O veredito da violência | Silas Chosen

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Assistir a filmes é uma experiência tremenda. Acredito ser a mais arrebatadora experiência cultural e artística pela qual uma pessoa pode passar, exceto em alguns poucos jogos eletrônicos que além de emocionar, chocar, ensinar e questionar ainda colocam você como executor de tais verbos.

Mas filmes são feitos por pessoas, pessoas que tem intenções, opiniões, pontos de vista. Na maioria das vezes, os produtores de cinema, diretores e criadores dessas histórias querem somente o seu ingresso. Um dinheirinho aqui para ver o filme, mais pipoca e refrigerante, e o dono do cinema, a distribuidora, a produtora, os escritórios de direitos autorais e os desenvolvedores de merchandising estarão contentes. Em outros casos, essas pessoas realmente querem que você saia do cinema pensando em algo.

E é muito fácil ser seduzido pela linguagem cinematográfica. Quando se está envolvido numa história, sendo cativado pelo charme dos atores e pelo carisma dos personagens, nós normalmente desligamos o cérebro e aceitamos tudo o que vier. Existem diversos filmes que não querem isso de você. São filmes chamados “de arte”. Normalmente eles aliam narrativa, fotografia e edição de uma forma que mantenha você “fora do filme”, como que um analista mais do que um espectador. Quase todos os outros filmes querem que você realmente “esqueça que é um filme”.

E no meio disso, até mesmo a mensagem original pode se perder. A tal “moral da história”. Se a construção da linguagem teve algum problema, as vezes nós acabamos torcendo pelo lado errado. Em Tropa de Elite, uma parte do público saiu do cinema aplaudindo um policial truculento que estava plenamente disposto a ferir de uma maneira horrorosa e hedionda uma criança para conseguir informações. Outra parte do público acusou o filme de ser uma bandeira do fascismo, do lado de que “bandido bom é bandido morto, enterrado de pé para não ocupar espaço”. Foram poucos, ou pelo menos bem menos do que os criadores tinham em mente, os que entenderam que o filme estava na verdade criticando aquela atitude.

Anos atrás eu estava no cinema para ver a adaptação de uma das obras literárias mais influentes do mundo dos quadrinhos, V de Vingança. A Graphic Novel foi escrita por Alan Moore, que é anarquista, ocultista, e para efeitos de classificação, muito inteligente e muito pouco convencional. Ela conta a história de um justiceiro que pretende aniquilar um governo totalitário que tomou conta da Inglaterra no futuro. Uma mistura de Batman com 1984, cuja icônica máscara ficou extremamente popular pela vasta quantidade de pessoas que interpretaram mal o significado dela durante os últimos acontecimentos políticos e sociais no Brasil.

Eu lembro bem da experiência de ver esse filme porque poucas vezes eu lembro de me sentir tão contrariado e tão questionado por algum fato dentro do filme. O personagem mascarado, que mata seus algozes de maneira disciplinada e eficaz, a certa altura do filme defende, com todas as palavras, o uso da violência como forma legítima de atingir seus nobres objetivos. Ele faz isso durante um momento de descanso, enquanto assiste uma versão antiga de O Conde de Monte Cristo.

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Simplesmente assim, de uma hora para outra, eu fui jogado para fora do filme. Estava lá, curtindo o espírito “vamos derrotar o governo malvado! É isso aí!”, a estética, a voz por trás da máscara, o charme da Natalie Portman, torcendo pelo herói. Como um filme de super-heróis quer que eu faça (e como o Alan Moore não quer que eu faça). E de repente, eu sou agredido pela opinião de um personagem, especialmente porque ela é totalmente contrária à minha.

O filme pensou nessa questão também. A personagem que Portman interpreta, Evey, serve como nossos olhos e ouvidos nesse mundo louco, e mesmo ela acha a defesa da violência por parte de nosso anti-herói algo atroz. Num filme que precisa do público inserido nele para funcionar, como um belo blockbuster, é o papel dela dizer para você que “está tudo bem se você discordar do herói do filme”. Algo que Tropa de Elite não teve porque ele confiou que o público seria maduro o bastante para não aplaudir um matador de crianças.

A partir da declaração do herói, V de Vingança tornou-se muito mais “um filme a ser analisado” do que “uma experiência”, mesmo com o final bombástico e todas as outras partes de qualidade, além de um pedaço muito benéfico em sua mensagem.

Não acho que o filme queria me vender a ideia de que “violência é uma forma boa de atingir objetivos”. Mas dali em diante sempre levei em conta algo muito importante no consumo de artes em geral. Que eu posso, e devo, questionar basicamente tudo o que eu consumo. Aliás, em muitos casos, o criador da obra em questão quer mesmo é que eu questione, discorde, e crie o meu próprio ponto de vista sobre aquilo.

Arte não vem, e não deve vir, toda mastigada. Algumas artes usam artifícios para que você pense menos (Transformers 4 não acabou de bater a marca de 1 bilhão de dólares à toa). Mas você precisa se esforçar. Arte sempre é a expressão de alguém, que por algum motivo expressou aquilo. Arte é como ensinamos e como transmitimos nossos valores. Aprendamos a consumir arte de maneira responsável, e aprenda a produzir arte de maneira responsável.

Heróis e vilões são diferentes por uma razão.

Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente.

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