Expedição em busca da verdade – Parte 8: Existem verdades absolutas? | Fábio Mendes

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Expedição em busca da verdade – Parte 8

Esta é uma série intitulada “Expedição em busca da Verdade”, que tem por objetivo fornecer uma perspectiva racional e filosófica a respeito da existência de Deus e da veracidade do Cristianismo. Clique aqui para conferir todos os textos da série.

Se a verdade não fosse absoluta, isto é, se a verdade não se aplicasse a todos, então não haveria motivo para continuar minha expedição. Se a verdade é simplesmente uma invenção que cada um faz baseado em qualquer critério que decida escolher, então esta não seria diferente entre escolher um tipo de sorvete ou um time de futebol. Eu poderia escolher um sorvete de chocolate e mostrar minhas razões para esta decisão, mas estas seriam somente questões de escolha. Eu não teria como ir além disso e determinar que alguém que escolhe um sorvete de morango estaria “errado”. A verdade seria como uma escolha de um tipo de sorvete? Ou seria algo externo a nós? A verdade é INVENTADA ou ACHADA?

Muitas vezes, a própria tentativa de definir algo já nos ajuda a responder nossas próprias perguntas. Desta forma, em lugar de começar discutindo se verdade absoluta existe ou não, vou tentar analisar a definição dos termos e depois discutir sua existência. São duas palavrinhas que exigem uma análise mais profunda: VERDADE e ABSOLUTO.

Vamos começar com VERDADE. O que é verdade? O que é ser verdadeiro? Dizer que é o oposto do falso ou mentiroso não explica nada. Como definir “verdade”? O que queremos dizer quando falamos que alguém “falou a verdade”? Ou então o que significa dizer uma mentira?” Eu creio que a definição é muito simples: A verdade é a afirmação de algo que corresponde ao que é, ou seja, a afirmação daquilo que corresponde à realidade. Se não corresponde à realidade, não é verdade. Quando alguém acusa outro de mentir, o que estão realmente dizendo é que a afirmação que foi feita não corresponde ao que aconteceu; não condiz com a realidade.

Para tornar a definição mais completa, temos agora o trabalho de definir o que é REALIDADE, senão só definimos algo a partir de outro elemento não definido. Como você sabe que não está dormindo agora e sonhando? Eu me lembro ter tido um sonho quando era adolescente que me deixou confuso como nunca. Eu sonhei que estava sonhando. Acordei então do meu sonho pensando que havia realmente acordado. Após um tempo, acordei de novo, desta vez de verdade. Por alguns minutos tive que processar essa informação, pois já não tinha certeza se não continuava sonhando. E, se estiver errado, estou escrevendo isso nos meus sonhos… Eu creio que não sou o único a passar por essas experiências malucas.

Por esses motivos, muitos céticos afirmam que não podemos confiar em nada do que sabemos ou experimentamos. Muitos afirmam que não podemos saber nada com certeza. Um dos problemas com essa visão é que, se não podemos ter certeza do que sabemos, isso implicaria que NÃO TEMOS COMO TER CERTEZA DE QUE NÃO TEMOS COMO SABER AS COISAS COM CERTEZA. Em outras palavras, não avançamos em nada com essa abordagem. Outro ponto negativo nessa abordagem é que simplesmente isso não é viável. Por mais que uma pessoa queira afirmar que não se pode ter certeza das coisas, esta pessoa não tem como viver assim. Esta pessoa não vai por a mão no fogo, não vai pular de um prédio e vai parar no farol vermelho. Este ceticismo se torna simplesmente teórico. Não pode ser colocado em prática.

A única abordagem que nos sobra é confiar em nossos sentidos. Seria essa uma abordagem racional? Afinal de contas, existem casos de doenças mentais em que pessoas não estão conectadas com a realidade. Como sabemos se não estamos nessa situação? Para piorar ainda mais, como temos certeza de que não somos cérebros mergulhados num vasilhame de laboratório com eletrodos enviando estímulos elétricos que traduzimos em realidade? Como sabemos que não estamos numa Matrix? A verdade pura e simples é que não temos como saber! Nós processamos a realidade através da interpretação de estímulos que recebemos através do cérebro. Mas como sabemos que podemos ser enganados, a forma mais racional é confiar em nossos sentidos e percepções ENQUANTO NÃO FOR PROVADO O CONTRÁRIO. É assim que vivemos e funcionamos. É a maneira mais racional dentro de nossas limitações humanas. O ônus da prova seria apresentar evidências de que sou um cérebro num vasilhame de laboratório. Lembre-se que não é só apresentar a alternativa, mas sim evidências que apoiam a alternativa. Enquanto isso não é apresentado, é racional crer que não sou um cérebro num vasilhame e que a minha percepção da realidade é correta. O mesmo acontece se tenho um distúrbio mental que afeta a minha percepção da realidade. Enquanto não recebo evidências de que tenho um distúrbio, é racional crer que a minha percepção da realidade é viável.

O mesmo acontece com a percepção de que a realidade é objetiva, isto é, real e independente do indivíduo. Por mais que o mundo pós-moderno queira afirmar o contrário, se uma pessoa vê a outra distraída preparando-se para atravessar a rua, esta não resistirá em avisar que um carro se aproxima. NÃO HÁ COMO VIVER COERENTEMENTE com a ideia de que a realidade é subjetiva. Cabe mencionar, no entanto, que a PERCEPÇÃO da realidade, sim, pode ser subjetiva. Isso é óbvio, afinal de contas, a percepção é do indivíduo, de forma que, por definição, é subjetiva (baseada no sujeito). Uma percepção errada em nada muda a realidade objetiva. Eu posso não enxergar uma cadeira na minha frente por falta de óculos, mas isso em nada muda a existência da cadeira. Não podemos confundir nossa percepção da realidade com a realidade em si. Devido às nossas imperfeições humanas, podemos não perceber a realidade da mesma forma, mas estamos justificados a crer em uma realidade objetiva pelos motivos apresentados acima.

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Definimos verdade e realidade. Agora nos sobra definir ABSOLUTO. O que vem a ser algo absoluto? Em termos filosóficos, absoluto é tudo aquilo que é universalmente válido. Como eu havia chegado à conclusão de que a realidade é objetiva e que a verdade é a afirmação que corresponde à realidade, por conclusão lógica, a verdade tem que ser absoluta, isto é, universalmente válida. Desta forma, o uso do adjetivo “absoluto” se torna redundante pela própria definição da verdade. Mas, para propósito de discussão, vou manter o adjetivo presente.

Em nossa cultura pós-moderna, muitos querem crer que a verdade é relativa a cada indivíduo. Como mostrado acima, esta visão não é racional. Além do mais, é uma visão incoerente em si mesma. Note que a afirmação de que NÃO EXISTE VERDADE ABSOLUTA tem que ser absoluta para ser verdade! Isto é, tem que ser universalmente válida. Mas, para ser universalmente válida, esta deixa de ser absoluta, o que torna a afirmação incoerente. É muito difícil para mim aceitar uma afirmação que não resiste a um teste simples como ser coerente consigo mesma! Note que o oposto é coerente: a afirmação de que verdades são absolutas resiste o seu próprio teste e é internamente coerente e racional. Se alguém afirma que “não existem verdades absolutas”, duas perguntas facilmente mostram a incoerência da posição, 1) O que você falou é verdade? e, 2) Você está absolutamente certo disso?

Segue outra conclusão lógica: se duas afirmações são opostas uma à outra e não existe uma terceira alternativa viável, então não há como ambas serem verdadeiras. Por exemplo, se tivermos duas afirmações “Existe um Ser Superior” e “Não existe um Ser Superior” ambas são mutualmente exclusivas, de forma que ambas não podem ser verdadeiras. Ou existe ou não. Outra conclusão lógica: se as afirmações não são opostas uma à outra, mas não são compatíveis entre si, a conclusão é que ou ambas estão erradas, ou uma está errada e a outra certa. O que não pode acontecer é que as duas estejam certas. Esse é o caso das várias afirmações religiosas. Muitas delas não são compatíveis entre si. Desta forma, ou todas as religiões estão erradas ou uma delas está certa. Mas a afirmação de que todas as religiões estão certas é uma tentativa de paz social às custas da razão e da lógica.

Esta parada na minha expedição em busca da verdade me ajudou a determinar que esta visão pós-moderna de que “todos estão certos”, e que “cada um está certo da sua maneira” etc., não tinha qualquer fundamento lógico. Parece-me mais uma maneira intelectualmente covarde de se evitar discussões talvez devido ao histórico de inimizades e brigas. Parece-me que o nosso mundo valorizou tanto a “paz”, evitando discussões, que, em lugar de aprender a discutir de forma civilizada, apresentar suas posições, discordar de forma respeitosa, partimos para o outro lado do pêndulo e decidimos abandonar a visão óbvia e racional de que alguns podem estar certos e outros errados. Para mim, um caso clássico de busca de “paz” às custas da razão e da lógica. Assim, a minha busca continuava.

O que é a verdade então? Existe um Ser Supremo ou não existe? Esta parada mostrou claramente que não importa que tipo de posicionamento eu tomasse. Eu poderia estar certo (condizente com a verdade) ou errado. Essa parada mostrava para mim o quão importante era seguir a evidência onde me levasse, mesmo que fosse inconveniente. Não existia nenhuma lógica que me mostrasse que a verdade por definição tinha que ser conveniente. Se eu não fosse honesto nesta expedição, poderia chegar à conclusão de que não tinha câncer por ser conveniente e ignorar todas as evidências de médicos e exames que me mostrassem o contrário. Eu tinha que tomar um cuidado sério de não alterar minha percepção da realidade e da análise das evidências para encaixar numa visão pré-estabelecida antes da jornada. Creio que nós seres humanos somos especialistas nisso, principalmente quando a verdade se torna difícil ou inconveniente.

Clique aqui para conferir a Parte 9. Todos os textos aqui.

Fábio Mendes mora na Califórnia, EUA. É bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Bethel, em Minnesota, e MBA em gerenciamento de tecnologia pela University of Phoenix. Atualmente, exerce a função de Arquiteto Sênior de Sistemas para uma seguradora internacional. Membro da igreja Christ Fellowship, em Miami, dedica-se ao pensamento e à filosofia cristã com ênfase para jovens.

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