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Desde o início de sua carta, John Ames sabia que em breve teria que deixar para trás sua igreja, sua família e sua própria vida. Marilynne Robinson habilmente nos mostra sinais da iminente mortalidade do patriarca por meio de sua crescente necessidade de sono, por outros sintomas físicos e pela solícita preocupação das pessoas que esperam que ele morra. Ames até começou a escrever seu sermão fúnebre, esperando evitar esse transtorno ao velho Boughton.

Com a morte se aproximando, Ames relembra o passado, que ele descreve de forma honesta e pungente, sem cair no sentimentalismo indevido. Ele fala de seu amor por sua esposa, o dom gracioso de um filho e muitos outros prazeres, incluindo as alegrias e bênçãos do ministério pastoral. “Ah, como vou sentir falta desse mundo!”, diz ele. “Para onde quer que voltemos os olhos, o mundo pode reluzir como transfiguração”, pois “o Senhor soprava essas pobres brasas cinzentas da Criação, e elas se tornavam radiantes”.

Assim como qualquer ministro, o reverendo Ames também tem muitos arrependimentos — as “frustrações e os desapontamentos da vida, que são muitíssimos”. Ele muitas vezes se pergunta se algum de seus sermões “valeu alguma coisa” e teme que ele tenha “aborrecido muita gente por um bom tempo”. Ele deseja, na verdade, que suas velhas anotações de sermões (uma imagem de sua própria mortalidade) sejam queimadas. Muitas vezes, ele se deu conta, “lá no púlpito, no exato instante em que ia lendo aquelas palavras, como elas estavam distantes de quaisquer esperanças que eu pudesse ter a respeito delas. E, por um certo prisma, esses sermões foram a obra da minha vida.”

Por vezes, Ames também lamenta seu fracasso em oferecer o melhor conselho espiritual: “Continuo acordando à noite, e pensando: ‘Era isso que eu deveria ter dito!’” Mas seu maior arrependimento é, de longe, deixar para trás sua esposa e filho. Infelizmente, ele não será capaz de suprir suas necessidades ou compartilhar a vida com eles enquanto crescem e envelhecem.

O último testamento

Ao lidar com esses arrependimentos, Ames vê duas opções: “(1) ficar me atormentando ou (2) confiar no Senhor”. Esperando morrer “com o coração em paz”, ele escolhe colocar seu ministério, sua família e sua própria vida nas mãos de Deus. Em vez de imaginar tolamente que sua congregação será incapaz de viver sem ele, ele prega que o próprio Cristo será o pastor de seu povo. Quanto ao seu filho, ele pratica o que pregou anteriormente na história de Abraão e Ismael, que “qualquer pai deve acabar abandonando o filho no deserto e tendo de confiar na Providência de Deus”.

Assim termina a vida de um ministro fiel que tentou manter o evangelho diante de si como um padrão de vida e pregação e que permaneceu leal ao seu chamado em uma única igreja por quase cinquenta anos. Gilead é a cidade onde nasceu e também a cidade de onde partirá para casa. “Às vezes penso até que ser enterrado aqui é um último e delirante gesto de amor”, escreve Ames perto do final de sua carta. “Também eu vou me consumir lentamente, até a grande incandescência final”.

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Depois dessa conflagração final, ainda haverá mais histórias para contar. Robinson usa uma bela analogia para descrever as narrativas da vida futura: “Na eternidade, este mundo será Troia, creio eu, e tudo o que aconteceu aqui será a épica do universo, a balada que se canta pelas ruas.”

Para reflexão ou discussão:  Cristo chama cada um de seus seguidores não apenas para viver bem, mas também para morrer bem, com “o coração em paz”. Quem são os pastores, líderes de ministério e outros servos cristãos que você viu terminarem fortes na vida e no ministério? Que hábitos ou compromissos lhes permitiram perseverar? De que forma você está transmitindo um legado de fé para as outras pessoas? Como você está se preparando para terminar bem?

Traduzido e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Dying With a Quiet Heart. The Gospel Coalition.

Philip Ryken é doutor em teologia histórica pela Universidade de Oxford e presidente do Wheaton College Seminary. Foi pastor da igreja Tenth Presbyterian Church, na Filadélfia, e escreveu mais de cinquenta livros, como "As doutrinas da graça", "Rei Salomão: as tentações do dinheiro, sexo e poder" e "Amar como Jesus ama", publicados por Vida Nova.
Gilead é o segundo romance de uma das mais brilhantes autoras americanas contemporâneas, que compõe com sua escrita um bordado ao mesmo tempo sutil e avassalador — certamente um desafio a uma tradução tão primorosa como essa, de Maria Helena Rouanet.

Esse livro é uma declaração de amor incondicional à vida, mesmo assombrada por Deus e um lamento por sua brevidade. Aclamado pela crítica e pelo público, foi o vencedor do Pulitzer de 2005.

Gilead foi acalentado pela autora e aguardado por seus leitores durante 24 anos. Tem, em suas páginas, a dimensão de obra que atingiu a maturidade plena e nos conduz à nossa própria plenitude.

Publicado por Vida Nova.

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