O espaço frio e solitário de Interestelar | Silas Chosen

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(Este artigo contém SPOILERS do filme. Se você pretende assistir o filme e não quer ter a história estragada, vá ver e leia o texto depois)

O homem construiu as pirâmides. O homem populou o mundo. O homem conquistou o Everest. O homem pisou na Lua. A maioria de nós nasceu nesse mundo em que o homem conquistou as próprias maravilhas. Agora, recentemente, o homem botou um robô em Marte. Logo mais, o homem pisará em Marte.

Recentemente temos visto um aumento nas notícias e nos diálogos sobre a exploração do espaço. Parte disso é porque as empresas aeroespaciais finalmente aprenderam como fazer relações públicas. Conseguiram transformar algo que sempre teve ares de ser empolgante em algo realmente empolgante. Quer sejam videologs de astronautas na Estação Espacial Internacional, ou o acompanhamento do pouso de um robô num asteroide, estamos falando mais sobre o espaço ultimamente. Aquela que ainda é a fronteira final.

E como uma carta de amor à exploração espacial, e uma crítica à falta de iniciativa científica (um dos mais populares motes da ficção científica), o diretor-sensação Christopher Nolan (da trilogia do Cavaleiro das Trevas) lançou o filme Interestelar mirando alto. Suas referências claras são “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, “Os Eleitos” e ficção científica literária da mais clássica. O visual arrojado, belíssimo, impressiona qualquer um. E é um filme sobre viagens interplanetárias que se desdobra para respeitar completamente as leis da física (o que normalmente é a primeira coisa a se descartar num filme desses) e mais, aplica conceitos físicos complicados e ainda não totalmente compreendidos num drama humano com eficácia.

A Terra está morrendo. Uma terrível praga está destruindo o alimento humano, e logo mais irá eliminar o oxigênio da atmosfera. A situação está tão sinistra que os governos do mundo desistiram das guerras e investem tudo o que podem simplesmente em agricultura. A engenharia e exploração espacial são lendas: até a ida do homem à Lua é desacreditada, para não inspirar pessoas a buscarem soluções “ilusórias”. O que o mundo precisa é de fazendeiros.

Um ex-piinterstellar-christopher-nolan-posterloto da Nasa, papel de Matthew McConaughey, então descobre que a própria Nasa está preparando uma expedição salvadora para descobrir novos mundos. Um Buraco de Minhoca (um portal que liga dois pontos diferentes do espaço) apareceu misteriosamente próximo a Saturno, e do outro lado podem existir planetas que suportem vida. E agora é esse piloto que liderará a missão para encontrar uma nova casa.

O filme segue a aventura e a descoberta do que pode haver do outro lado do espaço, num “sistema solar” onde não há sol, mas sim um Buraco Negro. A proximidade desse Buraco Negro traz um problema sério: quanto mais tempo próximo dele, mais o tempo passa no planeta Terra, mas não para os astronautas. De maneira que a família dos astronautas envelhece, mas não eles. A teoria da relatividade transformada em cinema.

O elemento do drama familiar vivido pelo astronauta que perde sua família para salvar a humanidade é bem retratado aqui. Nolan finalmente acertou a mão no emocional de seus personagens, antes sempre muito estoicos e duros. Aqui, enquanto o astronauta sofre porque sua filha envelheceu 20 anos enquanto ele esteve por 3 horas perto do Buraco Negro, sua filha sofre porque seu pai sumiu por 20 anos. E você compartilha desse drama, só possível na ficção científica.

Isso quase faz com que os outros elementos da história do filme não prejudiquem a experiência. Mas o filme tem as clássicas pataquadas de Hollywood em, por exemplo, querer explicar tudo 100% para o público. A insistência em ter um antagonista desnecessário (e um muito caricato e mal escrito, por sinal). A incongruência de alguns aspectos da história. E a falta de paixão pelo mistério.

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O pior dos elementos do filme é a definição desse maior mistério. Os cientistas do filme não sabem o que causou o Buraco de Minhoca, mas suspeitam que são seres interdimensionais. No final do filme, quando, para salvar a astronauta-colega e completar a missão, o astronauta-protagonista se lança para dentro do Buraco Negro. E ao invés de ser esmagado pela força descomunal da gravidade lá dentro, ele é transportado para um ambiente quintidimensional, onde não só enxerga largura, profundidade e comprimento, mas também o tempo como algo maleável e perfeitamente observável. Lá, ele consegue voltar no tempo e, literalmente, salvar a humanidade.

Não é tão simples quando parece, e realmente a direção de arte, trilha sonora e o trabalho de Matthew McConaughey fazem a cena se sobressair e conquistar você, mesmo que depois você se lembre dela com menos carinho. Mas ali, McConaughey descobre o que são as anomalias. Descobre quem estava ajudando-os o tempo todo. E ao invés de sugerir, de usar as sutilezas cinematográficas, Nolan dá a resposta através do que seu personagem percebe. E já é ruim, limitador ter essa resposta, cuja mera sugestão poderia fazer com que o filme fosse lembrado e discutido por décadas. Mas a resposta em si é desanimadora.

“Somos nós!”, diz o astronauta a seu parceiro-robô-barra-de-chocolate. As anomalias, os seres interdimensionais, são seres humanos de um futuro tão longínquo no qual eles aprenderam a manipular o tempo-espaço. Então eles podem voltar no tempo e “salvar a si mesmos”.

Isso não é só ruim do ponto de vista da trama, na qual você cria uma solução que impossibilita a problemática do roteiro de ser, de fato, um problema, já que “os humanos do futuro precisam salvar os humanos do ‘presente’, e sempre o farão, já que eles podem”. Não é só ruim do ponto de vista de ficção científica hard, já que cria um paradoxo do avô cuja solução é ignorada.

Mas isso também traz uma mensagem que, pelo menos em minha opinião, é sinistra. Porque dependemos de nós mesmos para nos salvar. E se eu acreditasse mesmo que essa é a solução para os problemas da humanidade e do Universo, de que salvar-nos de nós mesmos é uma tarefa para… Nós… Eu já teria enlouquecido tempos atrás. Ignorar a existência de um Ser Superior, Criador e presente é um caminho que nos deixa aberta somente essa opção. E ideologia nenhuma consegue convencer qualquer um de que seja uma opção otimista e alegre.

Interestelar parece celebrar a maravilha do intelecto e capacidade humanos. E, mesmo que não ignore o fato de que a humanidade é egoísta, vaidosa, violenta e má, se perde na ilusão de que a humanidade, por si só, um dia será completa. E isso é a perspectiva ainda mais fria e solitária do que o vazio do espaço, sem ar, sem calor, sem salvação, sem esperança.

Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente.

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