cristãos vibrantes por terem a Palavra como a base do evangelismo, do ensino, da adoração, do discipulado, da oração e, claro, da pregação.

Publicado por Vida Nova.

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