O poder de Deus em Cristo: A mensagem de Paulo aos cristãos de Éfeso | Gedimar Junior

Palestra de lançamento da obra “Jesus, o purificador” com Craig Blomberg
03/out/2024

National Gallery of Art, CC0, via Wikimedia Commons

O povo de Deus sempre vivenciou e ainda hoje vivência momentos de hostilidade e preocupações. O mundo que o cercam sempre buscou e buscará suplantar a sua mensagem em troca da deles. Além do mundo natural, há também o mundo espiritual, onde todo trabalho contra os cristãos é ordenado por demônios. O fato é que tanto o mundo dos homens quanto o mundo dos demônios trabalham juntos contra o povo de Deus.

Por outro lado, na esteira da história, Deus sempre esteve com o seu povo, protegendo-os e mantendo-os firmes nele por meio da sua mão poderosa. Este poder chegou ao clímax na pessoa de Jesus. A partir daqui essa mensagem poderosa passou a transformar as vidas e isso aconteceu, por exemplo, com Saulo. O mesmo homem que antes trabalhava contra o povo de Deus, passou a ser perseguido e após uma longa jornada de ministério, se encontrou preso. No entanto, mesmo em dias de lutas, ele foi conduzido pelo poder Deus para registrar, com palavras a Sua mensagem. É assim que ele escreveu a carta aos Efésios. Mas por que ele escreveu? Qual era o cenário histórico-cultural de Éfeso e como os cristãos estavam lidando com ele? E quais foram os argumentos que Paulo usou para defender o poder de Deus? Esse artigo buscará responder essas questões.

 

O cenário histórico-cultural

O mundo dos Efésios não foi muito diferente do mundo do povo de Israel e nem do mundo dos cristãos modernos. Os cristãos que ali viviam, enfrentavam problemas e lidavam com questões profundas de fé. Éfeso era conhecido como a “cidade mãe” da Ásia.[1] Regida por uma pluralidade de religiões, talvez a única coisa que os mantinham juntos era quando chegava o dia do culto a grande deusa da época conhecida por Ártemis (ou Diana).[2] Acreditava-se que ela detinha o poder para quebrar as cadeias do destino e proteger as pessoas dos espíritos atormentadores.[3] Por outro lado, os santos de Éfeso (1.1) tinham que lidar com essa cultura, preponderantemente dominada por Ártemis; afinal, a sua influência estava impregnada em todos os setores da vida comum da cidade.[4] No entanto, a mensagem do Evangelho ia pela contramão de tudo isso. De acordo com Lucas, muitas pessoas que eram devotas desse culto tornaram-se cristãs durante o ministério de Paulo.[5]

Diante disso, como eles poderiam confiar no poder de Deus, tendo em vista um mundo tão diferente? Como eles poderiam desvencilhar-se de toda aquela cultura? O fato é que todo esse cenário ainda influenciava a vida deles. Foi necessário, conforme disse Arnold que: “houvesse a intervenção soberana para que eles fossem suficientemente convencidos de que deveriam se arrepender completamente dos ritos[6] utilizados pelos pagãos”.[7] Paulo foi o grande instrumento de Deus para que isso acontecesse. A sua carta é uma evidência disso.

 

Por que Paulo escreveu a carta?

Não é possível encontrar um único problema na carta de Efésios, como, por exemplo, tem a carta aos Gálatas.[8] No contexto acadêmico, por exemplo, os estudiosos tentaram isolar uma ocasião específica e visualizaram toda carta em relação ao problema específico. Porém, tendo em vista que nenhum problema é mencionado de forma explicita na redação de Paulo, todas as tentativas falharam.[9] No entanto, levando em consideração o contexto histórico da igreja, é possível identificar alguns elementos ocasionais que certamente teria fomentado Paulo no desejo de escrever. São eles: (1) a crença greco-romana da existência de forças espirituais atormentadoras, (2) a divisão de gentios e judeus, (3) a dificuldade para abandonar a cultura grega, e (4) a importância da consciência de que eles não pertenciam a Ártemis.[10]

Para apreender o que Paulo escreveu sobre o poder de Deus, tendo em vista os elementos apresentados acima, a ocasião que melhor se encaixa é a primeira e a terceira. A razão disso é porque os convertidos tinham grandes dificuldades em renunciar o medo dos espíritos malignos (ocasião 1). Por consequência, a tentação de voltarem para os seus antigos costumes, era grande, até porque, toda a Ásia girava em torno de Ártemis (ocasião 3).[11] Era preciso, portanto, que Paulo ajudasse aqueles cristãos a olharem para o verdadeiro Deus. Mas como ele fez isso?

 

Argumento de Paulo: Deus revelou o seu poder em seu Filho

Os destinatários de Paulo pertenciam a uma igreja que havia sido plantada por ele. Isto é, eles já se conheciam. No entanto, o seu público vivia em um contexto plural e idólatra. Porém, os santos de Efésios seguiam por um caminho diferente. Enquanto eles observavam o seu entorno e viam uma cultura sendo regida pela opressão humana e maligna, eles sabiam que Jesus Cristo havia morrido por eles na cruz. Mas por que eles tinham medo? O trabalho paulino foi feito exatamente para relembrá-los sobre o que Deus havia feito por eles (1-3), bem como, sobre a maneira como eles deveriam viver (4-6).

Sobre aquilo que os seus leitores deveriam saber, Paulo destaca, em forma de louvor, a obra do Deus Pai (1.3-10), do Deus Filho (1.11-13) e do Deus Espírito (1.14). É interessante notar o paralelo entre o Deus dos cristãos e a deusa dos pagãos. A cultura grega temia Ártemis e confiava na sua ação em prover o que eles precisavam. Paulo sabia disso e por isso, ele louva ao Deus verdadeiro compartilhando aos seus destinatários tudo aquilo que a Trindade havia feito por eles. Usando os termos de hoje, a fé daqueles primeiros irmãos não era cega. Pelo contrário, Paulo registra os argumentos que todos deveriam crer e viver a fim de que outros fossem libertos da cultura.

Mas havia outro argumento que deveria ser reforçado, a saber: o poder de Deus. Este é o grande assunto do parágrafo seguinte.[12] Em forma de oração (1.15.16) ele diz:

  • Que Deus conceda o espírito de sabedoria e de revelação (v.17);
  • Que Ele ilumine os olhos do coração (v.18);
    1. Para que saibam:
      1. Qual é a esperança da vocação (v.18d);
      2. Qual é a suprema grandeza do seu poder (v.19).
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No verso 21 Paulo traz outros elementos para que os efésios pudessem compreender este “poder supremo”. O poder de Deus está acima de:

  • Todo principado,
  • Potestade,
  • Poder,
  • Domínio
  • De todo nome que se possa mencionar.

A ideia de “todo nome” incluía o da deusa Ártemis, mas não se resumia a ela.

Mas mesmo diante dessa amplitude, quando Deus havia exercido esse poder? No verso 20 Paulo disse: “Ele exerceu esse poder em Cristo”. Mas de que maneira? Ele continua: “ressuscitando-o dentre os mortos”. Esse evento histórico da ressureição já era um conceito caro para Paulo desde as suas primeiras cartas (Cf. Gl 1.1; 1 Co 15). Portanto, é na pessoa de Cristo e na cena história da sua vitória sobre a morte que os efésios deveriam se manter.

No entanto, o verso 20 não finaliza com o evento da ressureição. Paulo também os lembrou de mais um acontecimento histórico que havia se cumprido na pessoa de Jesus e que, portanto, era a base para que Ele estivesse acima de qualquer outro nome, inclusive de Ártemis. O argumento é: “Cristo assentou-se a direita de Deus”. Esta informação revelou as fontes judaicas de Paulo.

 

A fonte de Paulo: alusão do Salmo 110.1 para defender a autoridade do Filho

No final do verso 20 encontra-se uma alusão paulina do Salmo 110.1 escrito pelo Rei Davi. Isto é, Paulo precisava sobrepor o imaginário do seu público com outra imagem de autoridade. Com isso, ele utiliza-se da própria Escritura Sagrada para fazer isso. O Cristo que ressuscitou era o Senhor prometido do Salmo davídico.

O Salmo 110 é considerado com um texto real porque ele representa o período alto da monarquia de Israel.[13] É possível estruturá-lo da seguinte forma: (1) Davi recebe a revelação de que o seu Senhor será entronizado a direita do Senhor e esse assento lhe dará poder para estar acima de todos os seus inimigos (1-3). (2) Iavé descreve esse rei como um sacerdote da ordem de Melquisedeque (3) Esse rei destruiria os seus inimigos com um golpe certeiro. Portanto, Paulo utiliza-se do Antigo Testamento para defender que o Senhor que Davi havia escrito era Jesus, e por meio da sua morte e ressureição, ele havia se assentado a direita de Deus Pai. Isso já seria o suficiente para demostrar o poder de Deus sobre a igreja cristã e de que eles não precisariam mais temer nenhum outro deus.

 

Considerações finais

Pensando na aplicação, seria correto afirmar, penso eu, que antes de confiar naquilo que o poder de Deus pode fazer, o cristão deveria permanecer naquilo que o poder de Deus já fez. Ou seja, em dias de perseguição, seja cultural ou espiritual, o movimento de todo aquele que entendeu o que Paulo quis ensinar em Efésios 1.20 é de permanecer e não de buscar. Afinal, como o próprio apóstolo concluiu: “todas as coisas estão debaixo dos pés de Jesus” (Ef 1.22), “nele todas as coisas já foram preenchidas” (Ef 1.23) e “tudo convergiu nele” (Ef 1.9-10). O que restava para os Efésios e o que resta para a igreja universal é confiar neste poder.


Notas

[1] ARNOLD, Clinton E. Ephesians. Zondervan Exegetical Commentary on the New Testament). Grand Rapids, Michagan: Zondervan Academic, 2010, p. 35.

[2] Para saber mais veja: ibidem, 2010, p. 36-37.

[3] ibidem, 2010, p. 37.

[4] Alguns exemplos sobre a sua influência na vida comum dos gregos: O templo de culto era o grande centro bancário da cidade, nas moedas era possível ver a sua foto, o seu nome era o nome de um dos meses do calendário e todos confiavam que ela era a sua grande guardiã. In: ibidem, 2010, p. 37.

[5] Vj. Lc 19.23-41.

[6] Um dos costumes da época, sobretudo, nos momentos de culto a deusa era da utilização contínua de amuletos. Esse era um dos meios tradicionais do fiel obter o poder espiritual sobre os espíritos que lhe atormentava.

[7] ibidem, 2010, p. 39.

[8] O problema de Gálatas foi: “Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho” (Gl 1.6).

[9] Para saber quais foram as propostas dos estudiosos, veja: TALBERT, Charles H. Ephesians and Colossians. A Cultural, Exegetical, Historical, & Theological Bible Commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michagan: Baker Academic, 2007, p. 12.

[10] Ibidem, 2010, p. 49-51.

[11] Ibidem, 2010, p. 49.

[12] Segundo Lincoln e Larkin esse parágrafo pode ser visto através da seguinte estrutura:

       (1) Uma ação de graças propriamente dita (15-16a)

       (2) Uma oração intercessora (16b-19)

       (3) Um material confessional de louvor a Deus por causa do seu grande poder revelado na ressurreição e exaltação de Jesus Cristo (20-23)

in: LINCOLN, Andrew T. Ephesians. Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, 1990, p. 327 e LARKIN, William J. Ephesians. Baylor Handbook on the Greek New Testament. Texas: Baylor University Press, 2009, p. XIX.

[13] ROSS, Allen R. A Commentary on the Psalms: 3 Volume. Grand Rapids, Michagan: Kregel Publications, 2016, p. 339.


Professor de Teologia e Filosofia no Seminário Betel Brasileiro. Formado em Teologia pelo Betel Brasileiro. Mestre em Hermenêutica pelo Betel Brasileiro. Mestrando em Divindade no Seminário Martin Bucer e bacharelando em Filosofia pela Academia Atlântico. Atualmente, é editor-chefe da Revista Reflexão Teológica e Missiológica, organizador do projeto de pesquisa: Pensamento e obra de John Webster.

1 Comments

  1. Maria de Deus disse:

    Top Professor, parabéns

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